Quando deixámos de nos tocar?

Há algumas décadas ainda era natural, aqui em Portugal, ver pessoas que davam grandes abraços na rua quando se encontravam, amigas que passeavam de mão dada, homens que caminhavam de braço dado enquanto conversavam. Para além do hábito, hoje quase raro, de ver namorados de mão na mão à mesa do café ou nos bancos de praças e jardins. Nas fotografias de grupo, em jantares e encontros, os dedos por cima do ombro ou a apertar a cintura do amigo ou da amiga, eram igualmente comuns. Juntando-lhes o costume do beijo fraterno entre homens e mulheres, entre mulheres e mulheres ou, embora menos frequente, entre homens. É difícil precisar em que momento este hábito começou a recuar e estas formas de aproximação passaram a ser, como agora acontece, excecionais.

Terá sido um processo gradual, embora visto em retrospetiva por quem ainda viveu esse tempo ele possa agora parecer brusco. Já as razões para que isto tenha acontecido serão diversas. Boa parte terá a ver com o avanço, sobretudo a partir dos anos oitenta, da cultura do individualismo, substituindo a anterior valorização da comunidade. Depois, a afirmação de atividades e profissões onde se avança de uma forma cada vez mais competitiva, convertendo colegas em rivais. Também contará o rápido crescimento das cidades, onde nesse processo o grau de proximidade tende a diminuir. Pesará ainda o crescimento de um certo grau de moralismo, que tende – ainda que por vezes surgido para afastar abusos – a penalizar os usos do corpo, excluindo a dimensão da inocência e fraternidade do toque.

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