Arquivo de Categorias: Democracia

Programas eleitorais apenas reivindicativos

Leio com cuidado as propostas mais destacadas que os dois principais partidos à esquerda do PS adiantam para esta campanha eleitoral. Tenderia a dizer, não que «concordo com tudo», pois algumas apontam para medidas de governo dificilmente exequíveis, mas que estou de acordo com as áreas de intervenção governamental onde elas são necessárias, em alguns casos mesmo urgentes. Trata-se de medidas que aproximem a sociedade portuguesa de um melhor quadro de justiça social e de bem-estar nos domínios da habitação, da saúde, da educação, da justiça fiscal, da legislação laboral, da comunicação social, da corrupção, do clima, dos salários, das pensões e do combate à pobreza. Para todas, em diferentes escala, reivindicações concretas, que apontam para medidas possíveis e outras impossíveis, ainda que todas, sem a menor dúvida, muito desejáveis.

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    O Chega e a «república dos brutos»

    Quando surgiu, o partido Chega foi por muitos considerado apenas um irritante epifenómeno da nossa democracia, algo que nunca passaria de um grupo de saudosos do antigo regime, ocasionalmente reunidos em redor de um fala-barato oportunista, que aproveitava a voga internacional do populismo internacional para dar voz a uma extrema-direita que, no fundo, não se acreditava poder ganhar grande peso no país de Abril. Nesta altura, o seu inegável crescimento, com a generalidade das sondagens a atribuir-lhe um mínimo de 14 ou 15% dos votos nas legislativas de março – não sendo impensável que possa ainda crescer mais desviando muitos votantes do PSD – mostra que aquele olhar inicial era afinal bastante ingénuo.

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      O «clubismo» partidário, mal da democracia 

      A menos de dois meses das eleições legislativas, é boa altura para lembrar um dos males que ensombram este momento fulcral da vida das democracias representativas. Traduz a tendência para grande número de eleitores exercer o seu direito sem um conhecimento minimamente razoável dos programas e dos objetivos que lhe são propostos, sejam os do partido no qual habitualmente vota, sejam os daqueles que podem servir-lhe de alternativa ou de termo comparativo. Esta situação é agravada por um fenómeno análogo que ocorre em sentido inverso: a tendência dos partidos em disputa para simplificar em excesso as suas propostas e os seus discursos, procurando que estes sejam reconhecidos sem esforço pela ampla massa de cidadãos que não tem um efetivo interesse pelo debate político.

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        Talvez o fim do meu diário

        Sou fiel leitor do Diário de Notícias desde os finais dos anos 50. Foi o meu avô paterno, seu correspondente e representante local, quem, antes ainda da primária, me ensinou a ler pelas então enormes páginas do jornal, transmitindo-me ao mesmo tempo esse vício da informação e sede de notícias que me acompanha até hoje. Tinha 5 anos e o avô Manuel gostava de me exibir aos amigos, como um macaquinho de bibe, lendo-lhes notícias inteiras. Que, obviamente, pouco ou nada compreendia.

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          Dois princípios para dois meses

          Ultrapassado o período do Natal e do novo ano, no qual boa parte das pessoas presta pouca atenção a tudo o que vai para além do seu círculo pessoal e familiar, entramos agora, aqui em Portugal, nos cerca de dois meses que nos vão levar às eleições legislativas antecipadas. Partilharei regularmente aqui o que me parecer poder ter algum interesse público. Para já, refiro apenas dois princípios sobre os quais tenho já poucas dúvidas.

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            Vai doer como o diabo, mas é indispensável

            Estamos a viver um período particularmente difícil e sangrento desse longo e dramático conflito que desde os finais do século XIX, e em especial a partir de 1946, tem como campo de batalha Israel e a Palestina, com reflexos imediatos nos países árabes da região, sobretudo no Líbano, na Jordânia e no Egito, e incessantes ondas de choque que atingem o mundo inteiro. Estas têm sido muito ampliadas na guerra iniciada a 7 de outubro com a ofensiva-surpresa dos grupos Hamas e Jihad Islâmica, apoiados pelo Irão, lançada a partir da Faixa de Gaza contra os colonatos judaicos, algumas cidades israelitas próximas e instalações militares.

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              A hipocrisia de um certo discurso «da paz»

              Imersos em experiências e práticas culturais profundamente influenciadas pelos valores essenciais do cristianismo, sendo ou não crentes crescemos confrontados com o versículo do Evangelho de São Lucas «Paz na Terra entre os homens de boa vontade», que dá o mote, em particular nesta altura do ano, a uma retórica generalizada de rejeição da guerra e de louvor da paz. Porém, a frase exprime uma contradição nos seus termos ao diferenciar os seres humanos que considera «de boa vontade» dos demais. Aliás, judaísmo, cristianismo e islamismo, as religiões do Livro, integram na sua experiência histórica palavras de aprovação da violência quando esta castiga quem abandone ou combata a «verdadeira» fé.

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                Importância da crítica e pobreza do proselitismo

                Em mais de quatro décadas como professor universitário, insisti sempre num princípio de pedagogia que julgo fundamental. Referia-o logo no primeiro dia em todas as aulas e seminários: muito mais do que armazenar conhecimento, importa o desenvolvimento da capacidade crítica. Juntando logo que, ao contrário do proclamado pelo senso comum, criticar não significa «dizer mal», ou ser-se acintoso com alguém de quem discordamos, mas exprimir convictamente uma dúvida ou hipótese alternativa destinada a abrir perspetivas dinâmicas e a impedir que alguma teoria ou interpretação possa ser tomada como indiscutível e definitiva.

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                  O país de Novembro

                  Afirma o arquiteto e designer francês Philippe Starck, em entrevista saída no diário Público: «Portugal é o último país do mundo onde encontro os valores que acredito que todos devemos conhecer. E que nós, franceses, tivemos há um, quase dois séculos, penso, e que são de uma humanidade profunda, de respeito, de profunda afeição, uma grande capacidade amorosa e diversa, um grande cuidado com o outro. É o último país com valores humanos.» É claro que esta é uma afirmação subjetiva e parcial, por certo aplicável deste modo a vários outros lugares do mundo. Todavia, é verdade que, ao longo das últimas décadas, entre nós se desenvolveu uma cultura maioritariamente de afabilidade e de tolerância que foi herdada, sem dúvida, não dos supostos «brandos costumes» inventados pelo salazarismo, mas dos valores de solidariedade e de humanidade emanados de Abril, e que, mesmo muitos daqueles que formalmente se lhes opunham, acabavam por partilhar. Suspeito que, por via da chegada e instalação da cultura global do ódio, estejamos no fim desse ciclo. O país de Abril a dar lugar a um país de Novembro que não se distingue dos outros.
                  [originalmente no Facebook]

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                    A cidadania entre a responsabilidade e a cobardia 

                    O historiador britânico Tony Judt publicou em 1998 um estudo, O Peso da Responsabilidade, entretanto traduzido pelas Edições 70 (com introdução minha), que deveria ser de leitura obrigatória em cursos de história contemporânea, ciência política, sociologia ou jornalismo. O título condensa de forma perfeita a proposta do autor: partir da vida e da obra de três pensadores franceses com grande impacto público no seu tempo para mostrar de que forma, embora fossem pessoas com percursos, convicções e atitudes bem diferentes, coincidiram no entendimento do seu papel de intelectuais de perfil público como instrumento vital da cidadania. 

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                      Erros e desculpas

                      Leio esta manhã um artigo do Público – «Quando os políticos pedem desculpa pode ser por “sobrevivência” ou por “estratégia”», assinado por Mariana Tiago – que me parece conter uma perspetiva negativa e perniciosa para a observação pública da democracia. Pelos dois motivos que brevemente exponho. Em primeiro lugar por qualificar os «políticos» como uma espécie à parte, na qual a dimensão humana tem sobre si uma camada da conveniência e de calculismo que, a meu ver obviamente, se aplica apenas a alguns. Olhar os «políticos» como gente à parte – «eles», diz-se por vezes – é próprio do discurso populista, e se o artigo não se integra neste universo, na realidade alimenta-o. Em segundo, por não incluir uma única referência à dimensão ética que deve desejavelmente conter a atividade política e cidadã. Para a autora do artigo, e aparentemente, também para as pessoas que ouviu para o escrever, os «políticos» são necessariamente pessoas ambiciosas e opacas, não podem ser- e alguns são-no – apenas honestos, tanto quanto possível transparentes, e capazes de genuinamente reconhecer os seus próprios erros. Podendo esta prática reforçar até a grandeza de quem a assume.
                      [originalmente no Facebook]

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                        Duas posições contra a paz

                        O apelo, feitos por muitas pessoas que se têm manifestado a seu favor, à existência de um Estado palestiniano «do rio até ao mar», isto é, do Jordão ao Mediterrâneo, significa apoiar o fim do Estado de Israel e a inversão da condição de pária do povo palestiniano para o judeu. Ela nega, no fundo, a única solução possível, embora difícil, para a martirizada região e para os povos que a habitam: a existência de dois Estados independentes, política e economicamente viáveis, pacíficos e que, um dia, poderão até colaborar.

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                          O inaceitável cerco ao PS

                          Que fique muito claro: tendo muitíssimas pessoas amigas, ou que admiro, seja pelo que fazem ou apenas como seres humanos, na condição de militantes, de simpatizantes ou de votantes do Partido Socialista, sempre mantive em relação a este uma razoável distância crítica. Apenas por uma vez votei PS nas legislativas, jamais o fiz nas autárquicas e, nas presidenciais, só coincidimos no apoio dado a Mário Soares e depois a Jorge Sampaio. Afora estas ocasiões, somente em algumas importantes campanhas cívicas nos aproximámos.

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                            O próximo cenário

                            A decisão do PR no sentido de dissolver a Assembleia da República e convocar eleições não foi a melhor solução. Todavia, foi tomada em termos menos gravosos do que se chegou a supor, dado permitir a aprovação do Orçamento de Estado para 2024 e apontar para uma data eleitoral, 10 de março, suficientemente distante para deixar que o Partido Socialista se recomponha politicamente com nova liderança e uma linha política necessariamente revista. Se o não tivesse feito, deixaria por certo mais satisfeitos os partidos da direita e da extrema-direita que, com o apoio de uma comunicação social maioritariamente sensacionalista e manipuladora, por certo cavalgariam o ruído causado pelo estranho caso que forçou António Costa a pedir a demissão, condicionando desse modo a reflexão serena e a clara enunciação de propostas que as eleições legislativas sempre requerem.

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                              A crise e o escrutínio

                              1. É imprudente, e apenas resultado da ambição de poder ou de cegueira política, exigir eleições antecipadas neste momento. João Miguel Tavares, de quem habitualmente divirjo (e muito), explica porquê: o PS detém uma maioria absoluta no Parlamento; existe uma altíssima probabilidade de as próximas eleições virem a produzir uma solução governativa muito mais instável do que a actual; o PRR, com um Governo em gestão e meses de campanha eleitoral, poderá nunca vir a ser executado na totalidade; a TAP e o aeroporto ficarão congelados; a entrada em vigor do Orçamento do Estado será posta em causa; o PS não terá tempo para assimilar o que lhe aconteceu; e o PSD e a comunicação social não terão tempo para escrutinar Luís Montenegro e a sua equipa.

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                                Essa palavra «vingança»

                                Não existe palavra mais rude que «vingança». Ela traduz a resposta a uma afronta com outra afronta, mesmo quando não está na nossa índole fazê-lo. Pelo início do século XVII, o filósofo Francis Bacon descreveu-a como «justiça selvagem», capaz de «ofender a lei e atirá-la para a rua». Pode ter uma dimensão pessoal, mas a sua modalidade mais imoderada é a de grupo, pois aqui não é pontual, funcionando por meio de de ciclos longos de desafio e retaliação, realizados por famílias e clãs, ou por tribos e etnias, muitas vezes sob a forma de «vendeta de sangue». Pode também ser lançada por setores animados por doutrinas intransigentes de teor religioso, filosófico ou político, em larga medida dinamizadas pela ira e pelo ódio a quem as procure contrariar. 

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                                  O imperativo da paz e as «identidades assassinas»

                                  Uma frase de Camus, deixada em 1945 no jornal clandestino da Resistência Combat, proclamava que «a paz é a única batalha que merece a pena ser travada». Exprimia um sentido de justiça e um imperativo ético cuja formulação permanece atual. Neste artigo ajuda a sublinhar a necessidade de um combate pela paz entre a Palestina e Israel, possível num quadro de equilíbrio apenas alcançável através da solução de dois Estados independentes, livres e cooperantes, recomendada desde 1974 pela ONU com base na divisão territorial anterior a 1967. Após oito décadas de conflito sangrento e traumático, da intensa presença de ódios instalados, de interferências externas potencialmente trágicas e do sofrimento dos povos, sobretudo do palestiniano, ela será sempre dificílima de obter; no entanto, as alternativas são piores.

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                                    Sobre os terríveis acontecimentos e o cenário de guerra e destruição agora ampliados em Gaza e Israel, cito dois historiadores progressistas israelitas que se lhes acabam de referir. Enquanto para Alon Pauker, «os extremistas, tanto em Israel como em Gaza, alimentam-se uns dos outros e não se preocupam com as vidas das pessoas», para Eli Barnavi «o ataque do Hamas resulta da combinação entre uma organização fanática islamita e a política idiota de Israel.». Estamos, obviamente, perante pessoas moderadas, de uma espécie, se não em vias de extinção, pelo menos com grandes dificuldades de afirmação em Israel. O mesmo acontece, aliás, do lado árabe, onde as palavras sensatas de quem apela à solução política e partilhada do conflito como a única que pode evitar a continuação da opressão e do sofrimento do povo palestiniano são igualmente raras e carecem de grande coragem por parte de quem as profere, considerando a força e os métodos da intolerância, do islamismo radical e do jihadismo.

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