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Anonimato e cobardia

Até a situação se encontrar esclarecida, não comentarei publicamente em detalhe o caso relacionado com o CES, do qual sou investigador sénior desde janeiro de 2002. Tenho uma posição sobre ele e sobre pessoas envolvidas, mas não me parece que neste momento a minha perspetiva acrescente algo de positivo a um processo entretanto objeto de inquérito. Não posso, porém, deixar de manifestar repulsa pela forma como várias pessoas que se afirmam investigadores/as do mesmo Centro – umas sê-lo-ão, outras são ou foram apenas colaboradores/as ocasionais – estão a recorrer sistematicamente ao anonimato, do qual alguma comunicação social se está a servir profusamente para revelar isto ou aquilo, ou para acrescentar invenções e suposições, numa exibição de péssimo jornalismo sempre no sentido de agravar o alvoroço público diante de um caso sério e que merece todo o cuidado. Em democracia, onde quem possui as suas razões tem todo o direito de as exprimir e de as defender, o anonimato chama-se cobardia e deve ser alvo de desprezo. E quem dele se sirva como arma de arremesso ou para obter público também.

Adenda (escrita cerca de 48 horas depois) – A minha referência ao anonimato não se reporta, quero deixar isto bem claro, às eventuais vítimas de assédio. Em alguns casos ele é compreensível. Refere-se, sim, às pessoas, homens e mulheres, que aproveitam a situação para, sem darem a cara e se responsabilizarem pelo que afirmam, tentarem resolver ou agravar conflitos pessoais, inimizades ou ressabiamentos.

[originalmente no Facebook]

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    É preciso enfrentar os moinhos do ódio

    A conhecida expressão «lutar contra moinhos de vento» é de há muito utilizada como metáfora da intrepidez destinada à derrota e da loucura nascida da fantasia. Alude a um dos mais conhecidos momentos do Dom Quixote de La Mancha, o romance publicado em 1605 por Miguel de Cervantes: aquele em que o sonhador «cavaleiro da triste figura» investe contra as pás dos moinhos de vento, que imaginava medonhos gigantes a vencer, tendo do ato resultado ver-se por terra com lança e armadura despedaçadas. Todavia, logo se recompôs, seguindo o seu destino, sobre o dorso de Rocinante e na companhia do escudeiro Sancho, para continuar a bater-se contra os males do mundo. Desta forma confirmando a grandeza essencial do gesto hoje designado «quixotesco».

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      A Coreia do Norte e a falsificação da História

      Ao ver na AppleTV uma excelente série que percorre oitenta anos da história da Coreia, e ao procurar aferir da veracidade das inúmeras referências históricas, dou de caras com um facto poderoso que ignorava e com uma mentira que tomava por verdade, ainda que manchada por algum exagero do qual já suspeitava. Em Pachinko, de Soo Hugh, estreada em 2022 e falada em coreano, japonês e inglês, uma saga familiar baseada no romance homónimo da escritora coreana-americana Min Jin Lee, encontra-se um cenário que reporta a relação complexa e traumática da Coreia com o Japão ao longo do século XX. O facto que ignorava tem a ver com a dimensão do domínio japonês sobre a península, exercido entre 1910 e 1945, ter sido traduzida na redução à escravatura, ou pelo menos à servidão, da quase totalidade da população local, com, níveis de repressão e de crueldade sem comparação à escala europeia.

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        Dar ou não a cara na rede

        Como faz a generalidade das pessoas que têm muitos e constantes contactos fora do seu círculo próximo de vida e de trabalho, recorro inúmeras vezes aos motores de pesquisa ou às redes sociais para conhecer melhor quem me está a contactar ou quem pretendo contactar por isto ou para aquilo. Por vezes para ver por onde anda quem um dia conheci e gostaria de rever. É essencial ler a sua pegada: saber minimamente o que faz ou fez, conhecer-lhe um pouco o rosto, ter um mínimo de referências que nos permita identificar com razoável dose de segurança com quem queremos falar ou quem a dado momento nos procura.

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          O espírito gregário e a pobreza da opinião

          Uma das boas vantagens que tem trazido a massificação da Internet e das redes sociais traduz-se na forma muito fácil e rápida como estes dois fenómenos contemporâneos tornaram possível que praticamente qualquer pessoa seja capaz de disseminar informação pertinente e de partilhar a sua própria reflexão crítica. Com múltiplos e complexos problemas à mistura, e com muitos erros e desvios também, alguns deles gravíssimos, sem dúvida alguma, mas não são eles que estão em causa neste apontamento. Aquilo que aqui se pretende sublinhar é que essas capacidades positivas são em boa parte contrariadas pelo facto de um grande número de homens e de mulheres, tendo capacidade reflexiva e conhecimento para poder exprimir opinião de uma forma sustentada e crítica, ser incapaz de dialogar com ideias e problemas que transcendam aqueles de momento invocados, no domínio do imediato, no interior do seu próprio universo político.

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            Apontamentos, Democracia, Direitos Humanos, Etc., Olhares, Opinião

            Promiscuidade entre política e negócios

            Apesar de determinada por episódios recentes envolvendo dois ou três membros de segunda linha do governo do Partido Socialista – de uma forma que, sendo inaceitável, foi artificialmente ampliada pelas oposições, em especial as de direita, empenhadas em generalizar as críticas a partir de casos singulares – existe nas democracias contemporâneas, e na nossa também, um problema sério que pode ser relacionado com esta situação. Diz respeito ao modo como certo número de pessoas, em lugares de responsabilidade pela coisa pública, e que deveriam colocar em primeiro lugar o espírito de serviço à comunidade que determinou a sua eleição ou escolha, se envolvem ao mesmo tempo em atividades que visam sobretudo o rápido enriquecimento pessoal, tornando-se esta uma das fontes da crescente opinião «antipolíticos».  

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              Atualidade, Democracia, Direitos Humanos, Etc., Opinião

              O papel do trabalho de revisão

              Como sabe quem escreve com regularidade livros e artigos, o trabalho de revisão de um original realizado por alguém competente e sensível é crucial, podendo salvar a correção e a elegância do texto, embora possa também traduzir-se em alguns desastres. Muitos autores consagrados, certos deles premiados, sentiriam vergonha ao ler os seus originais publicados sem estes terem passado por essa etapa. E os leitores habituais nem os reconheceriam. Erros e gralhas, repetições de frases ou de palavras, parágrafos pouco claros, falhas de concordância, pontuação deficiente, e por aí afora. Basta, para quem preste atenção, ver como alguma dessas pessoas atabalhoadamente escrevem nas redes sociais e depois o modo como os seus originais são publicados impressos ou no digital.

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                Professor para sempre

                Ontem, 5 de outubro, celebrou-se o Dia Mundial do Professor. Professor não é apenas «aquele que dá aulas», como muitas pessoas dizem. Pode ser isso, sem dúvida, mas é sobretudo aquele e aquela que procura, a partir da sua formação – que deve prosseguir sempre, bem para além dos cursos que frequentou – contribuir para a disseminação do conhecimento e para a dinamização da capacidade crítica. Nos anos em que dei aulas, entre 1982 e 2022, quem nelas estava ouviu necessariamente esta recomendação: muito mais importante do que colecionar conhecimento, do que «saber coisas», é ser capaz de relacioná-lo e de tomá-lo na dimensão sempre mutante e contraditória que contém, pensando pela sua cabeça e jamais se submetendo a dogmas e ideias feitas, venham de onde vierem. Como «professor uma vez, professor para sempre», é o que continuo a defender.

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                  Temos um grande problema

                  A generalidade dos comentadores de política internacional concorda em que o último discurso de Putin representa um evidente sinal do desespero de quem se viu com todas as suas previsões belicistas trocadas e se confronta agora com o espectro de uma derrota militar na Ucrânia. Depois da sua intervenção, a situação piorou ainda, com alguns sinais bem visíveis, como a fuga de pessoas da Rússia perante a ameaça de uma mobilização forçada para a guerra, o regresso das manifestações de rua, logo reprimidas pela polícia, o imediato reforço da ajuda militar ocidental a Kiev e as posições da China e da Índia, agora nitidamente desconfortáveis com o belicismo desvairado, na forma de fuga para a frente, do seu aliado e, mais recentemente, untuoso cortejador. 

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                    Acontecimentos, Atualidade, Democracia, Etc., Opinião

                    Conformismo, proselitismo e inconformismo

                    A pessoa conformista aceita sem reagir situações que lhe são impostas e intimamente deveria rejeitar ou contrariar. A disposição que melhor a define é a passividade, temendo sempre que qualquer gesto ou palavra que possa afirmar lhe perturbe o modo de vida. Alinha as suas perceções, crenças e condutas pelas dos outros: encomenda a mesma bebida, adota os mesmos códigos de vestuário ou adere cegamente às escolhas que dominam o grupo a que pertence. O psicólogo social Solomon Asch mostrou que pessoas com este comportamento preferem até dar cobardemente respostas erradas, ou contrariar a sua consciência – como acontece com o triste personagem interpretado por Jean-Louis Trintignant no filme Il Conformista, de Bernardo Bertolucci –, a arriscar a reprovação social, que entendem como via para uma fatal exclusão. 

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                      Nove meses em Luanda – 1

                      Um dos períodos mais intensos da minha vida englobou a comissão de serviço militar em Luanda entre finais de janeiro e o início de novembro de 1975. Tinha sido desertor da guerra colonial, e por isso vivido alguns meses clandestino, mas o III Governo Provisório, de Vasco Gonçalves, após o Acordo do Alvor amnistiou os militares na minha situação e pude apresentar-me de novo. Fui então enviado para Angola, onde vivi o meu PREC. Desse período bastante atribulado tenho a memória de dezenas de episódios absolutamente únicos e diversas pessoas a quem os relatei têm sugerido que deveria passá-los a escrito. Como jamais escreverei uma autobiografia, para evitar esquecê-los vou deixar aqui alguns deles.

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                        Biografias, Etc., Memória, Olhares

                        A indiferença pelo sofrimento dos outros

                        Este setor do espetro político transporta consigo um lastro histórico e uma longa experiência de manipulação da realidade e de difusão da mentira. Refiro-me ao grupo minoritário de pessoas seguro das suas escolhas e convencido de que um dia viverá na sociedade distópica que idealiza, que entre nós defende, como justificável e até necessária a impiedosa política de assassinato coletivo e de devastação que as tropas de Putin estão a levar a cabo na Ucrânia. Por este motivo negam a sua verdadeira dimensão e sem qualquer pudor transformam o agressor em protetor e o agredido em criminoso. Deste modo construindo, junto de quem lhe dá ouvidos, uma narrativa que converte um Estado independente e formalmente democrático – onde, como em toda a parte, incluindo na Rússia, existe gente que pensa de forma diversa e setores minoritários de extrema-direita – no que proclamam ser «um antro de nazis» a demolir.

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                          Etc.

                          Publicidade agressiva

                          Entre os anos 60 e 80 a publicidade portuguesa, pelo menos aquela que aparecia na televisão, na rádio e nos jornais e revistas de maior circulação, possuía em regra elevada qualidade, tanto no domínio do texto, sempre imaginativo e literariamente cuidado, quanto no plano gráfico e no da realização. Recebia regularmente prémios internacionais e era até, em boa parte, um espaço usado para passar mensagens subliminares contra a paisagem de «vil tristeza» cultural ou no campo dos hábitos que era imposta pelo regime. Alexandre O’Neill e Ary dos Santos, como antes deles Fernando Pessoa, por exemplo, trabalharam na área, transformando o seu esforço nesse domínio em pequenas peças literárias. Assis Pacheco também criou alguns slogãs. Muitas pessoas com memória da época recordam como a publicidade se misturava com o quotidiano, surgindo até, algumas vezes, como momento poético ou inspiração para paródias.

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                            Crimes de guerra na primeira pessoa

                            Sabemos como numa guerra não existem lados limpos da mentira e da crueldade. Se isso acontecesse, não se trataria de uma verdadeira guerra. É, desde logo, necessário contar com a propaganda e a contrapropaganda, que tendem a beneficiar ou a defender um dos lados em detrimento do outro. Quem delas não se servir, perde a guerra. Mas deve também contar-se com as dinâmicas inerentes ao combate e a quase impossibilidade de evitar situações de crueldade. Diz-vos isto alguém que já foi militar e esteve dentro de uma guerra civil, onde, como se sabe, tudo é sempre ainda pior que numa guerra com claras linhas de fronteira. Estive em áreas de combate e vi matar pessoas, civis entre elas, em alguns momentos através de gestos de descontrolo que advinham da tensão ou da incompreensão de quem pensava que a melhor forma de não morrer era «simplesmente» matar, ou só sentia vontade punir alguém que, na sua desrazão, considerava responsável pela morte de camaradas ou apenas por estar ali.

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                              Acontecimentos, Atualidade, Direitos Humanos, Etc., Opinião

                              Ler de lápis na mão

                              Não recordo o momento preciso em que deixei de ler só banda desenhada ou os livrinhos da coleção «Seis Balas», e passei a ocupar-me com volumes inteiros de centenas de páginas. Talvez por volta dos dez, quando atravessei a fase Enid Blyton, logo seguida da Emilio Salgari e da Júlio Verne. Mas desde essa época mantenho um hábito inalterado: jamais ler um livro sem ter à mão um lápis, para o sublinhar e anotar nas próprias páginas, ou então, se o não puder fazer, numa folha A4, dobrada em quatro, que serve também de marcador. Agora, quando sobretudo no campo da teoria leio mais em formato digital, faço a mesmíssima coisa, uma vez que os programas de leitura eletrónica já permitem o expediente.

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                                30 anos (29 para mim) de Internet

                                O Público lembra hoje um importante ponto de viragem: «Portugal passou a estar plenamente integrado na Internet há precisamente 30 anos. Foi em Dezembro de 1991, graças a uma ligação entre Lisboa e Amesterdão, e à delegação e controlo do domínio .PT em entidades portuguesas. E foi fruto da persistência de cientistas portugueses que acreditavam que a solução ideal para uma futura rede mundial de computadores passava pela tecnologia IP (Internet Protocol), que nascera nos EUA. Desde então, muita coisa mudou – tanto no país como também na rede.»

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                                  O horrível plural majestático

                                  Admito que se trata de implicação. É-me insuportável ler textos que se sirvam do plural majestático, o recurso estilístico que tende a tornar comum o que na realidade é pessoal. Foi e é atributo de reis e rainhas, ou de pessoas da alta nobreza, que assim procuram assimilar a sua vontade à do povo que superiormente pretendem representar e dirigir. A locução serve-se com frequência uma exceção gramatical que articula plural e singular: «nós fomos recebida/o». Tem vindo, no entanto, a ser abandonada. Em 1989, a antiga primeira-ministra britânica Margaret Thatcher foi ridicularizada pela imprensa quando usou o plural majestático para anunciar que se tornara avó. O papa João Paulo II colocou um ponto final na sua utilização nos discursos públicos, embora o uso da fórmula permaneça ainda em muitos dos escritos oficiais da Igreja católica.

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                                    Razão ao Livre

                                    Talvez isto possa parecer, ou ser mesmo, um tanto pretensioso, mas existirá por aí quem me conheça um pouco e lhe reconheça algo de verdadeiro. Jamais pauto posições públicas que possa exprimir apenas por critérios de amizade, de proximidade ou de conformidade a uma norma ou a um programa, seja com pessoas ou com entidades coletivas, incluindo-se nestas instituições, partidos, movimentos e causas. Se considero certa e necessária uma escolha ou uma campanha, e a minha palavra não for contraproducente para elas, digo o que penso sem qualquer problema. Se for injusta e for preciso contrariá-la, a mesma coisa.

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