
Num livro dedicado ao «dever de felicidade» que se tem vindo a impor ao longo das últimas décadas, Pascal Bruckner interroga-se sobre o valor daquilo a que chama «essa ideologia (…) que conduz a tudo avaliar sobre o prisma do prazer e do desagrado, esse convite à euforia que lança na infâmia e no sofrimento aqueles que não lhe correspondem». Toma-a como a completa perversão daquela que foi uma das mais belas faces da proposta iluminista: a afirmação, ainda que mais metafísica do que no plano das conquistas sociais, do «direito à felicidade». Mirabeau, em carta datada de 1738, considerava essa afirmação o mais importante dos deveres de cada indivíduo, a razão última de qualquer vida que valesse a pena ser vivida, tal como, nos séculos que o haviam antecedido, a maior e mais absoluta das inquietações e o primeiro dos deveres individuais tinham apontado para a salvação da alma.
Trinta anos depois, nas Confissões, Rousseau escreveria sem ambiguidade que «o propósito da vida humana é a felicidade de cada homem». Embora não se atrevesse a atribuir um sentido claro e universal à forma de a obter, estimava já, num plano estritamente pessoal, que era na prática da escrita criadora e no deleite da imaginação que dela se podia ir aproximando. A fome e a doença, bem como o desdém e a perseguição, dos quais tanto se queixava, podiam ser suplantados por um estado de felicidade íntima que tudo ajudava a ultrapassar. ler mais deste artigo