Em certos momentos, aquilo que se viveu não serve apenas para guardar em caixas atadas com cordéis e para relembrar em animados jantares com os velhos companheiros.
Aconteceu há quarenta anos e julgo que nunca contei isto em público. Em Novembro de 1972, pela segunda e última vez na vida – a primeira tinha ocorrido na primavera desse ano, embora em circunstâncias menos pitorescas – fui preso pela polícia. Foi no final de uma manifestação de rua contra a Guerra Colonial. Com 19 anos, julgo que protegido por parecer mais novo, passei apenas uma noite de frio, fome e apreensão nos calabouços de uma esquadra lúgubre da PSP de Coimbra. Pela manhã, identificaram-me, fizeram-me umas perguntas inócuas e mandaram-me embora sem grandes complicações. Meses depois experimentava, no entanto, sem direito a apelo, a inevitável retribuição das forças da ordem: um interrogatório feito pela PIDE (relativamente suave, sei lá porquê), seguido de uma integração compulsiva nas Forças Armadas, onde seria obrigado a permanecer três anos (e onde fui novamente interrogado e punido com a deslocação para tarefas mais perigosas em teatro de guerra). No momento da detenção ainda tinha nos bolsos os últimos panfletos por distribuir, que tive de mastigar e engolir para não ser apanhado com eles em meu poder e assim agravar a culpa. Pouco antes desfizera-me de algumas das pedras com as quais tinha tentado atingir (ou atingido de facto?) a montra de um banco e procurado defender o grupo da carga da Polícia de Choque. Aliás, a explicação das pedras não se ficou por aí, uma vez que, ainda em Janeiro de 1975, fui dos que se passeou com os bolsos do kispo cheios delas nas imediações do Palácio de Cristal, no Porto, quando do histórico cerco ao primeiro congresso do CDS. ler mais deste artigo