Contrariando o anúncio precoce do «fim das ideologias», feito por Daniel Bell em 1962 e certificado nos anos oitenta como componente essencial do «fim da História», têm sido reconhecidos ao longo da última década os problemas que levantou o seu suposto desaparecimento, procurando-se vias do reencontro com a sua definição enquanto modos de interpretar e de partilhar coletivamente os sentidos, ou «o sentido», do mundo em movimento. Pois afinal, como assinala João Cardoso Rosas na introdução a este Ideologias Políticas Contemporâneas, sem elas «não existe ação política». Aliás, recusá-las «em nome do pragmatismo e da tecnocracia» não é senão «uma forma de ideologia não assumida». Partindo deste pressuposto, os organizadores deste livro passaram por cima do gasto debate sobre as características neutras ou pejorativas dessa categoria, ou da sua relação com a utopia, centrando-se antes na sua presença na arena política contemporânea. Não o fazem, todavia, com base na mera dicotomia esquerda-direita: não a negando, passam de raspão pelas chamadas ideologias transversais (o nacionalismo e o ecologismo, entre outras) centrando-se na abordagem de cinco famílias políticas que consideram suficientemente autónomas e coerentes para justificarem o realce: a esquerda radical, o comunismo, o socialismo democrático, o liberalismo e o conservadorismo.
Esta é uma obra coletiva, na qual intervêm investigadores portugueses vindos da ciência e da filosofia política, da história e da sociologia, que parte de uma escolha declarada: todos eles se assumem como simpatizantes do paradigma ideológico que aqui descrevem e fundamentam. Os contributos são naturalmente desiguais, seja nos objetivos da abordagem ou na forma de expor o argumento. O mais longo dos cinco, sobre a esquerda radical, da autoria de Miguel Cardina e José Soeiro é o mais completo, pedagógico e útil para o leitor, estabelecendo um quadro sinóptico coerente e teoricamente fundamentado sobre a história e a atualidade de uma área do pensamento político associada, não sem razão, a uma miríade aparentemente caótica de tendências e de orientações. O texto sobre o comunismo, de João Valente Aguiar, segue uma estratégia diferente, ocupando-se sobretudo com a definição da leitura peculiar da ideologia que é proposta pelo autor, e não tanto com os dilemas e os caminhos passados e presentes da complexa «nebulosa comunista». O artigo sobre o socialismo democrático, escrito por Ana Rita Ferreira, tem, tal como o primeiro, a intenção de produzir uma síntese compreensiva e atualizada, embora peque um pouco por situar a análise quase exclusivamente a partir da observação da tradição britânica. Já os contributos de Orlando Samões, sobre o liberalismo, e de José Tomaz Castello-Branco, sobre o conservadorismo, resultando ambos de um esforço de legitimação teórica consistente, incorrem num excesso de proselitismo, associado até, no primeiro deste dois textos, a um registo exageradamente didático, não partilhado aliás pelas restantes intervenções. No todo, estes estudos vêm preencher uma lacuna, oferecendo uma abordagem acessível, atualizada e quase sempre analítica dos grandes complexos ideológicos que continuam a procurar explicar e a influenciar os nossos destinos. Independentemente das suas metamorfoses e da gradação dos seus objetivos.
João Cardoso Rosas e Ana Rita Ferreira (organização), Ideologias Políticas Contemporâneas. Almedina. 178 págs. Versão revista de artigo publicado na LER de Abril de 2013.