Arquivo de Categorias: Democracia

Ainda a necessidade e o perigo das vanguardas

A palavra vanguarda é usada no vocabulário comum como metáfora de origem militar que alude ao destacamento especial dos exércitos destinado, durante as campanhas, a seguir muito à sua frente, tendo por objetivo reconhecer os caminhos que deveriam percorrer, observar melhor as forças do inimigo e realizar pequenas incursões destinadas a feri-lo ou a testá-lo. Atualmente a designação é associada a indivíduos, a experiências e a movimentos que, nos planos vivencial, estético, filosófico ou político, se mostram bem à frente das sociedades de onde emergem, propondo, ensaiando e materializando vias e dimensões caraterizadas pela ousadia, pela raridade e pelo pioneirismo.

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    O partido da triste figura

    Tenho escutado isto menos, mas durante décadas o Partido Ecologista Os Verdes foi entre nós sistematicamente apelidado de partido-melancia. Como esta, verde por fora e vermelho por dentro. Na verdade, tratou-se sempre, praticamente desde a sua fundação em 1982, e mais acentuadamente nos últimos anos, de um agrupamento satélite criatura do PCP, com a utilidade prática de agregar uns poucos votos de pessoas sensíveis à temática ecologista – pessoas com dificuldade em reparar que existem partidos, como o Livre, o PAN ou mesmo o BE, mais consequentes e ativos neste domínio – e sobretudo de justificar a formação de uma frente eleitoral designada «unitária», colocando nos boletins eleitorais, ao lado da foice e do martelo, um belíssimo girassol estilizado.

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      Embuste e menosprezo do saber contra a democracia 

      Apesar dos seus riscos e defeitos, uso com regularidade as redes sociais. São múltiplos os motivos: manter um contacto regular com algumas pessoas, divulgar ou saber de iniciativas, difundir artigos de opinião, saber de livros, séries e filmes, chegar na hora a notícias importantes, conhecer mais e de uma forma mais plural, e sobretudo tomar o pulso ao mundo em perpétua e rápida mudança. Elas podem ainda aproximar-nos de universos novos ou que geralmente desconhecemos. Por isso, digo a quem não as utiliza ou as abandonou, devido sobretudo ao excessivo ruído e à ocasional violência, que fazem mal e talvez delas não se tenham servido de um modo eficaz e necessariamente seletivo. 

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        O beijo na face como pecado venial 

        Pertenço à geração que recuperou, naturalizou e tomou como sua a prática convivial do beijo na face, fazendo dela uma forma habitual e partilhada de saudação ou uma expressão de amizade. Apesar de, devido aos interditos impostos por um padrão de masculinidade, dominante no ocidente, fora da família ele se mantivesse muito menos comum entre os homens, a partir dos anos sessenta do século XX passou a representar uma conquista no processo em aberto de aproximação entre corpos que anteriormente pouco se tocavam em público ou o faziam de uma forma por regra cerimonial. Associado à nova cultura urbana e libertária triunfante no pós-Segunda Guerra Mundial, o beijo na face, como também o uso mais público daquele dado na boca, transformou-se num emblema de informalidade democrática.

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          O mito das criancinhas e Trump

          Ao longo de décadas, um dos mais utilizados mitos usados por governos e partidos de orientação anticomunista foi a divulgação – a par de lendas sobre imaginárias injeções letais atrás da orelha impostas aos idosos – de que sob os regimes controlados pelos comunistas estes, por mera perversão, «comiam criancinhas ao pequeno almoço». A influência do mito foi tão forte e de tal modo transversal que ainda por volta de 1977 estive em debates em aulas onde alunos universitários, meus colegas à época, defendiam a veracidade desta ideia mirabolante.

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            Cegueira política e eleições nos EUA

            Li ontem, no Público, um artigo de opinião Alexandra Lucas Coelho sobre a convenção dos democratas norte-americanos, pejorativamente intitulado «Kamalas, Obamas, Tonys & Tims: o espetáculo da América que arma a guerra», que é claro sinal de um posicionamento desastroso e irrealista face à política norte-americana e aos seus reflexos no mundo. Lamento dizê-lo, pois, apesar de com frequência pautado pelo viés do sempre restritivo «wokismo», gosto geralmente daquilo que, em diferentes géneros, a autora escreve.

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              Kamala e a América

              A noite passada, madrugada aqui em Portugal, o discurso de aceitação de Kamala Harris, perante a Convenção do Partido Democrata, como candidata à presidência dos EUA, foi, como seria de esperar, um excelente exercício de determinação e de retórica, recebido no centro de congressos de Chicago com um enorme entusiasmo e de forma triunfal. Se tivesse, como um certo presidente da República, a incumbência de atribuir notas de 0 a 20 no domínio da oratória, se a Barack e Michelle Obama teria atribuído, sem pestanejar, a ambos um 20, a Kamala dou sem qualquer dúvida um 19. Mas os Obama são, de certa forma, seres de outro planeta no campo da capacidade de comunicação, enquanto a afirmativa candidata democrata ainda pertence ao domínio do humano.

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                Esperança e expectativa

                A renovada candidatura democrata à presidência dos Estados Unidos, agora com duas figuras enérgicas, carismáticas e progressistas no boletim, está a oferecer uma nova esperança a quem já dava por certa a vitória de Trump e do seu programa de destruição da democracia na América e de agravamento do equilíbrio mundial. Kamala Harris e Tim Waltz têm ambos um tom vibrante e um currículo de defesa dos direitos humanos, das mulheres, do serviço público e da liberdade que é muito positivo. Quem acompanha a realidade política norte-americana sabe que os meandros do Partido Democrata são complexos e nem sempre transparentes, mas esta não é altura para esquisitices, uma vez que são, de facto, dois universos opostos que estão em confronto. Perante o que se avizinhava, e como já mostram as sondagens, há agora uma viragem que todos os e as democratas do planeta esperam que se mantenha e alargue até ao voto popular de 5 de novembro.
                [Foto: Chris Lachall /USA Today]

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                  Fé ou convicção

                  Aquilo a que chamamos fé designa habitualmente uma crença de natureza religiosa, política ou moral que não carece de justificação racional e determina o empenho diário de quem a possui em prol do ideal no qual ela se apoia. Já a convicção é um estado de espírito que resulta de um facto ou de numa ideia cuja existência e sentido podemos provar de modo racional, deste processo resultando uma dose de certeza e de necessidade que conduz à ação. Os dois conceitos parecem, pois, antitéticos, mas quando o primeiro deles em certas circunstâncias contamina o segundo, tudo o que daí resulta é pervertido, passando a apresentar-se como convicção aquilo que não passa de uma extensão de fé. Na história humana, particularmente com religiões assassinas ou ideologias totalitárias, este contágio tem produzido sucessivos desastres.

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                    O drama venezuelano e nós

                    Ontem, chegadas as notícias sobre a «vitória» de Maduro, por 51% dos votos – que este afirmou ter sido «por KO» – reparei nos primeiros países a reconhecê-la: Nicarágua, Cuba e Rússia. Onde, como se sabe, as eleições são apenas plebiscitos controlados. Calculei que a posição fosse secundada pelo PCP e fui procurá-la, mas por duas horas acreditei que um vento de bom senso teria introduzido alguma ponderação. Ao início da tarde, porém, saiu o previsível comunicado, na habitual língua de madeira: «O PCP saúda a eleição de Nicolás Maduro como Presidente da República Bolivariana da Venezuela, bem como o conjunto das forças progressistas, democráticas e patriotas venezuelanas. O PCP (…) condena a reacção do Governo português, alinhada com a política de ingerência dos EUA e da UE e quantos procuram animar a campanha promovida pela extrema-direita golpista.»

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                      Americanismo, antiamericanismo e eleições nos EUA

                      Born in The U.S.A. não é, nem de perto para o meu gosto, a melhor canção de Bruce Springsteen, mas sirvo-me de uma estrofe sua. Nela proclama o músico de New Jersey: «À sombra da penitenciária / Junto às chamas da refinaria / Há dez anos a arder na estrada / Sem lugar para onde ir ou fugir». O registo é habitual numa importante tradição da cultura popular norte-americana que celebra o indivíduo comum, a quem nada é oferecido e que, numa sociedade selvagem, jamais pode dar por seguro o dia de amanhã. Resta-lhe continuar o caminho e a sua luta diária. Muitos rapazes de várias gerações e diferentes continentes (e algumas raparigas, também), cedo conviveram com esta lírica do desespero que, «nascida na América», alimentava um imaginário de aventura, feito de travessias entre lugares inóspitos e conflitos fatais, em busca de um mundo mais justo. 

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                        Um mapa «da Palestina» negativo e danoso

                        Está a circular profusamente pelo Facebook e outras redes sociais, deixado inclusive por pessoas que muito prezo ou de quem sou amigo, e que acredito terem sobre o tema posições mais equilibradas e racionais, e não apenas emotivas e epidérmicas, um suposto mapa «da Palestina», legendado em árabe e na perspetiva do Hamas, destinado a celebrar o combate do povo palestiniano pela sua independência. A causa é, sem qualquer dúvida, justíssima, para mais nesta altura tão dramática para a população de Gaza, e essa lembrança é adequada. O mapa em causa, todavia, além de estar manifestamente errado, por muito incompleto, parte de um pressuposto político, vindo de determinado grupo, que é negativo e danoso para a própria causa palestiniana.

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                          A guerra civil como «solução»

                          Refere Jorge Almeida Fernandes, em artigo saído no Público de hoje, que um inquérito do Chicago Project on Security and Threats, da Universidade de Chicago, indica que que 10 por cento dos norte-americanos seriam favoráveis à violência para impedir que Trump chegue à presidência, enquanto sete por cento se declaram favoráveis à violência para reinstalar Trump na Casa Branca. Isto é, a confiarmos no estudo, 17% das pessoas de uma nação com 334 milhões de habitantes, ao redor de 57 milhões de seres humanos, defende, na prática, que a solução para os seus problemas coletivos será uma nova guerra civil. Para além da situação de bipolarização agregadora do ódio, a prova provada da continuada instalação da ignorância entre uma parte imensa da população dos Estados Unidos da América, seja a da história do seu próprio país, ou a dos simples efeitos de uma qualquer guerra civil, sempre a mais terrível e destruidora de todas ocorra ela onde ocorrer. [originalmente no Facebook]

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                            O wokismo contra a justiça e a emancipação

                            Apesar de ter sido utilizado em textos da cultura política desde os meados do século XIX, o termo «Woke», que deriva da expressão «stay woke» – em tradução livre, «fica alerta» –, expandiu-se muito mais tarde. É atualmente associado a alguns movimentos e práticas reivindicativas que enfrentam o racismo, a discriminação de género e outros fatores de injustiça social, defendendo uma tomada de consciência ativa e uma intervenção imediata. Apesar de lhe reconhecer a utilidade inicial, o filósofo Jean-François Braunstein considera-o hoje «uma «religião sem perdão», instalada sobretudo em ambientes académicos, que terá evoluído como uma «epidemia que varre o mundo ocidental». 

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                              Quatro notas sobre as eleições em França

                              1. A melhor notícia da noite eleitoral de ontem foi, sem sombra de dúvida, a derrota da extrema-direita francesa, dada desde há meses, pela generalidade dos média e uma maioria de comentadores, como inevitável vencedora com uma maioria absoluta. A segunda melhor foi a clara vitória da recém-formada Nova Frente Popular, que ultrapassou todas as expectativas com um programa essencialmente reivindicativo, de resistência e de defesa de direitos, apoiada em boa medida num eleitorado urbano e jovem que se mobilizou. 

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                                Perigo no Reino Unido

                                As notícias sobre a vitória incontestável e estrondosa do Partido Trabalhista nas eleições gerais que tiveram lugar ontem no Reino Unido, com 412 deputados e 9,8 milhões de votantes para os 121 dos conservadores, com 6,8 milhões, merecem um olhar cuidado. Desde logo porque ela apenas foi possível com uma considerável inflexão dos trabalhistas ao centro, o que lhes poderá ter concedido a fácil vitória, mas os irá forçar também a manter compromissos que facilmente trarão problemas e descontentamento.

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                                  Objetivo: esperança

                                  O que está a ocorrer em França e que as eleições em curso mostram com clareza, como, em diferentes tonalidades, está também a acontecer na generalidade das democracias, é um renascimento e um avanço da extrema-direita. Apoiada hoje, não em ideologias de superioridade étnica e em grupos de choque nas ruas, mas nas estratégias oblíquas do populismo e na suja manipulação da informação e da verdade, cavalgando, ao mesmo tempo, as facilidades, a degradação dos projetos e um estado de entorpecimento presentes entre as forças progressistas. Talvez isto possa servir de safanão para que estas possam despertar do torpor e do hábito, abandonando o sectarismo e abrindo-se mais à inovação dos projetos e à colaboração entre si. Trata-se de uma esperança, é certo, mas de esperança sempre se alimentou o que de mais positivo emergiu do trajeto humano.
                                  [Originalmente no Facebook]

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                                    Armadilhas da memória, tecnologia e liberdade

                                    De vez em quando, escutamos conversas, ou lemos textos, onde encontramos lamentos sobre a «falta de liberdade» determinada pela parafernália eletrónica, ao nível das tecnologias da comunicação e das suas aplicações, que chegou para ficar e se apoderou das nossas vidas. Se é verdade que a quantidade crescente de dispositivos, bem como as diferentes práticas de interação que estes permitem, pode determinar graus de dependência e implica um uso do tempo que vamos retirar a outras atividades – como ler em papel ou ir ao cinema e ao teatro, ou como passear, conviver e trabalhar – também o é que ampliam, muitas vezes bastante, as escolhas, o conhecimento e a interação. 

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