O filósofo basco Fernando Savater (n. 1947), prémio Sakharov em 2000, descobriu Camus no início da adolescência. Conta neste depoimento de que forma, desde o combate contra a ditadura franquista à oposição aos atentados da ETA, o pensamento do autor de A Peste jamais deixou de o acompanhar e de o guiar nas suas escolhas políticas e até pessoais, sempre revelado como uma lição de coragem e de lucidez.
Publicado em «Albert Camus. La Pensée Révoltée», no. especial da Philosophie Magazine, Abril-Maio de 2013. Testemunho recolhido por Sven Ortoli. Trad. ATN.
Comecei a ler Camus pelos 14 anos. Vivia em Espanha – bem dentro dos anos da ditadura franquista – quando li nos jornais a notícia do seu desaparecimento. Essa morte repentina perturbou-me. Ao reconhecê-lo como grande escritor, de uma vida fulminante, tomou-me logo uma vontade de o ler. Tirando O Estado de Sítio e os artigos sobre a guerra civil espanhola, não era difícil então encontrar traduções de Camus em espanhol, quase todas elas vindas da América do Sul. De certa maneira, Camus beneficiava da anuência dos padres espanhóis (os grandes censores!): diziam eles que, como Sartre, não acreditava em Deus, mas ao contrário deste «procurava-o». Li pois, em primeiro lugar, O Mito de Sísifo, e logo a seguir O Homem Revoltado. Um pouco mais tarde, em 1971 – já quase no final do franquismo – assisti igualmente a uma representação de Calígula, interpretada pelo grande ator José Maria Rodero, que me impressionou imenso (sim, nessa época o teatro entusiasmava-me mais que a filosofia…). Senti-me maravilhado, mas ao falar com os meus amigos universitários – éramos todos antifranquistas – concluímos rapidamente que Camus era um pouco suspeito. Repare-se que para a ortodoxia antifranquista, ele não estava do seu lado da barricada, uma vez que não era marxista e tinha dito coisas muito duras sobre a realidade do comunismo… Ninguém queria parecer estar intelectualmente demasiado próximo dele. ler mais deste artigo