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O próximo cenário

A decisão do PR no sentido de dissolver a Assembleia da República e convocar eleições não foi a melhor solução. Todavia, foi tomada em termos menos gravosos do que se chegou a supor, dado permitir a aprovação do Orçamento de Estado para 2024 e apontar para uma data eleitoral, 10 de março, suficientemente distante para deixar que o Partido Socialista se recomponha politicamente com nova liderança e uma linha política necessariamente revista. Se o não tivesse feito, deixaria por certo mais satisfeitos os partidos da direita e da extrema-direita que, com o apoio de uma comunicação social maioritariamente sensacionalista e manipuladora, por certo cavalgariam o ruído causado pelo estranho caso que forçou António Costa a pedir a demissão, condicionando desse modo a reflexão serena e a clara enunciação de propostas que as eleições legislativas sempre requerem.

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    António Costa

    Em especial nos tempos mais próximos, discordei de algumas opções políticas e de certas escolhas processuais de António Costa. Penso que essa usura do poder que, em regra, ao fim de um certo tempo vai afastando quem governa de quem é governado, por alguns tomada como inevitável, o foi afetando também. Não esqueço, todavia, o que lhe devo como a pessoa que em primeiro lugar, num gesto de ousadia política, nos libertou do governo de direita Passos-Portas-Troika, e do estado de empobrecimento e de depressão coletiva em que este desgraçado trio tinha mergulhado o país. Perante as circunstâncias – que mais parecem configurar uma espécie ‘sui generis’ de golpe de Estado – compreendo que não tivesse outra solução além daquela que escolheu, mas como não sou ingrato ou esquecido, nesta hora de despedida agradeço-lhe ter-nos devolvido o país. [Originalmente no Facebook]

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      O tal mapa de 1947

      A propósito do mapa da Palestina que anda por aí a ser reproduzido, datado de 1947, um ano antes da fundação do Estado de Israel, destinado a «provar» que não existia ali nenhum território chamado Israel. Desde já, isto não é verdadeiro, pois a designação existe na região há pelo menos três mil e trezentos anos. O primeiro registo histórico do termo Israel surge na Estela de Merneptá, documento epigráfico que celebra as vitórias militares do faraó Merneptá, datado do final do século XIII a.C. Depois, os judeus nunca deixaram de habitar a região, apesar de terem recomeçado a afluir em maior quantidade sensivelmente a partir de 1850, e mais ainda após o Holocausto. Depois ainda, toda aquela região, no mapa genericamente designada Palestina – na origem «terra dos filisteus» -, é uma manta de retalhos cultural, política, linguística e religiosa, combinada com traços comuns a todos os povos, incluindo judeus e palestinianos. Israel é também plural, apesar dos esforços dos conservadores belicistas e da extrema-direita sionista para o impedir. Finalmente, e para não cansar: imediatamente antes da independência de Israel o território, que havia sido controlado durante séculos pelo Império Otomano, era-o pela Grã-Bretanha. Situação colonial que se vivia na data do tal mapa. Quando não sabemos ou não queremos saber, um direito que nos assiste, o melhor é não falarmos à toa.
      [Originalmente no Facebook]

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        Uma situação editorial incompreensível

        Sou dos que se formaram e viveram grande parte da vida na cultura do livro e do papel, sabendo, todavia, que já se torna difícil, quando não impossível, acompanhar o mundo de hoje de uma forma próxima e atualizada se nos cingirmos a ela. Como sei que para a larga maioria das pessoas mais jovens, sobretudo no mundo industrializado, em boa parte ela já foi totalmente substituída. Porém, apesar de ter vindo nos últimos anos a doar boa parte da minha biblioteca física, ainda tenho perto de 12 mil volumes, sendo, ao mesmo tempo, leitor diário de ebooks e textos em pdf.

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          Análises & «Análises»

          Análise, lembra o Priberam, é «um exame minucioso de uma coisa em cada uma das suas partes», podendo ainda incluir «a separação dos princípios componentes de um corpo ou de uma substância» e corresponder a «um exame que se faz de uma produção intelectual». Toda a vida, em que, a par do trabalho mais metódico ligado à atividade profissional, escrevi pequenos textos de circunstância que apenas exprimiam uma leitura simples ou uma opinião – comecei a escrever em jornais em 1970 precisamente com uma pequena rubrica de notas pessoais de um parágrafo chamada «Conta-Gotas» – fui-os vendo rotulados de «análises».

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            «Barbie» em 2023

            O «Síndrome da Barbie» traduz o desejo de ter uma aparência física e um estilo de vida idêntico ao da boneca, lançada em 1959 pela Mattel. Ao longo de sucessivas gerações, tem sido associado a raparigas pré-adolescentes de origem caucasiana, embora possa ser aplicável a diferentes faixas etárias, géneros ou etnias. A síndrome é vista como uma forma de distúrbio dismórfico corporal e tem imposto determinados modos de parecer, estando associada a graves distúrbios alimentares ou a experiências de elaborada cirurgia estética. Juntamente com o seu «par» Ken, tem vindo também, ao longo de décadas, a servir para tornar hegemónica em muitas crianças uma noção de feminilidade ou de masculinidade profundamente formal, estática e contrária aos avanços no campo da igualdade de género e da diversidade no domínio da sexualidade.

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              JMJ: crítica e discriminação

              Uma boa parte da opinião pública portuguesa, seja aquela que tem voz na imprensa e televisão ou a que se exprime principalmente através das redes sociais, tem vindo a fazer críticas à forma como se organizou e está a funcionar a Jornada Mundial da Juventude de 2023. Boa parte delas prende-se com o despesismo excessivo e absurdo, parcialmente levado a cabo com recurso ao erário público de um Estado que se autodefine como laico. Outra parte liga-se ao modo como o evento está a perturbar a vida corrente de uma boa parte de cidadãos que com ele rigorosamente nada têm a ver. Outra ainda, esta de uma natureza mais objetiva, respeita ao empenho da Igreja católica portuguesa no evento por comparação com a sua simultânea recusa em tomar posição sobre graves e provados comportamentos que têm sido imputados a muitos dos seus membros e colaboradores.

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                Formatados (à volta da JMJ2023)

                Esta manhã cruzei-me com milhares de jovens de passagem para a Jornada Mundial da Juventude, organizada em Lisboa, com trajetos regionais, pela Igreja católica. Nada contra a sua forma de manifestar fé ou de se divertirem e conviverem, embora julgue inaceitáveis os gastos com uma exibição de luxo e de suposta grandeza por parte da organização do evento, o que não é culpa deles.

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                  «Antigamente é que era bom»

                  Todos conhecemos a frase-feita que proclama «antigamente é que era bom». Todavia, o conhecimento histórico mostra que o princípio subjacente ao seu repetido uso e ao erro de perspetiva que impõe – perspetivando um passado considerado melhor que o presente – é tão antigo quanto a existência humana. Sabe-se que as grandes caçadas representadas nas pinturas rupestres correspondiam a uma idealização da abundância colocada num passado ao qual se desejaria regressar. A idealização do tempo cíclico, que antes da vitória da ideia de progresso acompanhou a maior parte do trajeto das sociedades humanas, reflete essa perspetiva, sempre ligada a um desejo de regresso ao que se cria outrora magnífico.

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                    O desastre estratégico de Putin

                    Quem observar a realidade mundial pós-invasão putiniana da Ucrânia perceberá que os objetivos do seu mentor – reduzir a área de influência dos EUA e assegurar a continuidade de uma estratégia de expansão e domínio não menos imperialista – perceberá que eles se traduziram num rotundo falhanço. Não só a Europa, apesar das suas diferenças, se aproximou mais política e militarmente, como a NATO viu reforçados o seu poder e a sua retórica de legitimidade.

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                      Sobre a utilidade das vanguardas

                      Vivemos cercados por uma forma conformista de encarar o presente. Segundo ela, as sociedades que não se autodestroem apenas podem ser geridas pelos valores e limites impostos pelo neoliberalismo, apresentado como o mais perfeito e o último dos sistemas que atravessaram a história. Para este, como afirmava Margareth Tatcher e continuam a repetir os defensores do desmantelamento do Estado social, «não há alternativa». Esquece-se a ideia de progresso proposta pelos filósofos iluministas, que orientou os grandes ideais de transformação depois seguidos por mais de duzentos anos. Ao mesmo tempo, fixa-se o futuro num horizonte expectável, de cor cinza, como se a vida das sociedades fosse agora uma eterna repetição, abandonando-se a perspetiva linear do trajeto histórico, potencialmente moderna e libertadora, e retomando-se à tirania da noção circular do tempo, perante a qual nada de substancialmente novo há a esperar. 

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                        O incrível branqueamento de Berlusconi

                        Por incrível que possa parecer, estamos a assistir esta segunda-feira, em alguns órgãos de comunicação social e em recantos das redes sociais, a um branqueamento do trajeto de Silvio Berlusconi que acompanha a notícia da sua morte. É verdade que o empresário arrivista, devasso contumaz e político persistente «marcou Itália nos últimos 40 anos», mas fê-lo apenas porque, pioneiro na Europa da vaga de populismo que emergiu nos anos oitenta do século passado, foi por três vezes primeiro-ministro, marcando ao mesmo tempo o mundo dos negócios e do entertenimento no seu país.

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                          Ler jornais no digital ou em papel

                          Como já aqui escrevi, aprendi a ler, antes ainda da primária, com a ajuda do avô paterno e através dos jornais, sobretudo do Diário de Notícias. Terá sido em 1957, pois no ano seguinte já decifrava a propaganda da campanha de Humberto Delgado. Viciei-me logo em informação e cedo passei a ler sem falha vários títulos diários ou semanários, tendo esse número crescido ao longo do tempo. Só o reduzi quando do governo da troika, pois não conseguia pagar tantos jornais e alguns tornaram-se porta-vozes do governo, deixando de me interessar. Ao mesmo tempo, estreei-me a escrever na imprensa aos 17 e não mais parei, tendo ainda, ao longo da vida, sido amigo de muitos profissionais da informação. Além disso, dei aulas num curso de jornalismo por uma década, tendo sido professor de centenas de profissionais. Isto atestará que não sou contra os jornais ou «contra os jornalistas», como certa vez li aplicado à minha pessoa.

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                            Os Coldplay, o gosto e dois provérbios

                            Ao contrário de muitos provérbios populares que expressam verdades do saber comum, o «gostos não se discutem» não faz grande sentido. Até porque, como já li algures, e tendo a concordar, «a vida é a luta pelo gosto». Refiram-se estes a comida, cores, vestuário e odores, ou a pessoas, atividades, partidos e clubes de futebol, ou ainda a música, livros, filmes, ideologias e religiões. Dada a diversidade de culturas, experiências e do próprio humano, temos o dever de aceitar os gostos dos outros, mas não podemos isentá-los de discussão, ainda que esta jamais chegue a uma conclusão unívoca. De outra forma, tudo teria o mesmo valor e seria, como dizia uma expressão vulgar hoje caída em desuso, «igual ao totobola».

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                              Coimbra e a planificação do caos

                              Viver numa cidade média tem as suas vantagens. Uma delas é quem nela mora demorar pouco tempo a deslocar-se, nada ficando distante, em regra, mais que 15/20 minutos do ponto em que se encontra. Assim acontece também em Coimbra, a cidade onde, retirando alguns intervalos para passear ou aprender, basicamente vivo há 54 anos. É hoje o 16º município do país em volume de população, quase apanhado, aliás, por Vila Franca de Xira, Famalicão, Maia ou a Feira. Na minha escola primária ensinavam-nos que era o terceiro, mas isso era antes, quando a sua universidade era uma das poucas em Portugal, e a elite local e académica ainda acreditava habitar o centro do mundo.

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                                Problemas e desafios da inteligência artificial

                                A inovação tecnológica esteve desde sempre associada a correntes de entusiasmo e adesão, mas também de rejeição e de descrédito. Por isso precisa sempre de persistência e tempo para enfrentar a pressão da desconfiança e, principalmente, do medo. Assim aconteceu em momentos como os da invenção e da difusão da imprensa, do surgimento da fotografia e do cinema, da expansão do telefone, da rádio e da televisão, da massificação dos computadores e da Internet, ou da propagação da leitura digital. Em qualquer deles, a tendência inicial foi para a desconfiança e para o boicote, tomando-se a sua recetividade como algo que os profetas da desgraça, em defesa do «status quo», sempre consideraram mero capricho de quem apenas procura a novidade.

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                                  Os Coldplay na paróquia

                                  Coimbra vai ter a tranquilidade da sua vida habitual profundamente afetada durante quase uma semana. Ruas centrais cortadas, circulação condicionada ao longo de vários dias, hotéis lotados, bairros inteiros com o acesso limitado a moradores, dezenas de milhares de ruidosos forasteiros na cidade. Ao mesmo tempo, em muitas conversas e na imprensa local o momento é tratado como se de algo de extraordinário para a paróquia se tratasse. O motivo é um conjunto de concertos da banda londrina de rock alternativo Coldplay, em 27 anos de vida com apenas dois álbuns de êxito junto da crítica: «Parachutes», de 2000, e «A Rush of Blood to the Head», de 2002, que repetia já a sonoridade do primeiro.

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                                    O 25 de Abril – ontem, hoje e amanhã

                                    A data do 25 de Abril (escrito sempre com maiúscula) transporta consigo uma profunda carga simbólica. Não apenas por evocar o dia fundador da nossa democracia, mas por integrar também uma memória da longa e heróica resistência ao fascismo, da luta pela liberdade de viver e de opinar, do combate pela dignidade dos direito fundamentais e da esperança num país mais solidário e mais desenvolvido. A um ano de cumprir os seu quinquagésimo aniversário, permanece sem dúvida, para a maioria dos portugueses e das portuguesas, um momento fundamental de celebração e de identidade democrática.

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