O que pode fazer-se?

Todas as pessoas de formação progressista, e também, não tenho qualquer dúvida, um bom número das que são estruturalmente conservadoras ou mesmo de direita, embora de formação democrática, estão em choque com a semi-vitória do Chega nas eleições do passado domingo. Ainda que ela fosse esperada, existia sempre um esperança de as sucessivas sondagens estarem enganadas, mas se o estavam foi porque pecaram por defeito. A verdade é esta, bem crua: em cada mil eleitores, 180 votaram num partido sem um programa claro, para além de um cúmulo de ódio de natureza racista, xenófoba, contra a igualdade de género, homofóbica, e igualmente passadista, antieuropeia e apostada no desmantelamento do Estado social, seja no campo da saúde, da educação, da segurança social ou da cultura. A meta é, destruir a democracia, trocando-a por um populismo desvairado de extrema-direita, ou, como proclamava um apoiante mais sincero desse partido, «acabar com o 25 de Abril».

Perante este cenário, impõe-se um esforço duplo, apostado em tentar compreender a situação e, ao mesmo tempo, em encontrar o antídoto para uma doença que pode até alastrar ainda. A pior resposta será sempre, porém, quem se sente legitimamente chocado culpar tudo e todos pela situação. Sejam as pessoas que são isto ou são aquilo, o partido xiz que fez não sei o quê e não o contrário, o governo anterior que «abriu as portas a», ou, como também já vi por aí, «o povo» ou «a humanidade» no seu todo. É certo que existe um bom número de pessoas que há muito defende as propostas e as indignações do Chega. São os seus militantes mais ferrenhos, pessoas sem cura, estruturalmente retrógradas e violentas. São também aqueles a quem já aqui chamei «os brutos»: homens e mulheres pouco inteligentes e nada informados, incapazes de pensar de forma equilibrada, muitos deles marcados pelo ressentimento. Mas são ainda numerosas pessoas comuns que o sistema democrático foi incapaz de incluir e de imbuir da sua cultura de tolerância, optando estas por uma atitude que foi essencialmente de protesto «contra tudo».

É sobretudo para estes que deve voltar-se um trabalho de persistente educação democrática, incluindo aquela a desenvolver no âmbito partidário, procurando reconhecer-se os erros que o sistema político praticou e que, se não atalhados, poderão ampliar aquele milhão de eleitores. Este trabalho dirá sempre respeito a uma parte significativa dos que votaram Chega. Existe outra, porém, inimiga jurada da democracia, da diferença e da própria humanidade, que não terá remédio e é preciso combater com força e tenacidade. Os homens a as mulheres democratas não podem deixar de desenvolver um trabalho de recuperação de consciências, sem dúvida. Mas também não podem ser ingénuos ou «bonzinhos» com quem não merece e deve voltar para debaixo das pedras de onde agora, ao fim de cinquenta anos, resolveu sair ufana para a luz do dia.

Rui Bebiano

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