Arquivo de Categorias: Democracia

Nuremberga, o julgamento dos julgamentos

Quando se completam 80 anos sobre o início das suas sessões, decorridas entre 20 de novembro de 1945 e o 1 de outubro seguinte em que foi anunciado o seu veredito, os Julgamentos de Nuremberga permanecem como acontecimento-chave da história do século XX, continuando a ser olhados com interesse e como exemplo. Tiveram, em simultâneo, um papel reparador e um efeito traumático, cujos contornos se mantiveram presentes em diversas vertentes da opinião pública e da memória coletiva, continuando ainda, tanto tempo depois e já sem os seus intervenientes, a suscitar ondas de choque associadas a contextos e a preocupações do nosso tempo.

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    Democracia, Direitos Humanos, História, Leituras, Olhares

    O triunfo (temporário) das pessoas amargas 

    Animal Farm, o romance de George Orwell saído em 1945, foi divulgado em traduções portuguesas como O Triunfo dos Porcos. A trama conta como a revolta dos animais de uma quinta contra os humanos, destinada a emancipá-los da opressão que os escravizava, acabou por transformar a vida de todos em nova e terrífica ditadura. O livro constitui uma paródia do estalinismo e das revoluções em que o anúncio do fim da opressão e do início da igualdade acabou substituído por novas formas de tirania e injustiça. A presente paisagem política global suscita uma analogia com o título da obra em português.

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      Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião

      Tim, a WWW e nós

      Durante os anos 90, o físico britânico, cientista de computação e professor do MIT Tim Berners-Lee foi, de certa forma, um dos meus heróis vivos. Tendo sido um dos primeiros utilizadores em Portugal da Internet fora dos espaços próprios da engenharia informática – comecei a usá-la, ainda em inóspitos sistemas Unix, no início dos anos 90, e a minha primeira página Web, já num browser, nasceu em 1995 – não podia deixar de conhecer, e de admirar, o trabalho do homem que, de facto, inventou a World Wide Web. Tornando a «rede das redes», criada vinte anos antes, acessível ao utilizador comum sem que este tivesse necessidade alguma de conhecer técnicas de programação ou de estar ligado a potentes computadores.

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        Cibercultura, Democracia, Olhares

        Tiques de classe e dedo em riste

        O episódio, tornado público por estes dias, que envolve a ministra da Saúde Ana Paula Martins na morte de uma grávida no hospital Amadora-Sintra pode levantar dúvidas sobre as responsabilidades reais no caso. Já o que não levanta qualquer dúvida é o tom extremamente grosseiro e arrogante, com que, de dedo estendido «à patroa», a propósito do caso a ministra falou, em registo genérico, de mulheres pobres, desprotegidas, incapazes de pedir ajuda e, imagine-se, «até sem telemóvel». Fazendo-o como uma óbvia acusação de menoridade em típico registo de classe. Com este governo da direita está a tornar-se norma, pela primeira vez na nossa democracia, a impiedade institucionalizada e a desproteção dos mais fragilizados. Em particular daqueles que chegam de longe para fazer os trabalhos mais duros e que, em vez de serem integrados e apoiados, são apontados de dedo em riste como párias sem direitos e seres incomodativos.

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          Duas ideias erradas sobre combater o Chega

          Isto é, sem dúvida, um pouco como chover no molhado. Já foi dito e redito, parecendo óbvio para muitas pessoas, mas pelo que leio por aí vale a pena relembrar de vez em quando.

          1 – Não falar do Chega ou do seu chefe, onde e sempre que for preciso, para, como algumas pessoas democratas «boazinhas» dizem, «não lhes dar palco», é deixar-lhes o terreno livre para continuarem, nesse caso sem a presença de qualquer contraditório, a sua sanha de mentira e de ódio disseminada entre uma maioria de cidadãos crédulos e desinformados.

          2 – Ser-se contra o Chega, mas considerar-se que a democracia deve aceitar como legítima as suas posições, é mais do que pernicioso, pois as forças políticas desta natureza apenas se servem dela para melhor a combaterem. Além de que o incitamento ao crime de ódio e, implicitamente à violência, deve ser impedido e punido sem hesitações e com o maior rigor.

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            «Essa não é a minha especialidade»

            Incomoda a fuga ao debate sem fronteiras e com ideias próprias, justificando quem o faz a recusa em abordar certos temas com a afirmação de que «essa não é a minha especialidade». Mesmo no meio universitário, por definição agregador e disseminador de saberes plurais, ela é a atitude dominante, fechando-se quem o afirma no seu estrito espaço de estudo e evitando tratar de forma dinâmica tudo o resto. Todavia, sendo impraticável o ideal iluminista de um saber enciclopédico, que tudo alcance, e sabendo-se que jamais alguém, ou máquina alguma, será omnisciente, é sempre possível, sobretudo em democracia, falar do que nos aprouver, aliando conhecimento, capacidade crítica e experiência pessoal. 

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              Desmandos exigem combate ativo

              Os desmandos do Chega, praticando e disseminando em crescendo a ordinarice mais abjeta, o racismo sem máscara, a gritante xenofobia, a vulgarização do ódio, além do nacionalismo bacoco, da deturpação da nossa própria história e da subversão das conquistas democráticas, praticados inclusive dentro do próprio parlamento, requerem um combate ativo. Desde logo, através de medidas dos orgãos de soberania e dos tribunais que têm por dever aplicar a Constituição e preservar o Estado de direito, e também por meio de uma iniciativa mais enérgica dos partidos democráticos.

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                Sobre a crise do Bloco

                De modo algum posso ser indiferente à crise que o Bloco de Esquerda se encontra a viver. Não apenas porque fui «compagnon de route» e eleitor do partido, situação que de modo algum enjeito, entre a sua fundação em 1999 e 2011, quando me afastei após o terrível erro político, partilhado com o PCP, que abriu caminho ao governo de Passos Coelho. Também não só porque ali tenho bom número de amigos e amigas, pessoas de quem gosto e sei sinceramente dedicadas aos combates por um país e por um mundo melhores e mais solidários. Mais do que isso, acredito que o Bloco tem um lugar próprio e insubstituível no panorama político da esquerda plural e do socialismo, o qual merece ser preservado e ampliado, necessariamente em diálogo com outras forças progressistas. Não quero um Portugal sem o Bloco e isso não irá acontecer.
                [sou membro «de base» do Livre, o que não me impede de escrever isto]

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                  Presidenciais: os pés ao caminho

                  É terrível que, perante a conjuntura de avanço brutal da direita e da extrema-direita, que pode até pôr em causa o nosso regime constitucional, a esquerda não tenha sido capaz de apresentar uma candidatura individual firme, agregadora, mobilizadora e em condições de vencer, ou pelo menos disputar com impacto, as eleições presidenciais. Não falo de cada partido parlamentar apoiar a sua candidatura presidencial, o que em diversos casos é mais uma consequência do que uma estratégia pensada, salvo em relação ao PCP, que como agora é hábito decidiu desde o início do processo falar apenas para o seu nicho. Do seu lado, o Livre será, aliás, o último a fazer tal escolha, após ter aguardado até ao limite por uma solução de consenso, mas percebe-se, pois ficaria fora do debate, com as inevitáveis consequências negativas para o seu projeto se o não fizesse. O que quero sublinhar é algo bem mais grave e desanimador: é o facto de, entre tantas figuras públicas com perfil e provas dadas ao longo de décadas no combate cívico, nenhuma ter decidido, agora que tudo é mais difícil, mas também mais urgente, sair do seu território protegido e meter os pés ao caminho.
                  [Originalmente no Facebook]

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                    Seguro: um desastre político à vista

                    É absolutamente desastrosa a decisão do PS de apoiar a candidatura a PR de António José Seguro. Em tempo de um avassalador e agressivo assalto às liberdades e aos direitos de uma direita e de uma extrema-direita cada vez mais próximas e decididas a atacar no terreno constitucional, é necessário ter naquele lugar um contrapeso, uma voz forte, corajosa, respeitada e decidida. Não apenas a de alguém que se diga de esquerda e «tem provas dadas» (sic). Para além do temperamento manso e hesitante, comprovadamente demonstrado, AJS já declarou que em eleições e se for PR dará posse a um governo do Chega se este tiver mais um só voto. Não esquecer ainda que no tempo de António Costa mostrou-se contra a Geringonça, preparando-se, antes de ser derrotado em eleições internas no PS, para avalizar o 2º governo de Passos Coelho. Aquele que se mobilizava para ir ainda mais «além da troika» e felizmente durou só 27 dias.

                    Quero acreditar que uma convergência progressista e mobilizadora ainda é possível para quem ama a democracia e quer combater as forças do passado e do ódio não ter de aceitar propostas mornas e pusilânimes como a que a figura de AJS reúne. Ou para numa segunda volta não ter de engolir um sapo de dragonas.

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                      Evidência muito preocupante

                      Ignorância e estupidez, juntas ou em separado, são um mal transversal nos percursos da história e também da natureza humana. A tendência dominante foi, todavia, para se irem gradualmente distanciando do centro dos poderes e para irem recuando na paisagem mais visível e dinâmica do mundo. Contrariando este caminho, o tempo que estamos a atravessar inventou a sua afirmação vitoriosa, agora desavergonhada, como fonte de prestígio, instrumento de poder e alimento dos discursos que este propaga para se manter.
                      [Originalmente no Facebook]

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                        Desconfiar da liberdade entre quem por ela se bate

                        O tema da liberdade e do seu papel nas sociedades contemporâneas pode parecer pouco relevante para o campo plural da esquerda política e cultural, dado vivermos um tempo em que a sua preocupação maior e mais urgente é, com todo o sentido, o avanço do populismo, do autoritarismo, do ódio, do egoísmo, do racismo e, no geral, dos valores, metas e métodos da extrema-direita. Conta-se entre estes, aliás, a manipulação demagógica do ideal de liberdade, utilizado, com a ajuda das redes e de alguma comunicação social – e sem o equilíbrio oferecido pela responsabilidade, pela verdade comprovada e pelo conhecimento adquirido –, para influenciar a consciência dos cidadãos.

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                          Presidenciais: as hesitações do PS e uma urgência

                          O Partido Socialista teve uma prestação razoável nas autárquicas, afastando para já, espero que por muito tempo, o crescimento do Chega e o espectro de uma bipolarização partidária à direita. A boa prestação deveu-se em alguns casos, como em Coimbra, a um discurso positivo, diverso da arrogância de há não muito tempo, e à celebração de acordos políticos com outras forças de esquerda. No caso, o Livre, o PAN e os Cidadãos por Coimbra. Aliás, sem este acordo, e ao contrário do que já escutei nos «mentideros» da urbe, a vitória de Ana Abrunhosa não teria sido possível. Basta fazer as contas para o perceber. O que posso dizer é que ainda bem que assim foi, servindo a abertura para materializar uma mudança face ao marasmo, e para estabelecer laços entre setores progressistas que por vezes se encaravam com desconfiança. Pena foi apenas que a aproximação não tivesse ido mais longe, englobando o Bloco de Esquerda e, embora esta fosse uma possibilidade pelo próprio julgada contranatura, ainda o PCP.

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                            Boas pessoas ou programas?

                            Mais que quaisquer outros momentos eleitorais, as autárquicas – disputadas num território essencial da nossa democracia – comportam bastantes vezes alguns equívocos. É certo que em quaisquer atos de natureza política, a qualidade das pessoas que os protagonizam, e se possível a sua proximidade de quem vota, têm grande importância, mas nas eleições autárquicas esse fator de proximidade tem um peso maior. Para o bem e para o mal, diga-se. Por um lado, conhecem-se melhor muitas das pessoas que se candidatam, o que pode ser positivo, por outro, existem por vezes relações individuais que causam os tais equívocos. 

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                              Coimbra: três bloqueios em tempo de autárquicas

                              Uma das grandes conquistas do nosso regime democrático constitucional é a afirmação do poder autárquico. Sob a ditadura, além de não resultar de eleições livres e de estar fora do escrutínio público, quem o representava era escolhido pelo governo e controlado a partir da capital, detendo reduzida capacidade de decisão e orçamentos sempre curtos, dependentes da intervenção de figuras «da terra» com poder, dinheiro e ligações a quem mandava. Mesmo reconhecendo que, em democracia, o poder autárquico foi por vezes discricionário, de vistas curtas e pouco transparente, ele jamais deixou de conter uma importante dose de dedicação, criatividade e proximidade, capaz de trazer claras melhorias às populações, aos seus lugares e à sua vida.

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                                Reconhecimento da Palestina por Portugal

                                É um caso ao qual se aplica a expressão popular «mais vale tarde do que nunca». O governo português, apesar de visivelmente contrariado, cedeu à pressão e reconheceu o Estado palestiniano, sendo o 13º país da União Europeia a fazê-lo. Como aconteceu com outros países, este reconhecimento está vinculado à iniciativa da Autoridade Palestiniana e não do Hamas, o que me parece justo, em primeiro lugar para o próprio povo palestiniano. Todavia, e sendo absolutamente favorável à solução de dois Estados pacíficos para a região, e completamente avesso à ideia absurda e antissemita do apagamento de Israel do mapa, não me parece nada bom que, na declaração formal agora assinada, a condenação da política agressiva e genocida do atual governo israelita para Gaza não seja mais claramente vincada.
                                [Originalmente no Facebook]

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                                  Tudo ao contrário na educação

                                  Começo com parte de um importante post de alerta publicado no seu mural do Facebook por Paulo Marques:

                                  «Recentemente, o ministro da Educação, Fernando Alexandre, de visita a uma escola, numa aula, disse a alunos do 12.º ano que “quem anda em manifestações perde a aura”. Não se trata de uma frase inocente, nem de um simples deslize retórico. É uma mensagem política e, diria, perigosa.

                                  “Aura” é uma palavra carregada de simbolismo. Sugere prestígio, distinção, brilho pessoal. O que o ministro transmitiu àqueles jovens foi claro: quem protesta, quem se envolve, quem ocupa o espaço público para reclamar justiça, perde reputação, mancha a sua imagem, arrisca o futuro.

                                  Mas não é exatamente o contrário? Se hoje temos direitos fundamentais, do voto universal à liberdade sindical, da escola pública ao Serviço Nacional de Saúde, foi porque milhares de pessoas saíram à rua, arriscaram empregos, enfrentaram repressão, desafiaram a ordem estabelecida.»

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