Arquivo de Categorias: Democracia

A força do voto perdido

Lamento ter de ser cru e objetivo, mas em certos momentos a realidade deve sobrepor-se à fantasia. Para um grande número de eleitores a insistência nas ilegalidades e na ausência de ética do primeiro-ministro são irrelevantes, pois consideram-nas prova de uma «chico-espertice» que encaram como qualidade e gostariam de replicar nas suas vidas. Aliás, é esta atitude que tem eleito e reeleito muitos autarcas, enquadrados na conhecida categoria popular do «rouba, mas faz». Também pouco importa a estas pessoas a baixa qualidade e o perfil rasca, ou mesmo criminoso, de tantos militantes do Chega, pois é por isso mesmo que os encaram como seus representantes.

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    Porque voto no Livre?

    A vida da democracia de modo algum se esgota no sistema representativo e nas eleições para os seus órgãos. Precisa ser praticada e ampliada todos os dias e em todos os espaços, não se limitando, por isso, ao ato de eleger. Todavia, e apesar das suas imperfeições, este permanece essencial como modo de aferição das escolhas políticas de cidadãos e cidadãs, e forma de escolher os rostos que dão corpo à soberania. Onde não existem eleições, ou onde elas são manipuladas, não existe democracia, mas fraudes que favorecem a tirania. Por este motivo, e também porque não o fazer é abdicar de ter voz própria, é imprescindível votar, ainda que quem o faz possa não se rever plenamente em qualquer das escolhas presentes no boletim de voto.

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      Contra o abuso do «voto útil»

      Em tempo de campanha para as eleições legislativas, escutamos de novo apelos ao «voto útil», normalmente realizados pelos partidos que sabem poder vir a governar e entendem que precisam de uma maioria exclusiva para o poderem fazer. Na verdade, este apelo, assente na lógica do «mal menor», desfigura a democracia, tendendo a enfraquecer os restantes partidos, no nosso sistema eleitoral já muitíssimo prejudicados pela inexistência de um círculo nacional a juntar aos demais. Sem este, aliás, ocorre sempre uma perda muito significativa de votos de eleitores, deste modo não representados no parlamento.

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        Uma lição da história

        A capitulação formal da Alemanha no final da Segunda Guerra Mundial ocorreu a 8 de maio de 1945. Há precisamente oitenta anos. Foi conseguida nas complexas circunstâncias e com os elevadíssimos custos que se conhecem, mas nunca será excessivo lembrar que tal só foi possível devido à colaboração de todas as diferentes (e necessariamente contraditórias) forças antifascistas. Talvez seja uma boa lição para os dias de hoje.

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          Combate cultural contra o novo fascismo

          O fascismo original, a par das sua articulação com o mal mais absoluto, apoiava-se numa proposta filosófica, alimentava uma visão do mundo, idealizava um projeto de sociedade. Daí a importância que atribuía à ideologia e à cultura – fosse a das elites ou a que definia como «popular» – ancoradas num saber clássico e manipuladas em função desses objetivos. Muitos artistas e numerosos intelectuais ajudaram a alimentar esse processo. Daí também o papel que os fascismos conferiam à leitura, ao cinema, ao teatro, às artes, ao pensamento, à arquitetura, à especulação política como experiências coletivas. O contemporâneo abomina e combate tudo isto, pois funda-se apenas na ignorância, no ódio, no egoísmo e na ausência de perspetiva, projetadas pelo poder dos média, pelas redes sociais e pela condescendência das democracias. Por isso, contra ele, contra eles, o combate a travar precisa ser também cultural, não apenas político.

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            Apagão, boatos, medos e coragem

            A falha elétrica de 28 de abril, que afetou toda a Península Ibérica, produziu ondas de choque de grande impacto. Motivos, detalhes, responsabilidades e dimensões do incidente encontram-se por esclarecer de forma completa, mas os efeitos práticos foram percetíveis no imediato. Começou por desaparecer o sinal das redes de telemóvel e da Internet, e logo de seguida tudo sucedeu em catadupa: iluminação desligada, aparelhos elétricos inoperantes, elevadores bloqueados, semáforos sem funcionarem, transportes caóticos, caixas multibanco inativas, cafés e restaurantes a menos de meio gás, com tudo o que isto implica na alteração radical das formas de vida, da atividade produtiva, dos sistemas de segurança, dos cuidados de saúde e das necessidades humanas básicas.

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              A liberdade não tem dono

              Mais em umas que em outras, mas em diferentes manifestações de rua do 25 de Abril foi visível a tentativa, por parte de uma força política, de se tentar apropriar dos desfiles, das suas palavras de ordem, das suas canções, até da sua organização, desdobrando-se por lugares vários e diferentes entidades nos desfiles. Também tem procurado apropriar-se da sua história e da sua memória, que muitas vezes se esforça até por reescrever. Acontece há décadas, mas quanto mais essa força se torna realmente mais frágil e perde expressão eleitoral – infelizmente, a meu ver, mas sobretudo por culpa própria -.mais a tendência se acentua. Porém, a liberdade, no seu sentido amplo e plural, não tem dono, é de todos e de todas, salvo dos fascistas, seus inimigos jurados. Por isso, nela cabem também os que continuam a insistir nesse triste papel. Que desaparecerá de cena um dia que há-de chegar.

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                A extrema-direita entre o mantra e a lengalenga

                O mantra é uma fala monocórdica e repetitiva, em regra recitada ou cantada de forma ritual por seguidores do budismo e do hinduísmo. A sua harmonia pode incluir qualquer som, sílaba, palavra ou frase, desde que estes detenham um poder próprio, visando estimular o propósito sagrado de quem o pronuncia. O termo vem do sânscrito, significando «controlo da mente», sendo isto obtido num processo de concentração da consciência que essa repetição em boa parte impulsiona. Do seu lado, a dimensão ritualizada do mantra confere-lhe uma aura de sagrado, enquanto retira a quem o pronuncia a necessidade de procurar palavras próprias, usando então, de um modo mecânico, apenas aquelas que sucedem de geração em geração. Em português usamos um termo, lengalenga, com significado parcialmente análogo. Aplica-se a narrativas ou falas extensas, fastidiosas e expectáveis, de diferentes géneros, que se movem em círculo, numa cantilena que nada contém de novo e se faz ecoar a si própria.

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                  Neste tempo que vivemos

                  Ao longo de mais de duzentos anos, as consignas da Revolução Francesa no seu combate contra o Antigo Regime, traduzidas na afirmação gradual dos grandes princípios da liberdade, da igualdade e da fraternidade, materializaram, apesar das suas limitações e contradições, apesar também da sabotagem dos seus agressivos inimigos, um horizonte de felicidade terrena para o qual todas as propostas progressistas deveriam apontar. Como aconteceu com as ideias de verdade, de justiça, de compaixão, de honestidade, de confiança, de equilíbrio, de ética ou de paz. Todas de igual modo discutíveis e contraditórias, mas todas identicamente inscritas numa ideia de humanidade tendencialmente voltada para um futuro melhor. Vivemos agora o tempo da sua negação, e nele, salvo para os indiferentes e os tolos, as manhãs são sem sol e de pesadelo. É preciso, todavia, reconstruir a esperança para não regressarmos ao negro estado de barbárie e de opressão. E, a cada dia, para o conseguirmos, importa bater a realidade para reunir forças. 

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                    A «paz podre» e a desfiguração do drama ucraniano

                    Ao conversar com quem conhece bem a realidade da Ucrânia e do leste europeu, tenho sido confrontado com a sua surpresa sobre a contradição entre a forma como setores da esquerda portuguesa encaram o regime de Kiev, a guerra e o caminho para a paz, e o modo como o faz a maioria da esquerda ucraniana. Não consideram na comparação os grupos e indivíduos nostálgicos da União Soviética e da Europa pré-1989 – desde logo o Partido Comunista, banido logo em 1991 e de novo em 2015, o Partido Progressista Socialista, proibido em 2022, após a invasão de fevereiro, e pequenas forças interditas em 2024 –, colaborantes da agressão russa e separatistas, mas numerosas personalidades de orientação socialista, libertária, feminista e verde, e, na mesma área, organizações como o Movimento Social e a Ação Direta, defensoras da resistência ativa a Moscovo. 

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                      A ameaça do Bloco Central

                      Por certo muitos amigos terão reparado já nesta tendência, enquanto outros, mais distraídos ou desinteressados, não se terão apercebido. Está em pleno curso, em alguns jornais e televisões, a divulgação de opiniões, emitidas por vozes situadas na ala mais conservadora do Partido Socialista, no sentido de, em nome de uma vaga e sacralizada noção de «estabilidade» – e, sejamos claros, também de um desejo de partilha de influência -, sugerirem a realização pós-legislativas de um acordo legislativo e de governo entre o PS e o PSD.

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                        Dúvida

                        Face ao ataque cerrado, feroz e sem precedentes a tudo o que sejam fatores de justiça social e igualdade, paz e entendimento na arena internacional, equilíbrio ambiental, defesa dos direitos humanos ou liberdade de expressão e até de circulação, a que assistimos todos os dias, algumas vezes multiplicado numa só jornada desde que a 20 de janeiro Donald Trump tomou posse como 47º presidente dos Estados Unidos da América, será que quem andava por aí a dizer que a governança republicana e as últimas democratas em pouco ou nada se distinguiam, referindo-se a Obama e a Biden apenas negativamente, ainda continua a dizer a mesma coisa? Conhecendo algumas dessas pessoas, e a sua enorme capacidade para contrariar a realidade diante das convicções, ou sequer para identificar o adversário mais perigoso, temo que sim. Se perante este banho constante de realidade catastrófica algumas reconhecerem o seu erro, já não será mau.

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                          As legislativas de Maio e a Europa

                          Escreve a dado passo da sua crónica deste domingo, saída no diário Público, a jornalista Teresa de Sousa:

                          «(…) Em dois meses, a Europa viu desfazerem-se diante dos seus olhos as condições geopolíticas que lhe permitiram viver e prosperar em paz e alargar a democracia em direcção às fronteiras do continente, caminhando paulatinamente para uma união cada vez mais integrada. Está a viver hoje a maior crise existencial desde a sua fundação. O que é mais extraordinário é que conseguiu afastar o cenário provável da fragmentação e da autodestruição, antecipado em Washington e em Moscovo. Dois meses depois, perdeu todas as ilusões sobre a possibilidade de reparação da aliança transatlântica, colocou a sua própria defesa no topo da agenda política, abriu-se a novos aliados, manteve-se no apoio à Ucrânia em caso do abandono americano (“26 mais um não são uma divisão”, como disse António Costa). O pânico inicial transformou-se em maior claridade política. Descobriu que era mais forte do que se habituara a pensar. (…)»

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                            A alternativa ao wokismo não é o antiwokismo

                            É do senso comum que devemos avaliar o efeito das palavras, mas no mundo que hoje habitamos este é um esforço prioritário. Muitas delas, além de convocarem, como sempre, significados complexos e contraditórios, tendem agora a ver rapidamente alterados os sentidos estáveis que por largas décadas respeitaram. Isto acontece também com aquelas que envolvem a afirmação ou a contestação do fenómeno woke. Como sabe quem não anda distraído, o conceito associa-se a práticas reivindicativas que, ao ultrapassarem as formas de protesto social tradicionais – ou mesmo institucionalizadas, como os partidos e os sindicatos – enfrentam de modo vigoroso o racismo, a discriminação de género e outros fatores de injustiça e de desigualdade, defendendo uma tomada de consciência ativa e uma intervenção combativa que lhes faça frente. 

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                              É fácil cairmos na tentação de reagir ao que de hediondo, agressivo, contagiante e muito perigoso está a acontecer nos Estados Unidos e com a política interna e externa centrada nos corredores da Casa Branca e do Pentágono, procurando, na medida do que cada um de nós poderá isoladamente fazer, entrar pela via do boicote cego a produtos e instrumentos «made in USA». Na realidade, é tão grande a sua dimensão e influência que, se fossemos inteiramente coerentes – ou coerentes mesmo a apenas 25% –, até muitos alimentos, medicamentos, tecnologia essencial, produtos de natureza cultural, serviços de «streaming» e da Internet teríamos de abandonar e apagar das nossas vidas.

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                                Entramos agora num ambiente político pré-eleitoral, no qual a preparação das propostas programáticas e a escolha dos rostos que lhes irão dar corpo ocupará a generalidade dos partidos políticos. É um processo natural que as nossas práticas democráticas consagram. Todavia, desta vez existe uma conjuntura internacional muito peculiar, de uma natureza verdadeiramente dramática, que tornará a definição de atitudes em relação à autonomização da União Europeia, incluindo a sua política de defesa, a sua sobrevivência económica e o Estado social, e à atividade das potência imperiais, sobretudo dos EUA de Trump e da Rússia de Putin, um fator determinante e da maior importância. Vamos ver como as forças políticas em presença irão, a esse respeito, gerir as suas escolhas. Algumas delas, também os seus ruidosos silêncios.

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                                  Vergonha no país de Abril

                                  De forma simplificada, são dois os motivos principais que levaram à rejeição da moção de confiança e à próxima saída de Luís Montenegro do cargo de primeiro-ministro. O primeiro, mais invocado, tem a ver com práticas profissionais que colidem com o dever de exclusividade de quem detém cargos de responsabilidade no governo, por motivos acrescidos quem dele seja a figura principal. O segundo motivo, menos mencionado apesar de também importantíssimo, prende-se com o facto de a empresa envolvida, a Spinumviva, ser apenas familiar, não tendo sequer sede própria e corpos gerentes, dedicando-se basicamente ao tráfico de influências realizado sob a capa de «aconselhamento» em negócios privados.

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                                    O historiadores conhecem bem o papel do acaso, do incidental e do comportamento individual na mudança das sociedades. Devido ao seu imediato impacto, esses fatores podem impor viragens de forma muito mais rápida e intensa que as alterações de natureza política, social ou cultural produzidas num tempo longo e vagaroso. O que aconteceu a 28 de fevereiro em Washington, na Sala Oval da Casa Branca, durante o encontro de Donald Trump e J.D. Vance com Volodymyr Zelensky, pela sua singularidade – na realidade, tratou-se de uma emboscada de «bullying» destinada a diminuir a Ucrânia e o seu presidente – e pelo eco global que logo teve, representa um exemplo consumado desse efeito. As suas ondas de choque distribuíram-se por três diferentes atitudes, duas de peso e outra ruidosa.

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