Arquivo de Categorias: Olhares

Formatados (à volta da JMJ2023)

Esta manhã cruzei-me com milhares de jovens de passagem para a Jornada Mundial da Juventude, organizada em Lisboa, com trajetos regionais, pela Igreja católica. Nada contra a sua forma de manifestar fé ou de se divertirem e conviverem, embora julgue inaceitáveis os gastos com uma exibição de luxo e de suposta grandeza por parte da organização do evento, o que não é culpa deles.

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    «Antigamente é que era bom»

    Todos conhecemos a frase-feita que proclama «antigamente é que era bom». Todavia, o conhecimento histórico mostra que o princípio subjacente ao seu repetido uso e ao erro de perspetiva que impõe – perspetivando um passado considerado melhor que o presente – é tão antigo quanto a existência humana. Sabe-se que as grandes caçadas representadas nas pinturas rupestres correspondiam a uma idealização da abundância colocada num passado ao qual se desejaria regressar. A idealização do tempo cíclico, que antes da vitória da ideia de progresso acompanhou a maior parte do trajeto das sociedades humanas, reflete essa perspetiva, sempre ligada a um desejo de regresso ao que se cria outrora magnífico.

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      O desastre estratégico de Putin

      Quem observar a realidade mundial pós-invasão putiniana da Ucrânia perceberá que os objetivos do seu mentor – reduzir a área de influência dos EUA e assegurar a continuidade de uma estratégia de expansão e domínio não menos imperialista – perceberá que eles se traduziram num rotundo falhanço. Não só a Europa, apesar das suas diferenças, se aproximou mais política e militarmente, como a NATO viu reforçados o seu poder e a sua retórica de legitimidade.

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        Sobre a utilidade das vanguardas

        Vivemos cercados por uma forma conformista de encarar o presente. Segundo ela, as sociedades que não se autodestroem apenas podem ser geridas pelos valores e limites impostos pelo neoliberalismo, apresentado como o mais perfeito e o último dos sistemas que atravessaram a história. Para este, como afirmava Margareth Tatcher e continuam a repetir os defensores do desmantelamento do Estado social, «não há alternativa». Esquece-se a ideia de progresso proposta pelos filósofos iluministas, que orientou os grandes ideais de transformação depois seguidos por mais de duzentos anos. Ao mesmo tempo, fixa-se o futuro num horizonte expectável, de cor cinza, como se a vida das sociedades fosse agora uma eterna repetição, abandonando-se a perspetiva linear do trajeto histórico, potencialmente moderna e libertadora, e retomando-se à tirania da noção circular do tempo, perante a qual nada de substancialmente novo há a esperar. 

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          O incrível branqueamento de Berlusconi

          Por incrível que possa parecer, estamos a assistir esta segunda-feira, em alguns órgãos de comunicação social e em recantos das redes sociais, a um branqueamento do trajeto de Silvio Berlusconi que acompanha a notícia da sua morte. É verdade que o empresário arrivista, devasso contumaz e político persistente «marcou Itália nos últimos 40 anos», mas fê-lo apenas porque, pioneiro na Europa da vaga de populismo que emergiu nos anos oitenta do século passado, foi por três vezes primeiro-ministro, marcando ao mesmo tempo o mundo dos negócios e do entertenimento no seu país.

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            Ler jornais no digital ou em papel

            Como já aqui escrevi, aprendi a ler, antes ainda da primária, com a ajuda do avô paterno e através dos jornais, sobretudo do Diário de Notícias. Terá sido em 1957, pois no ano seguinte já decifrava a propaganda da campanha de Humberto Delgado. Viciei-me logo em informação e cedo passei a ler sem falha vários títulos diários ou semanários, tendo esse número crescido ao longo do tempo. Só o reduzi quando do governo da troika, pois não conseguia pagar tantos jornais e alguns tornaram-se porta-vozes do governo, deixando de me interessar. Ao mesmo tempo, estreei-me a escrever na imprensa aos 17 e não mais parei, tendo ainda, ao longo da vida, sido amigo de muitos profissionais da informação. Além disso, dei aulas num curso de jornalismo por uma década, tendo sido professor de centenas de profissionais. Isto atestará que não sou contra os jornais ou «contra os jornalistas», como certa vez li aplicado à minha pessoa.

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              Os Coldplay, o gosto e dois provérbios

              Ao contrário de muitos provérbios populares que expressam verdades do saber comum, o «gostos não se discutem» não faz grande sentido. Até porque, como já li algures, e tendo a concordar, «a vida é a luta pelo gosto». Refiram-se estes a comida, cores, vestuário e odores, ou a pessoas, atividades, partidos e clubes de futebol, ou ainda a música, livros, filmes, ideologias e religiões. Dada a diversidade de culturas, experiências e do próprio humano, temos o dever de aceitar os gostos dos outros, mas não podemos isentá-los de discussão, ainda que esta jamais chegue a uma conclusão unívoca. De outra forma, tudo teria o mesmo valor e seria, como dizia uma expressão vulgar hoje caída em desuso, «igual ao totobola».

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                Coimbra e a planificação do caos

                Viver numa cidade média tem as suas vantagens. Uma delas é quem nela mora demorar pouco tempo a deslocar-se, nada ficando distante, em regra, mais que 15/20 minutos do ponto em que se encontra. Assim acontece também em Coimbra, a cidade onde, retirando alguns intervalos para passear ou aprender, basicamente vivo há 54 anos. É hoje o 16º município do país em volume de população, quase apanhado, aliás, por Vila Franca de Xira, Famalicão, Maia ou a Feira. Na minha escola primária ensinavam-nos que era o terceiro, mas isso era antes, quando a sua universidade era uma das poucas em Portugal, e a elite local e académica ainda acreditava habitar o centro do mundo.

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                  Problemas e desafios da inteligência artificial

                  A inovação tecnológica esteve desde sempre associada a correntes de entusiasmo e adesão, mas também de rejeição e de descrédito. Por isso precisa sempre de persistência e tempo para enfrentar a pressão da desconfiança e, principalmente, do medo. Assim aconteceu em momentos como os da invenção e da difusão da imprensa, do surgimento da fotografia e do cinema, da expansão do telefone, da rádio e da televisão, da massificação dos computadores e da Internet, ou da propagação da leitura digital. Em qualquer deles, a tendência inicial foi para a desconfiança e para o boicote, tomando-se a sua recetividade como algo que os profetas da desgraça, em defesa do «status quo», sempre consideraram mero capricho de quem apenas procura a novidade.

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                    Os Coldplay na paróquia

                    Coimbra vai ter a tranquilidade da sua vida habitual profundamente afetada durante quase uma semana. Ruas centrais cortadas, circulação condicionada ao longo de vários dias, hotéis lotados, bairros inteiros com o acesso limitado a moradores, dezenas de milhares de ruidosos forasteiros na cidade. Ao mesmo tempo, em muitas conversas e na imprensa local o momento é tratado como se de algo de extraordinário para a paróquia se tratasse. O motivo é um conjunto de concertos da banda londrina de rock alternativo Coldplay, em 27 anos de vida com apenas dois álbuns de êxito junto da crítica: «Parachutes», de 2000, e «A Rush of Blood to the Head», de 2002, que repetia já a sonoridade do primeiro.

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                      O 25 de Abril – ontem, hoje e amanhã

                      A data do 25 de Abril (escrito sempre com maiúscula) transporta consigo uma profunda carga simbólica. Não apenas por evocar o dia fundador da nossa democracia, mas por integrar também uma memória da longa e heróica resistência ao fascismo, da luta pela liberdade de viver e de opinar, do combate pela dignidade dos direito fundamentais e da esperança num país mais solidário e mais desenvolvido. A um ano de cumprir os seu quinquagésimo aniversário, permanece sem dúvida, para a maioria dos portugueses e das portuguesas, um momento fundamental de celebração e de identidade democrática.

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                        Entre o «tu» e o «você»

                        As formas de tratamento, como todos os processos usados para verbalizar a interação humana, mudam de acordo com o tempo e os lugares. Em Portugal sempre foram complexas, e nos Estados de língua oficial portuguesa, por vezes consoante as regiões como acontece no Brasil, essa complexidade é replicada. Em Formas de Tratamento na Língua Portuguesa, livro de Lindley Cintra publicado em 1972, descreve-se particularmente a formação, em boa parte por decreto régio da primeira metade do século XVIII destinado a realçar as hierarquias, das fórmulas mais cerimoniosas. Como aquele intimidatório «Vossa Excelência» que alguns ainda utilizam. No geral e em todas as línguas, essas fórmulas tendem sempre a transformar-se, acompanhando a natural evolução vocabular e o contexto cultural e social em que esta sempre ocorre.

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                          Os dois lados da luta pela habitação

                          O movimento pelo direito à habitação tem do seu lado uma das preocupações que mais aflige a maioria dos cidadãos e das famílias. Ela é transversal à história portuguesa recente e cinquenta anos de democracia não chegaram para a solucionar. Para quem não possui casa própria, ou tem e está a pagá-la ao longo da vida, ou precisa recorrer ao arrendamento, a situação permanece dramática, levando a que muitos não tenham casa condigna, ou a que os seus custos determinem uma vida de baixa qualidade e enormes sacrifícios. Além disso, é um facto que a generalidade dos governos pós-Abril jamais se esforçou a sério para solucionar o problema, combinando os interesses em jogo e apoiando quem mais precisa.

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                            Enid Blyton e os criadores de imbecis

                            Creio que os primeiros livros com mais de cem páginas e exclusivamente de texto que li me foram oferecidos entre os oito e os dez anos, em pequenos embrulhos com três ou quatro volumes de cada vez, na qualidade de prendas de aniversário e de Natal. Como para muitos rapazes e raparigas mais ou menos da minha geração, as histórias d’Os Cinco (Famous Five), de Enid Blyton, no caso em versão traduzida, foram uma introdução ao maravilhoso da aventura e do mistério, à construção de uma distinção entre o bem e o mal, e ainda à saborosa arte de bem merendar. A série de 21 volumes foi escrita entre 1942 e 1963, trazendo consigo o mundo benévolo e inquietante do Júlio, um jovem de bom-senso, da Ana, moça desembaraçada, do brincalhão David, da Zé, a «maria-rapaz», como se usava dizer, e do imprescindível cão Tim. Sem dúvida o meu primeiro bando de heróis.

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                              «Relógios de repetição»

                              Os «relógios de repetição» para uso doméstico ou no pulso surgiram por volta de 1890, possuindo a característica inteiramente inovadora de anunciarem com clareza, de forma acústica, uma hora pré-programada, ou tocarem um alarme por duas ou mais vezes sucessivas. Por analogia, passaram a ser pejorativamente apelidadas de «relógios de repetição» aquelas pessoas com tendência para falarem sempre do mesmo assunto, ou pronunciarem constantemente, como num eco, frases produzidas por outrem. 

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                                O Iraque 20 anos depois – uma autocrítica crítica

                                Em 20 de março de 2003, há precisamente vinte anos, começou a invasão militar do Iraque, terminada no 1 de maio seguinte. A operação «Liberdade do Iraque», destinada a completar a inacabada «Tempestade do Deserto», de 1990-1991, foi levada a cabo pelos Estados Unidos com o apoio militar do Reino Unido, da Austrália e da Polónia. O objetivo principal de desarmar e de derrubar o regime de Saddam Hussein foi alcançado, seguindo-se um longo período de instabilidade local e regional que causou grande número de vítimas e um empobrecimento generalizado do país invadido, apenas não extensível a setores que de alguma forma colaboraram com o novo ocupante ou com o governo por este imposto. Este foi defendido pelos norte-americanos até à sua saída em dezembro de 2011, após oito anos de destruidora guerra civil.

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                                  Ao ver na AppleTV uma excelente série que percorre oitenta anos da história da Coreia, e ao procurar aferir da veracidade das inúmeras referências históricas, dou de caras com um facto poderoso que ignorava e com uma mentira que tomava por verdade, ainda que manchada por algum exagero do qual já suspeitava. Em Pachinko, de Soo Hugh, estreada em 2022 e falada em coreano, japonês e inglês, uma saga familiar baseada no romance homónimo da escritora coreana-americana Min Jin Lee, encontra-se um cenário que reporta a relação complexa e traumática da Coreia com o Japão ao longo do século XX. O facto que ignorava tem a ver com a dimensão do domínio japonês sobre a península, exercido entre 1910 e 1945, ter sido traduzida na redução à escravatura, ou pelo menos à servidão, da quase totalidade da população local, com, níveis de repressão e de crueldade sem comparação à escala europeia.

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                                    A última coluna de opinião de António Guerreiro é sobre o fenómeno woke. Como sei que muitas pessoas cultas e informadas não sabem do que se trata – nem toda a gente pode estar permanentemente atenta à infinita e cada vez mais rápida renovação dos léxicos – faço copy-paste do primeiro parágrafo do artigo da versão portuguesa da Wikipédia, inevitavelmente sintético e limitado

                                    «Woke, como um termo político de origem afro-americana, refere-se a uma perceção e a uma consciência das questões relativas à justiça social e racial. O termo deriva da expressão do inglês vernáculo afro-americano “stay woke” (em português: continua acordado ou desperto), cujo aspeto gramatical se refere a uma consciência contínua dessas questões. No final da década de 2010, woke foi adotado como uma gíria mais genérica, amplamente associada a políticas identitárias, causas socialmente liberais, feminismo, ativismo LGBT e questões culturais (…). O seu uso generalizado desde 2014 é resultado do movimento Black Lives Matter.»

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