Quatro tópicos sobre a Festa do Avante!

1. A Festa do Avante!, organizada pelo PCP em setembro de cada ano, nasceu em 1976, já na fase de refluxo do processo revolucionário, como uma forma de agregação da militância comunista e também como espaço de resistência política e cultural à recuperação do capitalismo. Inspirou-se em boa parte na do jornal L’Humanité, criada em 1930, com a qual o partido francês visou objetivos análogos. A do Avante! teve desde o início uma componente lúdica – aquela que ocupou sempre mais tempo do programa e que atraiu pessoas de diferentes quadrantes sociais e políticos – e outra assumidamente política, traduzida em algumas escolhas artísticas, em uma ou outra sessão cultural, nas brochuras e bibelôs dos pavilhões da responsabilidade dos «partidos irmãos» e sobretudo no grande comício final de domingo à tarde.

2. Passou por fases distintas, mas sempre como um espaço de convívio popular e de grande abertura – fui a quatro delas, no início, quando com mais dinheiro disponível para pagar aos artistas o programa musical era quase sempre muito bom, atraindo também muito mais pessoas – e igualmente como lugar onde todos os anos milhares de comunistas, muitos com a entrega de trabalho voluntário generosamente retirado ao seu descanso e às suas férias, vão recarregar as baterias da militância e da convicção rodeados dos seus símbolos e influências. Todavia, a dimensão política é-lhe atribuída mais por esta vivência do que pelo programa, idêntico na forma a muitos outros festivais de verão, embora a sociologia destes seja diversa. A Festa é em larga medida a romaria, o farnel, o convívio, o namoro, a música, as exposições, e só depois outra coisa.

3. A Festa do Avante! tem sido, desde o início, objeto de animosidades várias, seja pelas péssimas ou por compreensíveis razões. As péssimas advêm do anticomunismo primário de setores da direita e da extrema-direita, ou por eles influenciados, a quem uma simples bandeira vermelha ou uma foice e martelo invocam um inimigo a combater, sem atender que as críticas que possam fazer não retiram, em democracia, legitimidade a um partido que, à sua maneira, por ela heroicamente se bateu. As razões compreensíveis, também tristes e escusadas, têm a ver com a forma como, de acordo com a suas fidelidades políticas, o partido acolhe na festa representantes de regimes censórios, repressivos e de partido único, como tem acontecido, de uma forma particularmente questionável pelos da Coreia do Norte, da China ou mesmo de Cuba, entre outros.

4. Este ano a Festa tem a pairar sobre si os fantasmas levantados pela guerra de invasão da Ucrânia pela Rússia. O mote escolhido «Pela Paz! Contra o imperialismo, o fascismo e a guerra!» sublinha a posição oficial do PCP, que contra o imperialismo norte-americano exclui do seu universo de crítica o russo e o chinês, que adere à narrativa de Putin sobre o governo «nazi» de Kiev, que culpabiliza pela situação apenas o chamado Ocidente e que chega ao ponto de considerar a Ucrânia o país agressor. Uma posição muito pouco justa e racional, que não pode ser ignorada. Todavia, nada disto justifica que a sanha anticomunista se vire contra os artistas – bem menos presentes desta vez que o habitual, é verdade – que resolveram participar no evento da Quinta da Atalaia. A sua posição pode ser discutível ou condenável, mas não os torna criminosos de guerra nem lhes retira o direito à escolha. A capa do diário «i» que os representa num banho de sangue é, por isso, uma canalhice própria da nossa pior direita.

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