Mark Twain considerava o riso a arma humana mais poderosa. O filósofo Henri Bergson explicou o motivo dessa enorme força: ele é um instrumento de socialização, naturalizando momentos e acontecimentos que de outro modo não saberíamos explicar. Bergson dava o exemplo do riso provocado pelo tropeção de alguém numa pequena pedra: aquilo que nos leva a rir perante essa situação é a incapacidade humana para se desviar da pedra e o aspeto descomposto que o corpo toma no momento da queda, mas é o riso que nos permite aceitá-la. Como numa daquelas sequências do desastrado personagem Charlot no início da história do cinema. Por isso é sempre tão difícil esclarecer o motivo pelo qual rimos, pelo qual achamos graça a um gesto falhado ou a uma frase inesperada. O riso, na realidade, substitui a explicação.
Existe, no entanto, um abismo separando o «ter graça» e o «ser engraçado». Conhecemos bem o sensato adágio português, transmitido de geração em geração sem alterar uma vírgula, que sublinha essa diferença entre as duas atitudes, enaltecendo a primeira, que é natural, ou pelos menos materializada sem esforço, como uma qualidade rara e positiva, e denegrindo a outra, sempre artificial e forçada, como um vulgar defeito.
Ter graça implica um exercício de contenção e de inteligência, uma ginástica da linguagem e da intuição, servindo-se quem a produz da capacidade de efabulação e de humor, e em particular da ironia, como ferramentas para comunicar de forma original e criativa. Já ser engraçado é muito diferente, envolvendo antes um conjunto de artifícios, apoiados em frases feitas e imagens repetitivas, que é fácil de produzir desde que quem o tente conheça a dinâmica do sarcasmo e tenha propensão para a farsa. Por estes motivos, quem tem realmente graça nos espicaça o riso, prolongando o seu efeito mesmo depois de passado o instante em que o provoca, e quem se faz engraçado apenas nos toca com a frágil e repetitiva dose de escárnio, que rapidamente aborrece e logo esquecemos.
Isto aplica-se ao frequente recurso, nos canais generalistas de televisão, a comentadores travestidos de comediantes, supostamente chistosos e de piada forçada – em particular em longos programas que procuram parodiar ou mesmo substituir o debate político – que em vez de nos divertirem, ajudando a olhar criticamente o presente e a superá-lo pela função socializadora do riso, nos impõem doses criteriosamente medidas de artificial risota, com exercícios de chacota que afastam a inteligência e incitam ao conformismo. Quando não espalham a maledicência e o ódio. Alimentados por uns quanto engraçados sem graça, o padrão de riso que suscitam, em vez de nos fazer mais humanos e atentos ao real social, como sugeriam Twain e Bergson, apalerma-nos como um narcótico. Numa hipótese mais benévola, deixa-nos indiferentes.
Publicado no Diário As Beiras em 5/3/2016