Arquivo de Categorias: Olhares

A verdade é como o azeite

A invasão da Ucrânia tem deixado claro que entre nós apenas o PCP e um grupo de pessoas que influencia não rejeitam declaradamente a decisão de Putin. Todavia, quem paute a realidade pelo que se pode ver nas redes sociais fica com uma perspetiva diferente. A este propósito, vale a pena lembrar que durante décadas, em espacial a partir do final da Segunda Guerra Mundial, os partidos comunistas que atuavam dentro das democracias representativas detiveram uma influência sempre bastante superior ao seu real peso eleitoral. Depois do 25 de Abril, em Portugal essa situação também se verificou, em particular depois de 1991, quando o PCP desceu abaixo dos dois dígitos. E mesmo hoje, quando já apenas representa 5% do eleitorado, a sua voz continua a ter um eco muito superior ao peso político e social efetivo. O que se repete na atual situação. 

(mais…)
    Cibercultura, Democracia, Olhares, Opinião

    O passado vivido e aquele que é contado

    Ocupado, enquanto historiador, com um tempo próximo do que tenho de vida – dos anos cinquenta ao presente – deparo habitualmente com sinais de um conflito. Os historiadores sabem que não existe descrição fechada ou interpretação unívoca do passado, pois circunstâncias, subjetividades e meios determinam olhares inevitavelmente divergentes; mas sabem também que os factos do passado não podem ser apagados ou modificados. Não pode, por exemplo, afirmar-se que John Kennedy continua vivo, ou dizer-se que o Holocausto é uma fantasia criada por judeus, ou considerar-se que o genocídio arménio nunca aconteceu, quando existem provas de que assim não é. Todavia, existe quem não hesite em inventar ou em falsificar o passado, sobretudo aquele mais próximo, e por este motivo mais perturbante, para que ele possa corresponder às suas expectativas e interesses.

    (mais…)
      Atualidade, História, Olhares, Opinião

      Um pouco de racionalidade, outro tanto de história

      1. Como qualquer pessoa razoavelmente atenta e avisada previa com bastante segurança, a guerra, sob a forma de invasão, prevista por uas quantas almas para começar esta semana entre a Rússia e a Ucrânia, de facto não teve lugar. E, mesmo considerando, para quem tenha fé, que o futuro só a Deus pertence, muito dificilmente ocorrerá nos tempos mais próximos. Tratou-se de um jogo de pressões e chantagens que, obviamente continuará, na qual cada uma das partes procura assegurar posições num processo de equilíbrio instável. Pelo menos enquanto prosseguirem as disputas territoriais e os conflitos de influência entre Moscovo e Washington, com a União Europeia de permeio. Misturar o desejo de alimentar o sensacionalismo com o visionamento dos filmes de ação não é grande munição para produzir análises criteriosas de política internacional.

      (mais…)
        Apontamentos, Direitos Humanos, História, Olhares, Opinião

        «Coimbrinhas», de novo

        A característica marcante do que na cidade onde vivo desde 1969 se chamam os «coimbrinhas» – termo pejorativo quase caído em desuso, de que só os últimos «coimbrinhas» se servem para referirem uma entidade abstrata da qual sem o conseguirem se procuram excluir -, consistia em ver o mundo reduzido à escala dos estreitos horizontes da cidade pequena e provinciana que ia do Choupal à Figueira da Foz (apesar da universidade, para alguns críticos por causa dela, ou de parte dela).

        (mais…)
          Apontamentos, Coimbra, Ensaio, Olhares

          A outra direita e a responsabilidade da esquerda

          Não é preciso ser-se adivinho para antever o que aí vem. O brusco e acentuado crescimento em Portugal da direita radical dos partidos neofascista (Chega) e ultraliberal (Iniciativa Liberal), promovido pelo destaque politico conferido pela sua presença no parlamento, pelas subvenções do Estado a que têm direito, pelo vínculo que mantêm com os códigos do nacional-populismo e pela projeção que lhes vai ser dada – já está a ser dada – pela comunicação social de maior impacto, vai tornar esse setor político, muito provavelmente, a direita com a qual a esquerda terá verdadeiramente de confrontar-se nos próximos anos. As indecisões e a relativa moderação do PSD e o estilhaçamento do CDS farão em breve com que – como aconteceu, por exemplo, na França ou na Itália – a direita «civilizada» veja muito reduzida a sua influência em favor de quem prega ideias tão perigosas quanto simples e primitivas. Contra este setor, o enfraquecimento dos partidos da esquerda e das pontes que entre si possam manter representará sempre uma calamidade.

            Apontamentos, Democracia, Olhares

            Uma imprescindível «esquerda à esquerda»

            No que respeita ao essencial dos resultados das eleições do dia 30 de janeiro, não há volta a dar. Para além da inequívoca e confortável maioria absoluta que António Costa e o PS obtiveram, libertando-os para afirmarem o seu projeto próprio, mas também para os perigos de uma governação autocentrada e sem grandes concessões políticas, e da grande e rápida subida de uma direita à direita do próprio CDS, associada à difusão sistemática do ódio social e do racismo, ou ao recuo do Estado-Providência e ao regresso a um capitalismo selvagem inspirado no mundo brutalmente desigual do século XIX, eles representaram uma inegável derrota do Bloco de Esquerda e do PCP. Esta ocorreu numa escala que nem os mais pessimistas ou clarividentes, apesar dos sinais das sondagens, foram capazes de prever. 

            (mais…)
              Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião

              Uma esquerda indispensável

              Não há volta a dar: os resultados das eleições do dia 30 significaram uma derrota, com uma dimensão que nem os mais pessimistas ou clarividentes conseguiram antever, do PCP e do Bloco de Esquerda, os dois maiores partidos situados à esquerda do PS. Pior, todavia, que essa derrota, já expetável para quem não vivesse cego pelas suas certezas, são sobretudo dois fatores. Em primeiro lugar a sua dimensão, que imporá uma menor capacidade de influência política institucional, agora transferida para o espaço da rua. Em segundo a aparente resistência, da parte das direções de ambos os partidos, a desenvolverem um processo de crítica e de autocrítica capaz de impor um reconhecimento dos erros táticos e estratégicos, sem empurrarem para os ombros dos outros responsabilidades que são próprias.

              (mais…)
                Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião

                O inferno são os outros

                A tão usada frase «o inferno são os outros» foi introduzida por Jean-Paul Sartre na peça Huis Clos (Entre Quatro Paredes), escrita em 1944, onde é pronunciada pelo personagem Garcin. Os três únicos personagens, que incluem também Estelle e Inès, estão todos mortos e condenados para sempre ao inferno. Porém, neste não existe fogo, nem demónios, nem tenazes, como na tradição cristã, sendo a maior pena a que cada um é submetido o ter de conviver eternamente com os outros dois. Tem servido muitas vezes para identificar aquela atitude humana que tende a considerar que tudo o que de mau, errado, negativo, prejudicial, acontece em nosso redor, é culpa dos outros, de quem nos cerca, mas não nossa. Perante algumas interpretações dos resultados eleitorais com as quais estou a deparar – bem, algumas delas não são de facto interpretações, mas um enredado de queixumes e recriminações – as palavras de Sartre voltam a fazer sentido.

                (mais…)
                  Democracia, Olhares, Opinião

                  No dia seguinte

                  As eleições legislativas deste domingo deixaram o país político numa situação inteiramente nova, diante da qual as armas da análise crítica precisam de afinação. Por este motivo, e também porque importa deixar assentar alguma poeira, limito-me, para já, a curtas notas sobre aspetos que me parecem particularmente significativos e evidentes. Adiante conto escrever de forma mais completa e prospetiva. 

                  (mais…)
                    Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião

                    Vamos lá e depois conversamos

                    «Pois é» – como diz a irritante bengala da fala usada a torto e a direito por um meu conhecido – cá estamos de novo, neste sábado, em mais uma «pausa para reflexão» a anteceder um importante momento eleitoral. É sempre um dia algo perdido, desnecessário, para mais com a longa e profunda reflexão que, seja qual for o resultado, vamos ter de fazer a partir da noite deste domingo. Da minha parte, julgo que nunca «refleti» tanto em situação pré-eleitoral como o tenho feito nestes três meses. Até porque, pela primeira vez, irei votar, por exclusão de partes e um sentido de utilidade, num partido no qual não confio inteiramente. Mas, como diz aquele conhecido ditado, «em tempo de guerra não se limpam armas». Ou como lembra aqueloutro: «não há atalho, sem trabalho». Vamos lá votar à esquerda e depois conversamos.

                      Apontamentos, Democracia, Olhares, Opinião

                      A cultura na campanha eleitoral

                      No Público de hoje, o coreógrafo e bailarino Rui Horta assina um texto de opinião significativamente intitulado «Campanha Eleitoral: 10 – Cultura: 0». Apesar de nele dar, com naturalidade, maior ênfase à sua área de interesse e trabalho, não deixa de colocar o tema numa perspetiva geral, mostrando até que ponto são escassas e ocupam um lugar claramente secundário as propostas eleitorais neste domínio.

                      (mais…)
                        Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião

                        Neste país de fadistas

                        Fado, como se sabe, é o destino que «marca a hora», a sorte, a fortuna, encarados como inevitáveis. Daí o tom plangente do género musical homónimo. No tempo da outra senhora, era associado pelo próprio regime a uma dinâmica fatalista – relevem o oximoro – que procurava mostrar como inevitável a via da desgraça e da pobreza. Pois é esta que parece de regresso quando vejo as previsões fatalistas de muitos amigos e muitas amigas a propósito de uma hipotética vitória da direita nas eleições do próximo dia 30. Todavia, todas as sondagens – que eu saiba, exceto uma – atribuem uma vitória clara à esquerda no seu conjunto, desta expectativa apenas destoando os comentadores televisivos, alguns diretores de jornais e, claro, a própria direita em campanha frenética. É nestas pessoas que se fundam esses amigos e essas amigas para preverem tal cenário? Será imposição do genoma? Andam a ver demasiada televisão? Ora «vamo’láver»: vão é votar no sítio certo e convençam outros tantos a não deixarem de o fazer.

                          Apontamentos, Democracia, Devaneios, Olhares

                          O voto como forma de participação

                          Thomas Jefferson, terceiro presidente dos Estados Unidos e um dos «pais fundadores» da nação americana, escreveu pelos finais do século XVIII que, em democracia, as maiorias dependem mais do grau de participação de quem lhes dá forma que da mera soma dos votos que as produzem. Tantos anos depois, esta afirmação – mesmo tendo em conta que o conceito de democracia de Jefferson se encontra hoje muito datado – mantém a sua grande justeza. Isto tem sido comprovado por um grande número de experiências, do passado e do presente, nas quais a maioria dos votos concedidos em eleições a um partido ou a um candidato, por não corresponder a um efetivo compromisso político da maior parte dos cidadãos que a exprimiram, acaba por desvalorizar a própria democracia.

                          (mais…)
                            Democracia, Olhares, Opinião

                            «Vanguardas» na retaguarda

                            No campo da criação artística e literária, ou no das ideias políticas e filosóficas, a intervenção das vanguardas é fundamental para a afirmação do novo que sempre acompanha a abertura de caminhos em direções não experimentadas e fecundas. A palavra vanguarda vem, aliás, da antiga literatura militar, servindo noutros séculos para identificar o pequeno e móvel corpo de batedores que se movia muito à frente dos exércitos, reconhecendo os terrenos por onde seguiria depois o grosso das tropas ou onde se travaria a batalha, e identificando o tamanho, a capacidade e a disposição do inimigo.

                            (mais…)
                              Apontamentos, Artes, Democracia, Ensaio, Olhares

                              A barragem da banha-de-cobra

                              Lembrar-se-ão alguns dos velhos vendedores da banha-de-cobra, ou de cobertores e de atoalhados, hoje já raros por cá, cuja principal técnica publicitária consistia, depois de equilibrados em cima de uma cadeira que traziam na carrinha, e com ou sem o auxílio de um altifalante, em bombardear as pessoas que circulavam por feiras e mercados com uma barragem de palavras projetadas a mil à hora. Alguns cidadãos deixavam-se seduzir por tanto palavreado, e lá compravam um frasco, um boião ou um conjunto de peças. Um amigo aqui do Facebook – que me desculpe não o identificar, mas já não me consigo recordar de quem foi – divulgou hoje um exercício interessante feito a partir do debate que opôs André Ventura a Rui Tavares.

                              (mais…)
                                Apontamentos, Democracia, Olhares, Opinião

                                O mural-dazibao

                                O dazibao era o cartaz escrito à mão em grandes caracteres usado na China, durante a «Grande Revolução Cultural Proletária», para denunciar como contrarrevolucionários todos aqueles que não seguissem os ditames do comité local dos «guardas vermelhos» ou as diretrizes erráticas do pequeno grupo que então tinha tomado conta do Partido Comunista. Nele não se falava do futuro, do progresso, das necessidades das pessoas ou da beleza do socialismo, apenas se destilava ódio, se atacavam homens e mulheres – muitos/as deles revolucionários de longa data – ou se humilhava quem ousasse discordar da inapelável «linha vermelha». 

                                (mais…)
                                  Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião

                                  Uma leitura simplista

                                  Como muitas pessoas que conheço, também «pus a rodar» na Netflix o filme Não Olhem para Cima (Don’t Look Up), de Adam McKay. Confesso que dos 145 minutos que dura, terei visto pouco mais de 30, e por este motivo – sem ser como aqueles críticos que de um livro que avaliam apenas leram o primeiro capítulo e a contracapa – não irei fazer aqui qualquer comentário. Tendo encontrado alguma originalidade no argumento não vi mais apenas porque ela não foi suficiente para conter o aborrecimento que fui sentindo. E eu jamais leio um livro, oiço um disco ou vejo um filme apenas por sacrifício. Pode ser que a minha perspetiva tenha resultado de um estado de espírito circunstancial, pelo que conto dar ainda uma nova oportunidade ao filme.

                                  (mais…)
                                    Apontamentos, Cinema, Democracia, Olhares

                                    Blá-blá-blá, «na minha opinião»

                                    Palavras e frases entram e desaparecem, como bordões da fala, de acordo com diferentes tendências ou modismos. Ao facultar exemplos, a comunicação social, em especial a televisão, tornou este processo, mais constante e célere do que ocorria em passados mais distantes. Entretanto, quem tem a profissão de professor tem a sorte (algumas vezes, também o azar) de perceber melhor esta transformação, pois os seus alunos são um bom indicador das palavras ou das frases que estão em voga, bem como daquelas que estão a desaparecer ou de todo eles já não usam. Por vezes, isto já me aconteceu em alguns momentos, o próprio professor adquire aquele tique e, sem dar por isso, de repente já o está a usar, colaborando na sua disseminação. Outras vezes é forçado a mudar para ser plenamente entendido. Não vejo nada de mal nesta tendência, que apenas torna mais veloz o processo infinito e constante de metamorfose das línguas. Aliás, língua alguma, salvo aquelas julgadas mortas, escapa a essa dinâmica, por muito que alguns puristas procurem evitá-lo ou disfarçá-lo com normas excessivamente rígidas.

                                    (mais…)
                                      Apontamentos, Devaneios, Ensino, Olhares, Opinião