Nasci menos de um ano após Isabel II ter subido ao trono do Reino Unido. Por isso, para mim, como para uma grande parte dos humanos vivos, a «Rainha de Inglaterra», agora desaparecida, faz parte da mobília cultural do mundo em que vivemos. Mesmo sendo republicano desde que recordo – nas lições da história jamais foram reis, príncipes e duques a entusiasmar-me, preferindo sempre quem se batia pela justiça, pela igualdade, pela beleza ou pelo conhecimento –, e tendo construído ao longo dos anos uma perceção clara do caráter caduco e inútil da realeza britânica, não pude, todavia, ficar imune à figura omnipresente nos jornais e revistas, nos documentários e nos livros de história, até no cinema e na ficção, de Elizabeth Alexandra Mary. Para mais uma mulher bonita e de semblante tranquilo, quase sempre sorridente, que alimentava o imaginário mágico de tanta gente. No meu caso, em particular, o de algumas tias e primas, e do respetivo grupo de amigas, que talvez acompanhassem melhor o que se passava nos salões de Buckingham ou de Balmoral que na casa da vizinha ou mesmo na sua.
Na verdade, o que fui retendo é que, mesmo entre quem para a sua pátria desejava uma República, Isabel II se manteve como figura relativamente consensual e apaziguadora, que jamais tentou ir para além do papel apenas simbólico que as leis do reino, resultantes de séculos de combates coletivos travados pela imposição de formas de representação política do povo, lhe foram impondo. O epíteto «rainha de Inglaterra» passou mesmo, como quase toda a gente se lembrará, a aplicar-se a alguém que, sendo figura pública, quase não passaria de personagem decorativa e inofensiva, apenas garante de uma ordem política essencialmente democrática. À medida que foi envelhecendo, Isabel tornou-se também como uma daquelas parentes que já parecia idosa quando éramos pequenos e a cada Natal lá estava à mesa da consoada. Talvez seja por isto que, para além da tristeza pública que se vê nas ruas do Reino Unido, o diretor do The Guardian, um jornal republicano, chamou os leitores a uns dias de tréguas e respeito, e os irlandeses do Sinn Féin apelaram a que os seus militantes fizessem a mesma coisa.
Fotografia: Tayfun Salci/ZUMA