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Eleições, o mundo em redor e o que aí vem

Entramos agora num ambiente político pré-eleitoral, no qual a preparação das propostas programáticas e a escolha dos rostos que lhes irão dar corpo ocupará a generalidade dos partidos políticos. É um processo natural que as nossas práticas democráticas consagram. Todavia, desta vez existe uma conjuntura internacional muito peculiar, de uma natureza verdadeiramente dramática, que tornará a definição de atitudes em relação à autonomização da União Europeia, incluindo a sua política de defesa, a sua sobrevivência económica e o Estado social, e à atividade das potência imperiais, sobretudo dos EUA de Trump e da Rússia de Putin, um fator determinante e da maior importância. Vamos ver como as forças políticas em presença irão, a esse respeito, gerir as suas escolhas. Algumas delas, também os seus ruidosos silêncios.

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    Vergonha no país de Abril

    De forma simplificada, são dois os motivos principais que levaram à rejeição da moção de confiança e à próxima saída de Luís Montenegro do cargo de primeiro-ministro. O primeiro, mais invocado, tem a ver com práticas profissionais que colidem com o dever de exclusividade de quem detém cargos de responsabilidade no governo, por motivos acrescidos quem dele seja a figura principal. O segundo motivo, menos mencionado apesar de também importantíssimo, prende-se com o facto de a empresa envolvida, a Spinumviva, ser apenas familiar, não tendo sequer sede própria e corpos gerentes, dedicando-se basicamente ao tráfico de influências realizado sob a capa de «aconselhamento» em negócios privados.

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      Três atitudes face ao episódio da Sala Oval

      O historiadores conhecem bem o papel do acaso, do incidental e do comportamento individual na mudança das sociedades. Devido ao seu imediato impacto, esses fatores podem impor viragens de forma muito mais rápida e intensa que as alterações de natureza política, social ou cultural produzidas num tempo longo e vagaroso. O que aconteceu a 28 de fevereiro em Washington, na Sala Oval da Casa Branca, durante o encontro de Donald Trump e J.D. Vance com Volodymyr Zelensky, pela sua singularidade – na realidade, tratou-se de uma emboscada de «bullying» destinada a diminuir a Ucrânia e o seu presidente – e pelo eco global que logo teve, representa um exemplo consumado desse efeito. As suas ondas de choque distribuíram-se por três diferentes atitudes, duas de peso e outra ruidosa.

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        A coragem de Zelensky

        O que aconteceu no dia 28 de fevereiro de 2025, quando do encontro público em Washington entre o presidente da Ucrânia, Vlodymyr Zelensky, e, do lado norte-americano, Donald Trump e J.D. Vance, ficará bem marcado nos anais da diplomacia mundial, pautando um novo tempo no qual as conversas entre governos ao mais alto nível podem ser condicionadas pela ameaça, pela coação e pela falta absoluta da mais elementar urbanidade no trato pessoal. O que aconteceu com a ignóbil armadilha colocada ao presidente ucraniano na Casa Branca foi uma despudorada exibição em horário nobre, perante o povo norte-americano e o mundo, de arrogância imperial, de autoritarismo de «patrão», e de ausência da educação cívica mais elementar, na linha do que se sabe que o presidente norte-americano faz com todas as pessoas que considera suas subalternas.

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          As eleições na Alemanha e a Europa

          Os resultados das eleições gerais na Alemanha e do processo de composição de um governo estável que se seguirá apontam para três evidências, aplicáveis à generalidade da Europa. Primeiro, que a par das diferenças políticas por vezes substanciais, é imprescindível ampliar políticas de consenso justas e credíveis, capazes de mobilizar a maioria dos cidadão contra o confronto e o ódio propostos pela extrema-direita populista. Segundo, que esta aproximação passa pela construção de uma frente comum capaz de fazer frente à agressividade contra a Europa, o ambiente, a liberdade e a humanidade posta em prática por Donald Trump. Terceiro, que do lado leste do continente existe um inimigo jurado da democracia e da liberdade, Vladimir Putin, pronto a esmagar o continente e a partilhá-lo com o seu novo amigo americano. O que sair do processo de formação do novo governo alemão não pode deixar de considerar estes três aspetos e de ter impacto sobre eles.

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            O Muro de Berlim nunca caiu

            O título desta crónica é plagiado. Em novembro, quando do 35º aniversário do fim da barreira física e política que entre 1961 e 1989 separou rigidamente os dois lados de Berlim, foi com ele que Timothy Snyder intitulou uma reflexão que publicou no seu blogue «Thinking about…» sobre a poderosa vertente da nossa história recente que tem aquele episódio como vértice. Ali escreveu o historiador de Yale: «Sem dúvida estão a pensar: ‘ele quer dizer isto metaforicamente; quer dizer que permanece alguma barreira mental entre o Leste e o Oeste’ (…). Não, quero dizer que muito literalmente o Muro de Berlim não caiu. Não caiu hoje, ou há trinta e cinco anos. Nunca caiu. A ‘queda do Muro de Berlim’ é um artifício literário, não é um facto histórico.» 

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              Cegueira «pela paz»

              A ideia peregrina, partilhada pelos ditadores Trump e Putin, ambos referendados em eleições manipuladas – no segundo caso, realizadas também sob forte repressão dos opositores – de colocar como condição para a paz na Ucrânia a realização de «eleições democráticas» é assombrosa. Obviamente, em plena situação de guerra, com territórios ocupados, sem condições para a afirmação de todas as correntes, dada a necessária proibição de partidos que são quintas-colunas do Kremlin, como o PC ucraniano, dessas eleições resultaria a definitiva divisão do país, com as áreas ainda controladas militarmente pelos russos a ficarem legitimadas. Seria também uma humilhação e um gesto de traição em relação às dezenas de milhares de homens e de mulheres que se bateram e morreram pela liberdade do seu país.

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                Isto não é a América

                Existe uma tendência, alojada num setor do complexo campo da esquerda – ao qual pertenço, «apesar de mim, apesar dela», como sobre esta pertença escreveu Camus –, pautada por uma rejeição cultural, política e vivencial de quase tudo o que chega dos Estados Unidos. Um antiamericanismo visceral e persistente que possui uma razão de ser. Esta começa pela ambição imperial dos EUA, responsável por uma política externa tantas vezes agressiva, violadora dos direitos dos povos e apoiante de ditaduras, e termina na articulação dessa avidez com formas selvagens de liberalismo económico. Ajustando ao tempo o pensamento de Marx, Lenine, que por vezes acertava nas observações, classificou mesmo o imperialismo norte-americano como a «etapa superior do capitalismo», fundada no poderio do setor financeiro.

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                  Direito à diferença e dever de partilha

                  Tomo como princípio jamais comentar de forma pública declarações desta ou daquela personagem sem primeiramente as escutar/ler e as situar em contexto. Livro-me assim de cair em apriorismos, determinados pela simpatia ou pela desconfiança, e sobretudo de ser injusto, contribuindo ao mesmo tempo para a vaga, hoje crescente e avassaladora, de desinformação. Vem isto a propósito das declarações de Pedro Nuno Santos ao semanário Expresso, logo usadas, inclusivamente por militantes socialistas, para o acusar de «cedências ao Chega» na questão da imigração. Lido agora, finalmente, aquilo que o secretário-geral do PS disse, no meio de muitas outras coisas, nada tenho a questionar neste particular. Afirmar «Quem procura Portugal para viver e trabalhar tem de perceber que há uma partilha de um modo de vida, uma cultura que deve ser respeitada», no contexto, não exclui o respeito pela diversidade, apenas colocando esse respeito de ambos os lados do binómio no qual ela se põe. Só não vê isto quem por cegueira não quer, quem fala sem saber de quê ou quem considera que a diferença é um valor «em si», respeitável mesmo que contraria direitos básicos que são necessariamente partilha de todos.

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                    A nova oligarquia e o imperativo de lhe resistir 

                    A propósito da tomada de posse de Donald Trump, escreveu a jornalista Teresa de Sousa a dado passo: «O mais significativo foi, sem dúvida, a presença em lugar de destaque dos três homens mais ricos do mundo, que são também os donos de gigantes tecnológicas – Egon Musk, Mark Zuckerberg e Jeff Bezos. A nova “oligarquia tecnológica” de que falava Joe Biden no seu discurso de despedida. Também é justo lembrar que representam empresas extraordinariamente inovadoras que, por alguma razão, nasceram todas nos Estados Unidos. Na Europa os mais ricos ainda estão na anterior revolução tecnológica, dos automóveis ou dos aviões.» Uma aproximação, inevitavelmente simplificada, a uma nova dimensão da realidade mundial com a qual temos de conviver.

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                      Não, não é «tudo igual»

                      Bastou um dia de presidência Trump para começarem a ser revolvidos na América, de alto a baixo, os fundamentos do Estado de direito e das relações com o resto do mundo. Não é preciso mostrar aqui o rol das medidas, chegando uma consulta aos títulos sonantes dos jornais. Uma situação calamitosa que, ao mesmo tempo e infelizmente, desmascara quem, associado a uma franja estreita e bem identificada do nosso sistema político, dita «progressista», considera que por ali «é tudo igual», tudo fazendo para não distinguir as duas Américas, e os dois mundos, que estão abertamente em confronto. Mais, considera até, na sua cegueira sectária, que a atual situação «engana menos». Visível em certos blogues e em algumas páginas de redes sociais, é gente que dificilmente se encontra em condições de integrar a imprescindível frente mundial anti-Trump e anti-Musk, ou, na sua interpretação arcaica e rígida da história e do mundo atual, o decide fazer sem aliados fortes e do lado errado. Amarrados a uma verdade revelada ou à sua caricatura, não aprendem e não querem aprender.

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                        O mal é o mal

                        Conto-me entre os muitos que, reconhecendo a solução pacífica dos dois Estados independentes e democráticos como a única justa e com a possibilidade de, a longo prazo, se tornar duradoura, solucionando o interminável e sangrento conflito israelo-palestiniano. Por isso mesmo, sou totalmente contrários à iniciativa no terreno dos violentos setores extremistas, sejam estes a extrema-direita ortodoxa de Israel, associada a Netanyahu e agora, previsivelmente, com um ainda maior respaldo da administração Trump, ou o Hamas palestiniano, apoiado pelo Irão e pelo Hezbollah. Pelo mesmo motivo, também não considero aceitável a existência de um mal menor, tomando os extremistas de ambos os lados como igualmente insensíveis ao sofrimento de ambos os povos, seja o outro ou mesmo o seu.

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                          Maldição e necessidade de opinar de forma pública

                          Este artigo contém uma vertente autobiográfica. Tem como tema a experiência da crónica como género literário, com o qual, na páginas deste jornal e em outros espaços públicos, regularmente evoco determinados temas ou discuto problemas da atualidade. Como forma necessariamente abreviada e efémera de comunicação, a crónica é geralmente uma narração curta, com um objetivo pré-determinado da parte de quem a escreve, ligando-se sempre à realidade do quotidiano e apresentando uma visão tão informada quanto pessoal e subjetiva dos assuntos que aborda. Atravessou séculos como simples relato de acontecimentos dispostos em ordem cronológica, mas no século XIX, com o progresso das ideias democráticas e a expansão da imprensa, evoluiu no registo, que passou do meramente descritivo e informativo para o opinativo e crítico, entre nós já usado n’As Farpas de Eça e de Ramalho.

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                            O «espírito do tempo» e a utopia contra o pessimismo

                            Na passagem de cada ano para o seguinte tornou-se um hábito realizar balanços do que finda e anunciar planos, desejos ou previsões para o que vai começar. Neles se misturam dados objetivos, impressões ou simples anseios, sejam estes coletivos ou mais pessoais, em registos que se distinguem consoante quem os enuncia e partilha, conforme a sociedade onde vive, ou, de uma forma decisiva, de acordo com o «espírito do tempo» em que os formula. Sirvo-me aqui dessa expressão, surgida com Herder e os românticos alemães, e particularmente pensada e divulgada por Hegel na Fenomenologia do Espírito, de 1807, usada para identificar e dar consistência ao clima político, sociológico e cultural que, em escala ampla e dinâmica, domina e determina uma dada época. 

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                              O papel das claques no futebol e na política

                              Nas últimas décadas, as claques de futebol, originalmente concebidas como grupos organizados de apoiantes que iam aos jogos do seu clube favorito apenas para o apoiarem, para conviverem e para se divertirem, transformaram-se em fatores de preocupação e de sobressalto público. As ligadas às agremiações mais populares e antigas são geralmente as mais perigosas, pois não só são maiores como incorporam modos de cultura tribal, associados a práticas, símbolos e padrões de discurso que lhes são próprios, agora claramente pautados pela violência. Legalizadas ou não, nelas se afirmam cada vez mais, a par daquela dimensão lúdica e festiva, formas de coação sobre outros, além de processos orgânicos que têm transformado algumas, ou pelo menos os seus setores «ultras», em instrumentos do crime organizado.

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                                Os cem anos de Mário Soares e a social-democracia

                                Completam-se neste sábado, dia 7 de dezembro, cem anos sobre o nascimento de Mário Soares. Enquanto homem estruturalmente de esquerda, politicamente democrata e defensor constante do ideal de socialismo desde adolescente, e também na condição de pessoa com memória, sempre mantive, antes e depois do 25 de Abril, uma apreciação complexa e contraditória, embora atenta, daquele que foi uma das figuras-chave – a par de Afonso Costa, Salazar e Cunhal – para a compreensão do século XX português. Aliás, Soares foi também, e isto é um elogio, uma personalidade complexa e contraditória, dotada simultaneamente de pragmatismo, ousadia, inteligência e, sem dúvida, um amor enorme à democracia, mesmo quando num ou noutro momento agiu de uma forma autoritária. Era também homem com enorme bonomia e um grande sentido de humor, o que hoje tanta falta faz à generalidade dos nossos políticos. Discordei dele muitas vezes, mas jamais depreciando as suas escolhas e a sua personalidade. Tenho, por isso, noção da falta que nos faz.

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                                  Integra a argumentação de pessoas pouco conhecedoras da história contemporânea, ou de setores moderados, em especial os mais conservadores, a noção de que os grupos e movimentos radicalizados, situem-se estes à esquerda ou à direita, se equivalem na rejeição da democracia e na defesa da força e do conflitos como instrumentos decisivos da vivência coletiva. Esta ideia tem provocado, em diferentes momentos e lugares, equívocos muito grandes a propósito da forma, apontada como «análoga», que esses setores, apesar de situados em campos diametralmente opostos, exibem dentro de sociedades plurais e democráticas onde procuram afirmar-se. Trata-se de um juízo errado e perigoso.

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                                    O beabá do 25 de novembro e a direita

                                    O aproveitamento simbólico, pela direita e pela extrema-direita, do 25 de novembro de 1975, a data que de alguma forma fechou a fase mais dinâmica do processo revolucionário de 1974-75, só pode ser suscitado pela ignorância da história, por puro oportunismo, ou, mais provavelmente, por ambas as coisas. Por ignorância porque nem sabem, ou nem querem saber, que os vencedores dos acontecimentos que tiveram lugar nessa data foram, do ponto de vista político, os setores moderados do MFA e o Partido Socialista. Por oportunismo porque tudo lhes serve para, no seu cinquentenário, minimizarem o significado e o impacto dos 25 de Abril, que na verdade desvalorizam, quando não odeiam visceralmente e desde há muito. Vão, desta forma, celebrar, como data sua, um acontecimento para o qual não meteram prego nem estopa. Dele se aproveitando agora, após cinquenta anos a ganharem coragem para o fazer.

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