A sondagem que acaba de ser divulgada esta sexta-feira, realizada pelo ISCRE/ICS para a SIC e para o Expresso, oferece números bastante impressionantes, quer sobre a previsível subida da extrema-direita do Chega, que atinge já os 21% das intenções de voto, contra 29% do PS e 27% da coligação PSD-CDS, quer sobre a possível descida global da esquerda à esquerda dos socialistas, que junta apenas 9% (com 5% do BE, 3% do PCP e 1% do Livre). À parte, a Iniciativa liberal, assumidamente de direita, reúne 5%, enquanto o PAN, que não se percebe bem se é carne ou peixe, mantém-se em 1%. São apenas indicadores, naturalmente, e há uma campanha pela frente, mas exprimem uma tendência muito preocupante, traduzida numa alteração visível de boa parte do mapa político que tem acompanhado a nossa democracia.
O fator mais evidente e inquietante relaciona-se com a ascensão do Chega, que já se aproxima muito do PSD, não sendo de excluir a possibilidade de o ultrapassar, ou mesmo, se a abstenção for elevada, de ser o partido mais votado. Acompanha, aliás, a tendência global, visível na generalidade dos países europeus, para a ascensão fulgurante de uma extrema-direita fundada em valores de natureza racista e xenófoba, além de ultraliberal em termos económicos, nesta medida apostando na destruição do Estado Social. É ainda antidemocrática, pois assenta a sua propaganda numa retórica populista «antipolíticos» – daí, aliás, a designação do partido português – e também demagógica, pois não apresenta propostas que os eleitores possam avaliar, apenas afirmações de ódio que quer referendar.
Supondo os números apresentados como não muito distantes da realidade sociológica, quererá isto dizer que um em cada cinco portugueses são de extrema-direita? É óbvio que não, correspondendo esse setor, basta olhar para a realidade social, a uma percentagem reduzida dessas pessoas. O que está a acontecer – cá dentro, como lá fora – é que um núcleo extremista, usando a mentira sistemática e estratégias de manipulação da opinião, recorrendo sem moderação à torrente das redes sociais, e tendo ainda forte eco numa comunicação social valorizadora do espetáculo, tem reunido um amplo grupo de seguidores. Gente sem conhecimento da história, sem capacidade crítica, descontente com vidas sem horizontes, invejando e odiando quem não reconheça como sua igual.
É muito triste reconhecer que ela existe com esta expressão neste país renascido em esperança no 25 de Abril, mas boa parte desta realidade advém de muitos de nós termos acreditado, ao longo destes últimos cinquenta anos, que ela desapareceria de uma forma natural, com a simples passagem do tempo e das gerações. Pelo contrário, tanto quanto os últimos inquéritos revelam, a maioria dela é composta por pessoas jovens, boa parte das quais vai agora votar pela primeira vez. Junto dela será imprescindível, muito para além do voto a 10 de março – e de uma campanha eleitoral criteriosa, que aponte acima de tudo para a salvação da democracia – um trabalho de reconquista para a vida democrática e para valores tão elementares, que suporíamos genuinamente humanos, como o da solidariedade e da aceitação da diferença. Valores sobre os quais, entre palmas e risadas, o Chega atira lama todos os dias.
Rui Bebiano