Arquivo de Categorias: Olhares

Um mapa «da Palestina» negativo e danoso

Está a circular profusamente pelo Facebook e outras redes sociais, deixado inclusive por pessoas que muito prezo ou de quem sou amigo, e que acredito terem sobre o tema posições mais equilibradas e racionais, e não apenas emotivas e epidérmicas, um suposto mapa «da Palestina», legendado em árabe e na perspetiva do Hamas, destinado a celebrar o combate do povo palestiniano pela sua independência. A causa é, sem qualquer dúvida, justíssima, para mais nesta altura tão dramática para a população de Gaza, e essa lembrança é adequada. O mapa em causa, todavia, além de estar manifestamente errado, por muito incompleto, parte de um pressuposto político, vindo de determinado grupo, que é negativo e danoso para a própria causa palestiniana.

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    A guerra civil como «solução»

    Refere Jorge Almeida Fernandes, em artigo saído no Público de hoje, que um inquérito do Chicago Project on Security and Threats, da Universidade de Chicago, indica que que 10 por cento dos norte-americanos seriam favoráveis à violência para impedir que Trump chegue à presidência, enquanto sete por cento se declaram favoráveis à violência para reinstalar Trump na Casa Branca. Isto é, a confiarmos no estudo, 17% das pessoas de uma nação com 334 milhões de habitantes, ao redor de 57 milhões de seres humanos, defende, na prática, que a solução para os seus problemas coletivos será uma nova guerra civil. Para além da situação de bipolarização agregadora do ódio, a prova provada da continuada instalação da ignorância entre uma parte imensa da população dos Estados Unidos da América, seja a da história do seu próprio país, ou a dos simples efeitos de uma qualquer guerra civil, sempre a mais terrível e destruidora de todas ocorra ela onde ocorrer. [originalmente no Facebook]

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      O wokismo contra a justiça e a emancipação

      Apesar de ter sido utilizado em textos da cultura política desde os meados do século XIX, o termo «Woke», que deriva da expressão «stay woke» – em tradução livre, «fica alerta» –, expandiu-se muito mais tarde. É atualmente associado a alguns movimentos e práticas reivindicativas que enfrentam o racismo, a discriminação de género e outros fatores de injustiça social, defendendo uma tomada de consciência ativa e uma intervenção imediata. Apesar de lhe reconhecer a utilidade inicial, o filósofo Jean-François Braunstein considera-o hoje «uma «religião sem perdão», instalada sobretudo em ambientes académicos, que terá evoluído como uma «epidemia que varre o mundo ocidental». 

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        Perigo no Reino Unido

        As notícias sobre a vitória incontestável e estrondosa do Partido Trabalhista nas eleições gerais que tiveram lugar ontem no Reino Unido, com 412 deputados e 9,8 milhões de votantes para os 121 dos conservadores, com 6,8 milhões, merecem um olhar cuidado. Desde logo porque ela apenas foi possível com uma considerável inflexão dos trabalhistas ao centro, o que lhes poderá ter concedido a fácil vitória, mas os irá forçar também a manter compromissos que facilmente trarão problemas e descontentamento.

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          Objetivo: esperança

          O que está a ocorrer em França e que as eleições em curso mostram com clareza, como, em diferentes tonalidades, está também a acontecer na generalidade das democracias, é um renascimento e um avanço da extrema-direita. Apoiada hoje, não em ideologias de superioridade étnica e em grupos de choque nas ruas, mas nas estratégias oblíquas do populismo e na suja manipulação da informação e da verdade, cavalgando, ao mesmo tempo, as facilidades, a degradação dos projetos e um estado de entorpecimento presentes entre as forças progressistas. Talvez isto possa servir de safanão para que estas possam despertar do torpor e do hábito, abandonando o sectarismo e abrindo-se mais à inovação dos projetos e à colaboração entre si. Trata-se de uma esperança, é certo, mas de esperança sempre se alimentou o que de mais positivo emergiu do trajeto humano.
          [Originalmente no Facebook]

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            Armadilhas da memória, tecnologia e liberdade

            De vez em quando, escutamos conversas, ou lemos textos, onde encontramos lamentos sobre a «falta de liberdade» determinada pela parafernália eletrónica, ao nível das tecnologias da comunicação e das suas aplicações, que chegou para ficar e se apoderou das nossas vidas. Se é verdade que a quantidade crescente de dispositivos, bem como as diferentes práticas de interação que estes permitem, pode determinar graus de dependência e implica um uso do tempo que vamos retirar a outras atividades – como ler em papel ou ir ao cinema e ao teatro, ou como passear, conviver e trabalhar – também o é que ampliam, muitas vezes bastante, as escolhas, o conhecimento e a interação. 

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              A «maldade dos políticos», Camus e a ética

              Se fosse forçado a viajar para uma ilha deserta e a ali permanecer incomunicável até ao meu último dia, e se antes de partir me dessem a hipótese de transportar comigo um caixote com livros, embora de um único autor, apesar do desgosto de deixar muitos para trás escolheria sem dúvida os de Albert Camus. Levaria absolutamente tudo o que escreveu e se encontra publicado em milhares de páginas: os romances, os ensaios filosóficos, os diários fragmentados, os combativos artigos de opinião, os discursos públicos, mesmo os apontamentos e notas de leitura espalhados por jornais e revistas, bem como as coletâneas de emotivas cartas que trocou com amigos, camaradas e amantes. 

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                Três reflexões em tempo de pós-europeias

                1. A primeira coisa que um observador progressista dotado de razoável sentido de realismo político dirá é que os resultados globais das eleições para o Parlamento Europeu não foram tão maus quanto se esperava. Ao contrário de muitas sondagens e de diversos textos de reconhecidos analistas, a extrema-direita populista, apesar de ter crescido – e isso aconteceu particularmente em dois estados centrais, como a França e a Alemanha – não conseguiu, longe disso, impor uma maioria soberanista e antidemocrática. Ao contrário, os partidos democráticos do centro-direita e os do centro-esquerda, mantêm-se em maioria, o que augura, se nada inesperado acontecer, cinco anos de laboriosas negociações e, em muitos casos, de impasses. Em contrapartida, as forças associadas à política verde e às causas da esquerda recuaram de uma forma inquestionável, o que é uma má notícia, reduzindo a possibilidade de uma reformulação da política europeia no sentido cada vez mais imperioso da proteção do clima, da solidariedade social e da defesa da paz e dos refugiados. 

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                  Porque não podem passar nas Eleições Europeias

                  A exclamação «Não Passarão!» remonta à Batalha de Verdun, ocorrida em 1916, pronunciada então pelo general francês Robert Nivelle. Mais tarde, durante a Guerra Civil Espanhola, foi usada entre 1936 e 1939, durante a defesa de Madrid, pela dirigente comunista Dolores Ibárruri, «La Pasionaria», inspirada num cartaz republicano de Ramón Puyol. Destinava-se a mobilizar a resistência contra a insurreição militar que procurava derrubar a República, da qual viriam a resultar, após mais de meio milhão de mortos e o triplo de feridos e prisioneiros, a vitória do franquismo e quatro décadas de feroz ditadura. A partir dessa altura, o lema passou a exprimir por toda a parte e em todas as línguas a determinação de resistir aos fascismos e a quem deles partilhe metas e métodos.

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                    Sobre uma decisão

                    Partilho uma decisão pessoal com quem me segue nas redes sociais e tem acompanhado em artigos de opinião e campanhas de natureza cívica. 

                    Apenas tive atividade partidária entre 1971 e 1977, ligado então a uma organização da esquerda revolucionária da qual saí mais por razões de natureza ética do que política. O distanciamento político surgiu depois e veio devagar, se bem que a evolução pessoal jamais colidisse com valores fundamentais de solidariedade e justiça que cedo adotei e jamais deixei de partilhar. 

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                      Coimbra, o movimento estudantil e o 25 de Abril

                      É muitas vezes evocada a importância do movimento estudantil na resistência ao Estado Novo e o seu importante contributo para a queda do regime caduco e injusto que o sustentou. Infelizmente, esta evocação é com frequência bastante parcial, sendo acompanhada de um esquecimento de vários dos seus importantes momentos, escolhas e protagonistas. Esta tendência determina perspetivas incompletas, que relativizam o papel crucial e de longo fôlego, para a vitória da democracia, da intervenção política e cultural de sucessivas gerações de estudantes. Nos cinquenta anos de Abril, vale a pena mencionar esta lacuna centrando a atenção no caso de Coimbra e nos últimos anos do anterior regime.

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                        Uma homenagem e um equívoco

                        É hoje, 17 de Abril, quando se completam 55 anos sobre o episódio que desencadeou a «crise académica» de 1969, inaugurado em Coimbra pelo PR um mural de homenagem àquele momento que é centrado em Alberto Martins, então o presidente da AAC e o seu mais conhecido protagonista, dado o papel que teve ao pedir a palavra em nome dos estudantes. Parece-me bem e justo, embora discorde da forma como o episódio, que teve uma natureza coletiva e distendida no tempo, continua a ser recordado e representado como centrado num momento e numa só pessoa, que «apenas» foi instada – como a própria ainda há dias reconheceu num debate em que também participei – a falar em nome de todos.

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                          Não banalizar o fascismo

                          É de todo contraproducente, além de um erro histórico gritante, apelidar de fascismo o que não é fascismo, apenas porque o objeto assim apelidado corresponde a escolhas e atitudes que articulam com posições de natureza conservadora ou assumidamente de direita. A extrema-direita atual, tirando curtas franjas completamente retrógradas e que ainda sentem nostalgia pelos regimes fascistas do século passado, não é formalmente fascista: é antes populista e xenófoba, mas também neoliberal e defensora das possibilidades que a democracia lhe oferece. Chamá-la de «fascista» é anacrónico e instala a confusão, desarmando os cidadãos perante as suas iniciativas, de uma natureza bem diversa da dos fascistas do século passado.

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                            Um «fim de ciclo» de Abril?

                            As últimas legislativas e a mudança de orientação política da governação coincidiram com o cinquentenário da Revolução de Abril, proporcionando, a par de uma maioria de sínteses, evocações e interpretações globalmente positivas, um conjunto de leituras e afirmações de sinal contrário. Este não emerge como fruto do acaso. Refiro-me ao surgimento, nos setores partidários de direita e de extrema-direita, em parte significativa do universo do comentário político público e mesmo junto de bom número de eleitores, de posições que qualificam este momento do nosso trajeto coletivo como «fim de ciclo». Alguns, mais afoitos ou embalados por um clima de impunidade sobre quem se declara contra a democracia, têm falado até de «enterrar o 25 de Abril».

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                              Afinal, andávamos bastante enganados

                              No final do século passado, quando da emergência na Europa e nas Américas da atual vaga da extrema-direita populista, mantinha-se em Portugal, entre quem observava a paisagem política sob uma perspetiva democrática, a convicção de que ela jamais cá chegaria. Em diferentes quadrantes, no campo plural da esquerda, mas também entre setores moderados do centro-direita, cultivou-se a ideia de que a memória da ditadura, a inclusão na União Europeia e as conquistas de Abril e da democracia – capazes de erguer um país muito mais livre, próspero, pacífico e justo do que aquele desaparecido em 1974 – seriam o bastante para desviar para bem longe aquela negra nuvem. 

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                                O óbvio, antes que esqueça

                                Parece-me mais ou menos óbvio que nesta altura de viragem entre nós, o combate da esquerda plural, tanto no isolamento e no afastamento do populismo de extrema-direita como na busca para procurar evitar perder os inegáveis, ainda que sem dúvida insuficientes, avanços progressistas gradualmente obtidos a partir de 2015, passa por uma aproximação política e até orgânica das suas partes. Defendo-o há muito, se bem que quase sempre a nadar contra as marés do sectarismo ou da simples cegueira política. Isto não exclui, é claro, as diferenças, algumas bastante fortes e históricas, que existem entre as suas partes, mas tende a relevar, e sobretudo a desenvolver, aquilo que, no essencial, se não as une, por certo as pode aproximar.

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                                  No século XIX um conjunto de teóricos urbanistas defendeu, diante do crescimento das cidades e da sua população marginalizada e politicamente instável, a necessidade de afastar as «classes pobres» para as periferias das cidades. Assim, pensavam, se reduziria o perigo que representavam para os poderosos, e os centros urbanos seriam mantidos mais bonitos, mais limpos e mais tranquilos. Na Paris dos meados desse século foi particularmente importante a atividade do perfeito Barão Haussman, o «artista demolidor». O projeto de renovação da cidade que levou a cabo teve como objetivo, além de tornar a cidade de certo modo mais bela e imponente, pôr termo às constantes revoltas populares e barricadas. Ao mesmo tempo, serviu para expulsar os antigos moradores das ruelas centrais e aqueles que, havia pouco tempo, ali tinham afluído vindos das áreas rurais. Para a burguesia parisiense, em breve essa população se tornou uma realidade quase inexistente, confinada a escassas e necessárias atividades importantes para o aprovisionamento da capital.

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                                    Todas as pessoas de formação progressista, e também, não tenho qualquer dúvida, um bom número das que são estruturalmente conservadoras ou mesmo de direita, embora de formação democrática, estão em choque com a semi-vitória do Chega nas eleições do passado domingo. Ainda que ela fosse esperada, existia sempre um esperança de as sucessivas sondagens estarem enganadas, mas se o estavam foi porque pecaram por defeito. A verdade é esta, bem crua: em cada mil eleitores, 180 votaram num partido sem um programa claro, para além de um cúmulo de ódio de natureza racista, xenófoba, contra a igualdade de género, homofóbica, e igualmente passadista, antieuropeia e apostada no desmantelamento do Estado social, seja no campo da saúde, da educação, da segurança social ou da cultura. A meta é, destruir a democracia, trocando-a por um populismo desvairado de extrema-direita, ou, como proclamava um apoiante mais sincero desse partido, «acabar com o 25 de Abril».

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