Passadas quatro semanas do início da invasão da Ucrânia, já chegaram a Portugal mais de 21.000 pessoas, a larga maioria composta por mulheres e crianças que aqui procuram refúgio, e com ele, em muitos casos, a possibilidade de escapar à morte e à destruição do seu país, podendo começar a refazer as suas vidas. Para trás ficaram muitos homens, e também algumas mulheres, que integram agora a corajosa, e, pelo que se pode ver, eficaz resistência armada ao invasor. Ficou também a vida toda: as suas casas, os seus bens, os amigos e familiares, o emprego, a escola, os projetos, as memórias.
Todavia, as imagens e as notícias que me chegam destes refugiados, nem sempre são as que merecem e poderíamos oferecer. A maioria precisa de descanso, conforto, alguma tranquilidade, de ocupação ou emprego, as crianças de uma vida tão normal quanto possível, e isto está a ser oferecido. Em muitos casos de modo eficaz e de forma generosa. Mas observo também situações onde a lógica da receção é a da caridade, onde a solidariedade é trocada pela pena e pela doação. Vejo numa imagem um grupo de refugiados a ser obscenamente exibido e alimentado a sumo gaseificado e pão de ló, e dói-me como uma bofetada. Será exceção? Quero acreditar que sim, mas jamais deveria acontecer.
É claro, importa acrescentar, que bem piores condições ainda, para além de menor atenção e recetividade pública, têm sido oferecidas a refugiados que chegam de outras paragens, particularmente os que entram oriundos de África e do Médio Oriente. Embora isto seja profundamente errado e inaceitável, percebe-se que, por formação cultural, a maioria das pessoas mais facilmente sinta empatia por quem está mais próximo da sua cultura. Todavia, as autoridades públicas devem pensar e agir acima desse senso comum, providenciando condições análogas para todos os que, com as vidas destroçadas, nos procuram como lugar de refúgio e recomeço.
Post-scriptum – Gente desonesta e manipuladora que por aí, de forma leviana, falsifica ou deturpa posts de outrem, tem aqui mais uma oportunidade de, corta aqui/cola acolá, «mostrar» que o autor destas linhas – combatente anticolonialista de longa data, como pode comprovar, e que chegou a ser preso e severamente punido por sê-lo – é um miserável «racista». Pois que lhe faça bom proveito, lá nos lugares onde instalou a sua Sierra Maestra virtual para brincar às revoluções.