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«Em tempo de guerra todo o buraco é trincheira». 

Como sabe quem a viveu ou tem algum conhecimento da história, ou pelo menos vê filmes e séries, a guerra aberta impõe situações de exceção que em tempo de paz seriam intoleráveis. É sempre uma suspensão da normalidade, quando a linha entre a vida e a morte estreita ao máximo e não deixa grande lugar para posições de desinteresse ou contemporização. Como afirma um antigo provérbio, «em tempo de guerra todo o buraco é trincheira».

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    Imigrantes e refugiados

    Em menos de quatro semanas o número de imigrantes ucranianos/as em Portugal passou de cerca de 27.000 para mais de 45.000, continuando a crescer devido à chegada de refugiados da guerra de invasão do seu país perpetrada pela Rússia. Tornaram-se assim a segunda comunidade estrangeira mais numerosa, a seguir à de brasileiros, bastante maior, e superando a de ingleses e de cabo-verdianos. São pessoas vulneráveis e em larga medida qualificadas, preenchendo ao mesmo tempo um imperativo de solidariedade e um enriquecimento da nossa sociedade, onde em muitas áreas de atividade, devido ao crescimento demográfico negativo, existe já um défice de pessoas. É claro que isto não acontece sem se notar a animosidade do costume, para já apenas murmurada, mas que irá tornar-se audível. A da extrema-direita, para quem a palavra «refugiado» significa inimigo, e a dos setores para os quais existem sempre refugiados prioritários e estes não serão de origem europeia. Com motivações diferentes, ou mesmo opostas, ambos os extremos coincidem no grau de desumanidade. [Atualizado em 23/3/2022]

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      Refugiados e humanitarismo conceptual

      A perder de vez a dose de paciência que ainda me restava com aquela espécie de gente que, de tanto amor conceptual por uma humanidade distante, não perde a oportunidade para apoiada em explicações ou em fantasias fabricadas à medida, mostrar menosprezo pelo sofrimento mais próximo. Aquele manifestado na primeira pessoa e gravado no corpo, por gente de carne e osso que nos surge ao virar da esquina ou à distância de apenas umas horas de viagem. 

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        Ter olhos e não querer ver

        Como aconteceu num ou noutro momento mais intensamente crítico da história da humanidade que me tem cabido presenciar e partilhar ao longo da vida – tomando posições e fazendo escolhas difíceis, que me consiga lembrar, pelo menos desde que tenho a chave de casa -, também esta guerra, agora travada no coração da Europa e a uma escala global, tem servido para aferir da fibra moral e da coragem, ou da ausência de princípios e da subtil cobardia, de quem nela assume escolhas ou, ao invés, tudo faz para evitar fazê-lo. Alinhando então na escolha mais fácil, que é a da sua manada, ou então empurrando a realidade com a barriga.

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          Lavar as mãos como Pilatos

          Desde o início do terrível conflito determinado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, a posição do PCP tem sido coerente com aquela que tem mantido noutras ocasiões igualmente dramáticas e de idêntico sentido. Pela maior proximidade temporal e pelo idêntico e brutal estilo de intervenção, relembro o que aconteceu na Síria, onde, usando como desculpa a presença no terreno do Daesh, ali de facto minoritário, apoiou a intervenção russa de suporte bélico ao ditador Assad, sobre a qual chegou a organizar sessões «de esclarecimento» pelo país, que levou à total destruição de cidades inteiras – Alepo, a maior do país, foi arrasada –, à morte de centenas de milhares de pessoas e à fuga e exílio de milhões.

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            Um pouco de racionalidade, outro tanto de história

            1. Como qualquer pessoa razoavelmente atenta e avisada previa com bastante segurança, a guerra, sob a forma de invasão, prevista por uas quantas almas para começar esta semana entre a Rússia e a Ucrânia, de facto não teve lugar. E, mesmo considerando, para quem tenha fé, que o futuro só a Deus pertence, muito dificilmente ocorrerá nos tempos mais próximos. Tratou-se de um jogo de pressões e chantagens que, obviamente continuará, na qual cada uma das partes procura assegurar posições num processo de equilíbrio instável. Pelo menos enquanto prosseguirem as disputas territoriais e os conflitos de influência entre Moscovo e Washington, com a União Europeia de permeio. Misturar o desejo de alimentar o sensacionalismo com o visionamento dos filmes de ação não é grande munição para produzir análises criteriosas de política internacional.

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              «Coimbrinhas», de novo

              A característica marcante do que na cidade onde vivo desde 1969 se chamam os «coimbrinhas» – termo pejorativo quase caído em desuso, de que só os últimos «coimbrinhas» se servem para referirem uma entidade abstrata da qual sem o conseguirem se procuram excluir -, consistia em ver o mundo reduzido à escala dos estreitos horizontes da cidade pequena e provinciana que ia do Choupal à Figueira da Foz (apesar da universidade, para alguns críticos por causa dela, ou de parte dela).

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                A outra direita e a responsabilidade da esquerda

                Não é preciso ser-se adivinho para antever o que aí vem. O brusco e acentuado crescimento em Portugal da direita radical dos partidos neofascista (Chega) e ultraliberal (Iniciativa Liberal), promovido pelo destaque politico conferido pela sua presença no parlamento, pelas subvenções do Estado a que têm direito, pelo vínculo que mantêm com os códigos do nacional-populismo e pela projeção que lhes vai ser dada – já está a ser dada – pela comunicação social de maior impacto, vai tornar esse setor político, muito provavelmente, a direita com a qual a esquerda terá verdadeiramente de confrontar-se nos próximos anos. As indecisões e a relativa moderação do PSD e o estilhaçamento do CDS farão em breve com que – como aconteceu, por exemplo, na França ou na Itália – a direita «civilizada» veja muito reduzida a sua influência em favor de quem prega ideias tão perigosas quanto simples e primitivas. Contra este setor, o enfraquecimento dos partidos da esquerda e das pontes que entre si possam manter representará sempre uma calamidade.

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                  A síndrome da avestruz

                  As avestruzes a enfiarem a cabeça num buraco cavado na areia quando se sentem ameaçadas não passa de uma lenda. Na realidade, isso jamais acontece. Mas como metáfora a lenda tem feito o seu caminho, aplicando-se às pessoas que, confrontadas com uma situação incómoda ou inesperada, para a qual não encontram resposta que as deixe satisfeitas, ou que outros associam a uma solução contrária às suas certezas, contornam o tema e evitam falar dele, agindo, num processo de negação, como se não tivesse ocorrido. Ou então como se não tivesse a importância e o sentido que outros, que nem aceitam ouvir, lhe atribuem, embora possam, em alguns momentos, reconhecer que talvez eles tenham uma pontinha de razão.

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                    Vamos lá e depois conversamos

                    «Pois é» – como diz a irritante bengala da fala usada a torto e a direito por um meu conhecido – cá estamos de novo, neste sábado, em mais uma «pausa para reflexão» a anteceder um importante momento eleitoral. É sempre um dia algo perdido, desnecessário, para mais com a longa e profunda reflexão que, seja qual for o resultado, vamos ter de fazer a partir da noite deste domingo. Da minha parte, julgo que nunca «refleti» tanto em situação pré-eleitoral como o tenho feito nestes três meses. Até porque, pela primeira vez, irei votar, por exclusão de partes e um sentido de utilidade, num partido no qual não confio inteiramente. Mas, como diz aquele conhecido ditado, «em tempo de guerra não se limpam armas». Ou como lembra aqueloutro: «não há atalho, sem trabalho». Vamos lá votar à esquerda e depois conversamos.

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                      Votar (a escolha de domingo)

                      A larguíssima maioria das pessoas que aqui me seguem e lêem é composta por homens e mulheres, situados dentro da grande e plural área da esquerda, com quem tenho pelo menos algumas afinidades de natureza ética, estética, cultural ou política. É para elas este post, destinado a lembrá-las que, se ainda o não fizeram por antecipação, no próximo domingo, dia 30, não podem deixar de votar nas eleições legislativas.

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                        Neste país de fadistas

                        Fado, como se sabe, é o destino que «marca a hora», a sorte, a fortuna, encarados como inevitáveis. Daí o tom plangente do género musical homónimo. No tempo da outra senhora, era associado pelo próprio regime a uma dinâmica fatalista – relevem o oximoro – que procurava mostrar como inevitável a via da desgraça e da pobreza. Pois é esta que parece de regresso quando vejo as previsões fatalistas de muitos amigos e muitas amigas a propósito de uma hipotética vitória da direita nas eleições do próximo dia 30. Todavia, todas as sondagens – que eu saiba, exceto uma – atribuem uma vitória clara à esquerda no seu conjunto, desta expectativa apenas destoando os comentadores televisivos, alguns diretores de jornais e, claro, a própria direita em campanha frenética. É nestas pessoas que se fundam esses amigos e essas amigas para preverem tal cenário? Será imposição do genoma? Andam a ver demasiada televisão? Ora «vamo’láver»: vão é votar no sítio certo e convençam outros tantos a não deixarem de o fazer.

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                          Ler de lápis na mão

                          Não recordo o momento preciso em que deixei de ler só banda desenhada ou os livrinhos da coleção «Seis Balas», e passei a ocupar-me com volumes inteiros de centenas de páginas. Talvez por volta dos dez, quando atravessei a fase Enid Blyton, logo seguida da Emilio Salgari e da Júlio Verne. Mas desde essa época mantenho um hábito inalterado: jamais ler um livro sem ter à mão um lápis, para o sublinhar e anotar nas próprias páginas, ou então, se o não puder fazer, numa folha A4, dobrada em quatro, que serve também de marcador. Agora, quando sobretudo no campo da teoria leio mais em formato digital, faço a mesmíssima coisa, uma vez que os programas de leitura eletrónica já permitem o expediente.

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                            «Vanguardas» na retaguarda

                            No campo da criação artística e literária, ou no das ideias políticas e filosóficas, a intervenção das vanguardas é fundamental para a afirmação do novo que sempre acompanha a abertura de caminhos em direções não experimentadas e fecundas. A palavra vanguarda vem, aliás, da antiga literatura militar, servindo noutros séculos para identificar o pequeno e móvel corpo de batedores que se movia muito à frente dos exércitos, reconhecendo os terrenos por onde seguiria depois o grosso das tropas ou onde se travaria a batalha, e identificando o tamanho, a capacidade e a disposição do inimigo.

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                              A barragem da banha-de-cobra

                              Lembrar-se-ão alguns dos velhos vendedores da banha-de-cobra, ou de cobertores e de atoalhados, hoje já raros por cá, cuja principal técnica publicitária consistia, depois de equilibrados em cima de uma cadeira que traziam na carrinha, e com ou sem o auxílio de um altifalante, em bombardear as pessoas que circulavam por feiras e mercados com uma barragem de palavras projetadas a mil à hora. Alguns cidadãos deixavam-se seduzir por tanto palavreado, e lá compravam um frasco, um boião ou um conjunto de peças. Um amigo aqui do Facebook – que me desculpe não o identificar, mas já não me consigo recordar de quem foi – divulgou hoje um exercício interessante feito a partir do debate que opôs André Ventura a Rui Tavares.

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                                Uma leitura simplista

                                Como muitas pessoas que conheço, também «pus a rodar» na Netflix o filme Não Olhem para Cima (Don’t Look Up), de Adam McKay. Confesso que dos 145 minutos que dura, terei visto pouco mais de 30, e por este motivo – sem ser como aqueles críticos que de um livro que avaliam apenas leram o primeiro capítulo e a contracapa – não irei fazer aqui qualquer comentário. Tendo encontrado alguma originalidade no argumento não vi mais apenas porque ela não foi suficiente para conter o aborrecimento que fui sentindo. E eu jamais leio um livro, oiço um disco ou vejo um filme apenas por sacrifício. Pode ser que a minha perspetiva tenha resultado de um estado de espírito circunstancial, pelo que conto dar ainda uma nova oportunidade ao filme.

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                                  Apontamentos, Cinema, Democracia, Olhares

                                  Blá-blá-blá, «na minha opinião»

                                  Palavras e frases entram e desaparecem, como bordões da fala, de acordo com diferentes tendências ou modismos. Ao facultar exemplos, a comunicação social, em especial a televisão, tornou este processo, mais constante e célere do que ocorria em passados mais distantes. Entretanto, quem tem a profissão de professor tem a sorte (algumas vezes, também o azar) de perceber melhor esta transformação, pois os seus alunos são um bom indicador das palavras ou das frases que estão em voga, bem como daquelas que estão a desaparecer ou de todo eles já não usam. Por vezes, isto já me aconteceu em alguns momentos, o próprio professor adquire aquele tique e, sem dar por isso, de repente já o está a usar, colaborando na sua disseminação. Outras vezes é forçado a mudar para ser plenamente entendido. Não vejo nada de mal nesta tendência, que apenas torna mais veloz o processo infinito e constante de metamorfose das línguas. Aliás, língua alguma, salvo aquelas julgadas mortas, escapa a essa dinâmica, por muito que alguns puristas procurem evitá-lo ou disfarçá-lo com normas excessivamente rígidas.

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                                    30 anos (29 para mim) de Internet

                                    O Público lembra hoje um importante ponto de viragem: «Portugal passou a estar plenamente integrado na Internet há precisamente 30 anos. Foi em Dezembro de 1991, graças a uma ligação entre Lisboa e Amesterdão, e à delegação e controlo do domínio .PT em entidades portuguesas. E foi fruto da persistência de cientistas portugueses que acreditavam que a solução ideal para uma futura rede mundial de computadores passava pela tecnologia IP (Internet Protocol), que nascera nos EUA. Desde então, muita coisa mudou – tanto no país como também na rede.»

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