Os dois monstros e a culpa

Paolo Pellegrin / Magnum Photos
Paolo Pellegrin / Magnum Photos

Perante a dimensão da catástrofe, não venham com os argumentos do costume. Argumentos que fazem bastantes vezes algum sentido mas deslocam a responsabilidade do horror para alvos que, neste momento, são laterais, e que desviam a atenção daquele que é, já não existe outra forma de o identificar, o inimigo principal. Refiro-me ao ataque do islão mais irredutível e radical – pelo que se sabe, e pelas características dos atentados em Paris, falamos do autoproclamado Estado Islâmico – a pessoas comuns, de todos os credos, falas e raças, apenas culpadas por viverem na Europa e se divertirem. E a uma declaração de guerra aos fundamentos históricos da democracia, da laicidade e do simples direito à fruição da vida – recordemos que as vítimas foram essencialmente pessoas que gostavam de futebol, ou de música, ou de jantar fora numa noite de sexta-feira –, que para os fanáticos assassinos são demoníacos e não possuem qualquer valor. ler mais deste artigo

    Acontecimentos, Atualidade, Democracia, Opinião

    Metamorfoses

    Fotografia de Paolo
    Fotografia de Paolo

    Perante a possibilidade de um governo de esquerda, tem sido, por muitos dos políticos e comentadores que o contestam, invocada como um espetro e reiterada como um mantra a hipótese de regressarmos ao ambiente, aos desígnios e aos conflitos vividos no período, inevitavelmente agitado como o são todos os tempos de revolução, de 1974-1975. Para quem não o faz por cegueira ou por ignorância, essa aproximação só pode ser determinada pelo oportunismo e pela demagogia, e é tão facilmente refutável quanto rapidamente redutível a zero. A realidade é outra, o contexto internacional é diverso, os protagonistas são diferentes, o tecido social mudou, os partidos também foram mudando, e por aí adiante. E o tempo jamais volta para trás. A tal respeito, a conversa pode ficar por aqui e não vale a pena gastar muito mais latim. ler mais deste artigo

      Apontamentos, Democracia, Opinião

      O lastro e o futuro

      Durante a campanha eleitoral, num debate sobre a necessidade e a urgência de uma confluência das esquerdas, um dos intervenientes, antigo militante da Acção Socialista Portuguesa e fundador do PS, falou de um tempo, anterior ao 25 de Abril, no qual toda a esquerda «se dava bem», dado possuir «um objetivo comum que era o de derrubar o fascismo». Esse retrato é sem dúvida bastante bonito, mas infelizmente é fantasioso; tal unidade jamais existiu.

      Se é verdade que nessa época muito unia as forças que se opunham ao regime salazar-marcelista – que mais podia uni-las, afinal, que a censura e a PIDE ou que a guerra? –, muito era também aquilo que as dividia, chegando essa separação, por vezes, ao extremo do ódio fratricida. Arquivos e testemunhos podem confirmá-lo. Como poderiam «dar-se todos bem» se, afinal, até na vida quotidiana da prisão política se antagonizavam? Por isso, o que aconteceu após a revolução não se traduziu no levantamento inaugural de um muro, como se tem andado agora a dizer, mas apenas num aprofundamento das diferenças. Só que agora não eram tanto, como acontecera antes de 25 de Abril, os grandes princípios políticos e as fidelidades históricas a separar as esquerdas; eram-no sobretudo as suas escolhas no que dizia respeito à relação com o poder político emergente e com o modelo de sociedade a construir. ler mais deste artigo

        Atualidade, Democracia, História, Opinião

        Ruína e evocação da memória

        Imagem Dorottya Sárai
        Imagem Dorottya Sárai

        Ocultar e desfigurar o passado com o objetivo de o usar para moldar as consciências é uma velha tentação. Quando em 1598, no primeiro artigo do «perpétuo e irrevogável» Édito de Nantes, Henrique IV de França ordenou que os episódios das Guerras de Religião que tinham oposto católicos e huguenotes deveriam permanecer «apagados e adormecidos como coisa não acontecida», dava corpo à vontade soberana de apagar qualquer rastro de um passado instável e incómodo. Três séculos e meio depois, o relato da Guerra Civil ensinado nas escolas da Espanha do tempo de Franco impunha a representação parcial de um confronto entre os bons cruzados e os perversos «rojos», separando aqueles que mereciam a glória e o reconhecimento dos que deveriam ser esquecidos. Mais recentemente este trabalho de moldagem deixou até de requerer a intervenção direta do Estado: nas democracias contemporâneas são cada vez mais os meios de comunicação social privados a assumir como verdade única a voz triunfante. Reproduzindo-a à sombra de um passado que evita perturbá-la. ler mais deste artigo

          História, Leituras, Memória

          Os nossos caça-fantasmas

          Imagem de Alexandra

          A situação política criada em Portugal com as últimas eleições, ganhas pela coligação PSD-CDS, mas com uma clara maioria de eleitores a votarem à esquerda e com uma representação parlamentar correspondente, tem tanto de novo quanto de inesperado. Sobretudo porque configura a possibilidade, jamais experimentada, de a curto ou médio prazo se constituir um governo do «arco da esquerda», ou neste apoiado, capaz de infletir a política austeritária e de destruição do Estado social levada a cabo, de forma violenta e sistemática, pelo último governo. Neste contexto, muitos comentadores próximos da direita política com lugar mais ou menos cativo na comunicação social – entre os quais incluo uma minoria de pessoas vinculada à ala neoliberal e clientelar do PS – têm reagido através de posições que oscilam entre o pânico e o estado de negação, desenterrando episódios avulsos e mitos catastrofistas vindos do processo revolucionário de 1974-1975. ler mais deste artigo

            Atualidade, Democracia, Jornalismo, Opinião

            O realismo político e a esquerda

            The Green Wall, por Ruben Monakhov
            The Green Wall, por Ruben Monakhov

            Quem tenha a paixão (ou o vício) da história, em particular daquela que converge com o presente, habitua-se a colocar tudo em perspetiva, rebuscando com frequência no passado para compreender o presente. Ou, mais proactivamente, para ajudar a superá-lo. Por muito que estejamos a viver uma situação política substancialmente nova, o que possa resultar dela, ainda que dotado de roupagem inovadora, jamais deixará de se inscrever numa sequência. Se tal não acontecer, tudo se precipitará no primeiro precipício que surja pelo caminho. Mas quem se fixar nesse passado, recusando a mudança, caminhará em círculo até cavar o seu próprio buraco. Falo, naturalmente, da situação pós-eleitoral e da possibilidade constitucional que poderá funcionar como alternativa a mais um governo de direita. ler mais deste artigo

              Atualidade, Democracia, Opinião

              Refugiados: ontem e agora

              Entre quem se interessa pela história do século XX circula por vezes a ideia de que o período que se seguiu ao final da Segunda Guerra Mundial correspondeu a um tempo de esperança e otimismo, marcado por um sentimento de alívio e por um novo clima de paz, que antecipou a fase de crescimento económico e demográfico, relativamente próspera e tendencialmente igualitária, que decorreu nas décadas de 1960-1970. Como mostrou o britânico Antony Beevor na obra Paris após a Libertação (1944-1949), é verdade que por esses anos em algumas regiões se produziu um simulacro coletivo de felicidade e uma vontade de recuperação do tempo perdido que podem sustentar essa perceção. Mas esse é um retrato muito parcial e bastante enganador. ler mais deste artigo

                Atualidade, Direitos Humanos, História, Memória

                Catalunha, 27

                LLUIS LLACH, 2015
                LLUIS LLACH, 2015

                «Si estirem tots, ella caurà / i molt de temps no pot durar, / segur que tomba, tomba, tomba / ben corcada deu ser ja.  // Si jo l’estiro fort per aquí / i tu l’estires fort per allà, / segur que tomba, tomba, tomba, / i ens podrem alliberar.» (Lluis Llach, em L’Estaca, 1968)

                Este domingo, 27, é muito provável que os adeptos da independência vençam as eleições autonómicas na Catalunha. Por cá, o tema passa bastante ao lado do interesse público. No passado, quando Franco governava a Espanha «por la gracia de Dios», o apoio aos independentistas – fossem eles catalães, galegos, bascos, andaluzes, valencianos ou outros – era para bastantes portugueses inquestionável. Defender a democracia, era defender a emancipação da tutela de Madrid, logo significava uma posição contra a ditadura e os seus aliados. Salazar, por exemplo. Aliás, esse era um tempo de emancipações, no qual «o direito de cada povo a seguir o seu próprio destino» surgia, para muitos, entre os quais eu me contava, como inquestionável. Tínhamos aliás uma dívida de gratidão: em 1640, fora a revolta da Catalunha que permitira aos portugueses ter uma frente de guerra menos desfavorável e assegurar, após 28 anos de combates, a restauração da independência. ler mais deste artigo

                  Apontamentos, Atualidade, Olhares, Opinião

                  Hoje, a Grécia

                  Neste domingo, 20, parece que decorrerão eleições legislativas na Grécia. Digo «parece» porque o assunto desapareceu praticamente dos nossos noticiários, dos títulos dos jornais, dos debates, dos murais do Facebook. Sabemos do caráter efémero que hoje tomam todas as novidades, do justo destaque dado à crise dos refugiados e, no caso português, do inevitável desvio dos olhares suscitado pela campanha eleitoral. Mas já custa entender o desinteresse e o silêncio de muitas das pessoas que ainda há menos de dois meses se inflamavam a defender e a explicar a experiência grega protagonizada pelo Syriza. ler mais deste artigo

                    Apontamentos, Atualidade, Democracia, Opinião

                    A esquerda, as eleições e a minha escolha

                    Fotografia de José Calheiros
                    Fotografia de José Calheiros

                    É comum ouvir-se dizer que a direita se une por interesses e a esquerda se separa por princípios. Talvez seja um juízo simplista, mas contém algo de verdadeiro. Simplista porque em ambos os grandes campos em que continuam a dividir-se os caminhos da coisa pública é possível encontrar cidadãos com um padrão ético que determina as suas escolhas e outros que dele são totalmente desprovidos. Tal como pessoas genuinamente empenhadas e outras sempre à procura da sua «hora da sorte». Todavia, existe também algo de verdadeiro naquela afirmação ambígua: em regra, no plano orgânico, a direita mais facilmente cede nos princípios em nome de interesses comuns mais imediatos, enquanto a esquerda frequentemente subalterniza objetivos semelhantes em função de divergências legítimas mas sem caráter de urgência.

                    Global, este é também o cenário em que a esquerda portuguesa tem vivido. Começou a desenhar-se antes ainda do 25 de Abril, apesar de moderado então pelo objetivo comum de derrubar o fascismo e pôr fim à Guerra Colonial, mas agravou-se com as clivagens produzidas durante o processo revolucionário de 1974-1975. O Partido Socialista, o Partido Comunista e os setores minoritários menos comprometidos com o sistema parlamentar, parte dos quais viria, um quarto de século mais tarde, a integrar o Bloco de Esquerda, incompatibilizaram-se então totalmente, gerando antagonismos e ressentimentos, associados a princípios políticos inamovíveis e a laivos de intransigência, dos quais a nossa esquerda ainda não se recompôs totalmente. Porque nenhuma das partes desejava uma aproximação a qualquer preço e porque a evolução do país jamais impôs a necessidade de uma convergência de interesses. E quando pelos meados dos anos 80, tempo da vaga neoliberal que gerou Thatcher, Reagan e Cavaco, tal possibilidade vagamente se pôs, foi obstruída pela aproximação do PS ao centro, sob a influência das teorias da «Terceira Via» e do Labour de Blair, e pela irredutibilidade do PCP, perturbado pelas dinâmicas que iriam conduzir ao fim das experiências do «socialismo real» que conservava como modelo. ler mais deste artigo

                      Atualidade, Democracia, Opinião

                      A «esquerda trabalhista» e nós

                      Se excluirmos o PCP, que não embarca facilmente em devaneios, desde há décadas que a esquerda portuguesa mantém, em relação ao Labour britânico, uma posição de simpatia e expectativa. A proximidade do PS é natural: afinal, existe uma matriz social-democrata comum, indiretamente ancorada na velha II Internacional, tal como existe uma deriva partilhada em relação à prevalência dessa matriz ou à sua exclusão. Lembro que a emergência da Terceira Via e de Tony Blair reuniu, no PS português, muitas vozes entusiásticas – enfim, tanto quanto os seus prosélitos se conseguem entusiasmar – e outras claramente críticas. Já a «esquerda mais à esquerda», nas suas diferentes modalidades e variantes orgânicas, desenvolveu uma atitude menos ambígua. Recusando, naturalmente, as direções do Labour, ao contrário do que aconteceu em relação à realidade política espanhola, francesa, italiana, alemã ou grega, não procurou na Grã-Bretanha a fraternidade exemplar de movimentos «irmãos», fixando-se, por longos anos, numa quase-mítica «esquerda do Partido Trabalhista». Vista sempre, com esperança e afeição, como a guarnição do Cavalo de Tróia pronta a tomar a fortaleza. ler mais deste artigo

                        Apontamentos, Atualidade, Memória, Opinião

                        A crise dos refugiados e as prosas negras

                        Não me refiro às opiniões racistas e xenófobas a propósito da crise dos refugiados que andam a circular. Geralmente vindas dos ambientes de extrema-direita, são próprias da natureza de quem os frequenta e o seu destino é o lixo. Mas a verdade é que tenho lido textos detestáveis, assumidos em nome de grandes princípios políticos com parte dos quais até posso simpatizar, que em termos práticos em pouco se distinguem daqueles escritos por protofascistas. Embora de diferente forma, tal como eles ocupam-se também com denegrir as campanhas humanitárias ou os cidadãos preocupados com a vaga de refugiados que está a chegar à Europa à procura de paz, de algum ganha-pão e de um telhado seguro sob o qual possam dormir. ler mais deste artigo

                          Atualidade, Democracia, Direitos Humanos, Opinião

                          A verdadeira questão e o problema real

                          PEOPLE | Fot. Doris Hausen
                          PEOPLE | Fot. Doris Hausen

                          Toda a escolha política consistente, dotada de uma efetiva capacidade para intervir com consequências sobre a realidade, comporta uma relação com a ideologia e com o seu enquadramento sistémico, mas integra também uma inevitável articulação com as circunstâncias práticas e as decisões que sempre impõe a realidade da vida vivida. Pode compor explicações para o sentido tomado pela História, encarar grandes opções no que respeita aos caminhos que o mundo vai percorrendo, mas deve ao mesmo tempo, e de outro modo não faria sentido, tomar decisões determinadas pela mais objetiva e imediata necessidade. ler mais deste artigo

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                            As pesadas sombras da história grega

                            "Z", de Costa-Gravas
                            “Z”, de Costa-Gavras

                            Em entrevista saída no Público de 24 de Agosto, Dimitris Rapidis, analista do think tank Bridging Europe, de Atenas, constatava um facto: «é a primeira vez desde os anos 1970 que temos um ambiente político tão instável, volátil e frágil». Rapidis fazia também uma previsão com curta margem de risco: «mesmo depois destas eleições, a estabilidade política não vai voltar à Grécia». Ambos, facto e previsão, confirmam uma situação e uma expectativa conhecidas de quem da Grécia possui mais informação do que aquela que transparece dos soundbytes diários e de uns quantos artigos de economia condicionados pela crise e pelos seus reflexos nas estratégias de governação. Existe, de facto, uma realidade mais profunda, embora raramente abordada, sem a qual toda a análise ou tomada de posição sobre o presente e o futuro do Estado grego corre o risco de ficar incompleta.

                            Essa realidade começa por contrariar a falsa ideia de que a existência da Grécia é a de uma nação unitária, dotada de um percurso consistente através da História. Ao abordar esse trajeto na sua Histoire de la Grèce Moderne, que começa em 1828, com a emancipação perante o velho Império Otomano, e fecha em 2012, o historiador Nicolas Bloudanis define a ideia como um mito, procurando mostrar de que modo múltiplas clivagens foram mantendo a Grécia independente como um terreno instável e pesadamente minado. Terreno no qual, como foi acontecendo em grande parte da Europa central e oriental ao longo dos últimos dois séculos, qualquer passo em falso comporta fortes possibilidades de produzir consequências imprevisíveis e dramáticas. Não é preciso recuar ao início do século XIX, nem sequer entrar em grandes detalhes, para o compreendermos. ler mais deste artigo

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                              A campanha «da confiança»

                              A que propósito alguém que não é eleitor do Partido Socialista, discorda de muitas das suas escolhas passadas e presentes, suspeita de posições publicamente assumidas (em casos excepcionais até da idoneidade democrática) de vários dos seus responsáveis nacionais e locais, e para mais é candidato nas listas de uma força política concorrente às eleições de 4 de Outubro, se preocupa com a desastrosa pré-campanha que os socialistas têm vindo-a desenvolver? Tenho uma resposta simples: não me é indiferente, nem me parece que possa ser indiferente à maioria dos portugueses, e à esquerda política em particular, que o PS perca as eleições para a direita. Sabendo que não existe alternativa no que diz respeito à vitória nas urnas neste Outono e à constituição de um novo governo, prefiro Costa a Passos como primeiro-ministro de Portugal. Ainda que, se necessário for, cá esteja depois – e provavelmente estarei – para me opor às escolhas das quais discorde que nessa qualidade venha a procurar impor. Dizer o contrário é prova de cegueira, própria de quem, embarcado na sua arca de Noé, não se importe que rompa o dilúvio. ler mais deste artigo

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                                Svetlana

                                Svetlana Boym

                                Acaba de desaparecer prematuramente, aos 49, a professora, escritora e artista multimédia russo-americana Svetlana Boym. Empenhou-se particularmente num trabalho caleidoscópico capaz de cruzar utopia, kitsch, literatura, história, memória e modernidade. Os dois livros que dela li e reli – The Future of Nostalgia, sobre o passado que se ergue das ruínas recentes de Moscovo, Berlim ou Praga, e Another Freedom, uma história alternativa da ideia de liberdade – foram uma descoberta e um estímulo.

                                  Apontamentos, Biografias, História, Memória

                                  Ana Hatherly

                                  Ana Hatherly

                                  Ana Hatherly (1929-2015) morreu esta quarta-feira, 5. Escritora, poeta, artista visual, professora e outras coisas mais. Conheci-a por interposto livro quando, provavelmente por causa do título, aos dezassete comprei o Eros Frenético em edição da Moraes. Fisicamente cruzámo-nos poucas vezes, e apenas uma com mais tempo. Quando no início dos anos 80 me lancei, sozinho e a contracorrente, a estudar a dimensão visual e feérica do barroco sob a perspectiva da história política, foi das pouquíssimas pessoas do meio universitário português com quem falei do assunto que não achou o tema exótico nem me disse para “ter cuidado” com ele, estimulando-me a continuar e propondo-me mesmo colaborar na sua revista Claro-Escuro. Nunca lhe falei do conforto que então me ofereceu esse seu estímulo. E agora é tarde para fazê-lo pessoalmente.

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                                    Uma esperança para Outubro

                                    Bastante mais tarde que o desejável, chegamos ao fim de uma legislatura que ficará na nossa história recente pelas piores razões. Problemas determinados por escolhas erradas e ampliados pela crise financeira internacional iniciada em 2008 ocorriam já, sem dúvida, antes de ela começar. No entanto, estes quatro anos têm sido particularmente violentos, em larga medida porque a coligação PSD-CDS, tal como repetidamente afirmaram os seus responsáveis e comprovam as medidas que foi adotando, entendeu aproveitar o grave contexto de crise para, com a conivência do presidente da República, promover um programa revanchista e rancoroso de ataque ao setor público. Um programa «para além da troika», jamais referendado e destinado a vingar as derrotas e os limites que a direita politica teve de ir aceitando nas quatro décadas de democracia.

                                    Mas tal como é do caos que nasce a luz, estes quatro anos de empobrecimento e de desânimo coletivo abriram também uma nesga de esperança, associada à possibilidade de ver emergir um novo tempo político. Na hipótese de superar o ciclo rotativista, centrado na exclusiva gestão dos partidos do «arco do poder», que conduziu ao ponto em que nos encontramos e se mostra agora claramente esgotado. A expectativa está, pois, depositada na capacidade que a esquerda política possa demonstrar para, apesar das diferenças e rancores que historicamente a têm atravessado, e das dificuldades que não desaparecerão por um passe de mágica, ser capaz de oferecer aos portugueses um caminho para escapar ao ciclo assassino em que se viram mergulhados. ler mais deste artigo

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