Arquivo de Categorias: Opinião

Não podemos consentir

Observando tudo o que está a acontecer no Brasil, nos Estados Unidos e em outros lugares onde tal foi ou é consentido e estimulado por quem julga poder ganhar com a situação, cada vez percebemos melhor como a disseminação do boato e da mentira serve de ninho, sobretudo junto da massa de cidadãos menos esclarecidos, para o fascismo e para a tomada do poder por toda a sorte de desclassificados. Sempre foi assim, é verdade – há muitos anos que os exércitos previnem os seus quadros sobre o papel do boato como arma do inimigo -, mas atualmente é-o muito mais, considerando o lugar explosivo das redes sociais na disseminação seja do que for, e também a escandalosa desqualificação de boa parte da comunicação social, que tudo amplia, muitas vezes sem critério.

No caso de Portugal, onde o processo também já teve início, embora ainda de forma na aparência menos esmagadora, é preciso lembrar que somos uma democracia – com defeitos, mas uma democracia – com a liberdade que lhe é inerente conquistada a pulso por décadas de resistência, uma revolução e uma constituição. Por isso temos responsabilidades especiais: 1) podemos e devemos denunciar publicamente os casos em que tal ocorra, bem como os seus responsáveis; 2) temos de reivindicar do Ministério Público e do Governo medidas rápidas e exemplares contra estes criminosos; 3) precisamos exigir da nossa comunicação social que em vez de fazer eco da mentira, esclareça com empenho a verdade. Isto é lutar contra o fascismo. É preciso e urgente, antes que seja tarde.

[Publicado originalmente no Facebook]

    Democracia, Direitos Humanos, Opinião

    Brasil: «ame-o ou deixe-o»?

    Durante a ditadura militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985, a propaganda do regime criou uma frase criminosa: «Brasil: ame-o ou deixe-o». Significava ela que apenas existia um país «bom», o «oficial», o da ditadura, o dos militares, o do povo ordeiro e obediente – aquele, desigual mas que «a mão de Deus abençoou», percetível na cançoneta nacionalista «Eu te amo, meu Brasil», composta em 1970 –, e que o outro, o da oposição que lhe resistia, o que se opunha à censura e à tortura, aquele que desejava uma vida melhor, direitos para todos e democracia, era «mau», melhor sendo que se calasse ou emigrasse de vez.

    Face à polarização política extrema que vive hoje a sociedade brasileira, é inevitável que essa desgraçada frase da ditadura regresse ao pensamento de quem conheceu aqueles negros anos e se assuste com aquilo que está a acontecer nas urnas e nas ruas. Tem vindo de novo a emergir uma tendência, nos setores ultranacionalistas e em parte significativa da opinião pública, para diabolizar todos aqueles que não pensam em conformidade com o candidato da ultradireita. De paupérrimo e nulo programa, sem propostas positivas, mas ultrademagógico e ameaçador, como se o futuro do Brasil pudesse ser determinado pela ameaça do dedo no gatilho. Um «pensamento único» sem pensamento, mas gritaria e coação sobre a liberdade e a democracia. (mais…)

      Atualidade, Democracia, Opinião

      O Brasil entre democracia e barbárie

      Um dos aspetos mais chocantes, e também mais perigosos para a sobrevivência da democracia, que nos mostra uma observação externa da situação política brasileira e das eleições presidenciais a decorrer, prende-se com a extrema polarização do sistema político do país, traduzida num grau de cegueira, de intolerância e de ódio que, do ponto de vista histórico, apenas conhecemos em momentos raros e críticos, nos quais, noutros lugares, o sistema político, a vida social e o Estado de direito estiveram à beira do colapso. Não se trata já do confronto entre projetos diferentes ou contraditórios de política e de sociedade apostados na mobilização ou no convencimento do eleitorado, como acontece naturalmente nas democracias de tipo representativo, mas de uma luta sem quartel, na qual um dos lados tem como objetivo central, tanto quanto governar a qualquer preço, o esmagamento do seu opositor, das suas ideias e até do seu estilo de vida. (mais…)

        Democracia, Direitos Humanos, Opinião

        Enfrentar o fanatismo

        Proponho um pequeno e valioso livro do escritor e intelectual israelita Amos Oz há pouco editado pela Dom Quixote. Caros Fanáticos reúne três artigos onde se procura compreender o flagelo contemporâneo do fanatismo, fazendo a apologia da moderação e do conhecimento como seu antídoto. Oz, convém recordar, é uma personalidade com um posicionamento particular em Israel: adepto de um pensamento laico e democrático, é de há muito uma das vozes mais relevantes entre aquelas que defendem para o longo conflito israelo-palestiniano uma solução de dois Estados pacíficos e pluralistas, em condições de colaborar entre si.

        O autor destaca a antiguidade do fanatismo, que recorda ser «mais velho do que o Islão, do que o Cristianismo, do que o Judaísmo», declarando que a sua própria infância em Jerusalém, cidade de encontros e de conflitos, o havia convertido numa espécie de «especialista em fanatismo comparado». É a experiência desta «especialização» que procura transmitir ao longo destas páginas, esforçando-se por explicar o ódio instalado e sobretudo por mostrar a sua inutilidade. (mais…)

          Democracia, Direitos Humanos, Leituras, Opinião

          Os tempos mudaram

          Bastian Kienitz

          O recente episódio mediático ocorrido com a viagem de António Costa a Angola, quando uma evidente falha dos serviços de protocolo fez com que a indumentária mais informal do primeiro-ministro usada à chegada a Luanda se transformasse, na imprensa e nas redes sociais, em arma de arremesso contra si e o seu governo, conduziu-me até ao passado. Ao encontro de uma das vertentes dos preconceitos atávicos contra esquerda expressos por setores conservadores. Ao mesmo tempo, revisitei fantasmas a habitar ainda velhos armários.

          Entre 1971 e 1977, ano em que dela me afastei por razões de ordem moral – as divergências políticas chegariam mais tarde –, mantive uma militância ativa na esquerda à esquerda do PCP. Na época, os setores conservadores gostavam de associar uma atitude social própria de parte dos que se afastavam da velha ordem a determinadas formas do estar e do parecer. Estas traduzir-se-iam em escolhas relacionadas com o estilo de vida, a etiqueta, o vestuário ou a higiene, que tais setores apontavam na tentativa de denegrir os que delas participavam e os ideais que partilhavam. Ao mesmo tempo, um certo senso comum, apoiado numa ética elitista que chegava à classe média e tinha em boa medida uma raiz geracional, exibida principalmente pelos mais velhos, desqualificava muitos deles como pessoas sem maneiras, que vestiam de forma descuidada e não gostavam especialmente de tomar banho. (mais…)

            Atualidade, História, Memória, Opinião

            A indiferença, o deserto e o futuro

            Desde que em 1982 comecei a ensinar na universidade, a cada Julho costumo fazer um balanço da forma como correram as aulas. Até há pouco, e mesmo sendo juiz em causa própria, considero que ele foi sempre globalmente positivo. Sem falsa modéstia, e retirando uma ou outra situação pontual menos boa, inevitável numa experiência que envolveu meia centena de disciplinas e seminários, cerca de setenta orientações de pós-graduação e ao redor de vinte mil alunos e alunas, acredito que o esforço e a entrega valeram sempre a pena. A memória que tenho da larguíssima maioria das aulas e dos alunos, mesmo de muitos dos menos empenhados, foi quase sempre a de envolvimento, curiosidade e aproveitamento médio, bom ou excelente. Ao ponto, tantos anos depois, de permanecer na memória de largas centenas deles, que continuam a transmitir-me constantes e até afetuosos testemunhos de que o esforço compensou. (mais…)

              Ensino, Olhares, Opinião

              Futebol, desgosto e impunidade

              Sempre gostei de futebol, mas jamais da «clubite», que se compraz mais com as derrotas do adversário que com as vitórias próprias, ou do fanatismo, que tudo transforma em território de incompreensão e ódio. Bill Shankly, treinador do Liverpool entre 1959 e 1974, afirmou certa vez que «o futebol não é uma questão de vida ou de morte, mas algo bem mais importante do que isso», e eu concordo com ele. É, ou pode ser, uma paixão ou um interesse que dá algum sal à vida, como muitas outras pequenas coisas. Foi o que aprendi em criança, enquanto esfolava os joelhos e os sapatos na «Rua da Manha», a pequena calçada escondida do olhar vigilante das mães, onde, por vezes com bola de trapo ou papel atado com um cordel, jogávamos pelo prazer simples de o fazer. A frase de Camus sobre o futebol como escola de vontade e de fraternidade faz todo o sentido quando recordo aqueles jogos semiclandestinos de muda aos cinco e acaba aos dez. (mais…)

                Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião

                O Maio de 68 (ainda) e a invenção do passado

                1. É natural que uma efeméride como a que acaba de envolver os cinquenta anos decorridos sobre o movimento de Maio de 1968 em França suscite leituras contraditórias. Se elas já o eram na época, se assim se foram mantendo ao longo de décadas, não existe razão alguma para que não continue a ser assim. Como sempre, essas leituras são frequentes vezes influenciadas, a meu ver negativamente, por dimensões de sectarismo, de wishful thinking, de nostalgia e de escasso conhecimento, não só do que realmente aconteceu – e não interessa aqui se alguns dos comentadores «estiveram lá» ou não -, como dos debates sobre a interpretação do episódio que nestes cinquenta anos têm acontecido. (mais…)

                  Democracia, História, Memória, Opinião

                  A morte assistida e o dilema do PCP

                  1. Se tivesse nascido três ou quatro anos mais cedo, provavelmente teria sido «companheiro de jornada» ou mesmo militante do PCP. Esse era o destino mais plausível para um jovem que tomasse consciência da realidade de um país socialmente desigual, amordaçado, fechado e envolvido numa guerra injusta, e possuísse vontade sincera e a coragem suficiente para correr riscos ao ajudar a transformá-lo. O Partido Comunista representou, até ao final da década de 1960, praticamente a única possibilidade de conceber um país-outro, de pertencer a um coletivo que se opusesse de facto ao regime, e era, para quem conhecesse a sua luta, um exemplo admirável de tenacidade e heroísmo.

                  Mas não foi assim: despertei para a política aos 15, a idade que tinha na primavera de 1968. Por esses dias, em lugares como Paris e Praga, surgiam hipóteses, que, embora por vezes ingénuas, emergiam, sobretudo junto de muitos ativistas mais jovens, como alternativas aos males do capitalismo, mas também ao modelo autoritário e esgotado do «socialismo real» e aos partidos que nele viam um bom exemplo. O «Maio de 68» e a «Primavera de Praga», brutalmente esmagada em Agosto com a entrada dos tanques soviéticos, representou para muitos dos da minha geração um corte com uma possibilidade que deixava de os mobilizar. Foi contra os efeitos desta clivagem que em 1970 Álvaro Cunhal escreveu O radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista, o seu texto menos sustentado e mais injusto. Muitos continuaram a respeitar o PCP, a sua história, a sua luta, não se tornaram «anticomunistas», mas passaram a estar mais atentos à forma como as suas escolhas e leituras foram tendo dificuldade em lidar com alguns aspetos da rápida mudança do mundo e das formas de nele viver, por aquela época sentida também em Portugal. (mais…)

                    Atualidade, Democracia, História, Opinião

                    O simples, o complicado e o complexo

                    Começo por um episódio ocorrido há poucos dias durante um debate televisivo. A dada altura, um dos participantes afirmou: «Isto [um aspeto do tema em debate] pode ser visto como branco, azul, vermelho, amarelo, verde ou preto». Comentário do pivô: «Portanto, pode ser branco ou preto». A réplica do comentador: «Essa é uma ideia simplista». E de novo o pivô: «Devemos dar ideias simplistas às pessoas». O episódio pode parecer inventado, mas não foi: o diálogo (mais vírgula, menos vírgula) decorreu desta forma. Infelizmente, mostra uma tendência, que não nasceu hoje, mas tem vindo a acentuar-se, segundo a qual tudo deve ser reduzido, «para que as pessoas entendam», ao menor denominador comum. (mais…)

                      Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião

                      A Rússia de Putin como mito de substituição

                      Lembrou Northrop Frye em The Double Vision que em todas as épocas se constituem «estruturas de ideias, imagens, crenças, juízos pré-concebidos, ansiedades e esperanças que exprimem uma perspetiva da situação humana e de um dado percurso que se encontra a ser percorrido». Essas estruturas tomam frequentes vezes a forma de mito, sempre entendido como uma narrativa muito idealizada, que partindo da realidade a fantasia, procurando assim explicá-la e condicioná-la. Por vezes, quando as circunstâncias fazem com que se esgote essa forma de representação da realidade, define-se um «mito de substituição», apoiado numa outra narrativa, nova ou adaptada, que ocupa o lugar da primeira e procura responder a algumas das anteriores expectativas. (mais…)

                        Atualidade, Democracia, Opinião

                        Cultura e responsabilidade política

                        A desastrosa decisão da Direção-Geral das Artes e do Ministério da Cultura, traduzida na negação de apoio material a estruturas indispensáveis no campo do teatro, da música e das artes visuais, desencadeou uma tempestade que se adivinhava desde há algum tempo e poderia ter sido evitada se os critérios de financiamento tivessem sido mais transparentes, justos e realistas. Espera-se agora que a situação possa ser resolvida, pelo menos no que respeita às consequências mais gravosas para a sobrevivência de organismos culturais insubstituíveis, com décadas de experiência profissional, atividade criteriosa e reconhecimento do público e da crítica. (mais…)

                          Artes, Atualidade, Democracia, Opinião

                          Redes sociais e democracia

                          O caso sucedido com a empresa Cambridge Analytica (CA) vem ampliar a consciência do perigo para os regimes democráticos da manipulação das redes sociais. A CA, fundada em 2013 pelo bilionário conservador Robert Mercer, está sediada em Londres e tem por missão coligir e analisar dados visando intervir em processos eleitorais. Num primeiro olhar, pode parecer que em pouco se distingue de uma vulgar empresa de sondagens, como aquelas que todos conhecemos atribuindo-lhes um papel relativamente inócuo. Porém, a CA vai muito mais longe: acaba de comprovar-se que com a passividade cúmplice da empresa que gere o Facebook recorreu a dados coligidos a partir dos perfis individuais de 50 milhões de utilizadores desta rede social – inquirindo opiniões, interesses, hábitos e consumos – para influenciar o eleitorado norte-americano nas eleições presidenciais de 2017. Suspeita-se que o fez também em dezenas de outros países, como o Brasil, o México ou o Quénia. (mais…)

                            Atualidade, Cibercultura, Democracia, Opinião

                            Uma dupla questão de moral

                            Poderia abordar este assunto de outra forma, mas dada a polémica na qual acabei por me ver envolvido, terá de ser assim. No dia 3 de Março, na sequência das notícias sobre o convite feito a Pedro Passos Coelho pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), da Universidade de Lisboa, no sentido de o ex-primeiro-ministro passar a ensinar ali como professor catedrático convidado, deixei no meu mural do Facebook uma curta nota. Transcrevo-a na íntegra:

                            «Nada tenho contra a possibilidade de um ex-governante lecionar numa universidade. Independentemente das suas escolhas políticas. Nada tenho contra o acesso especial à carreira universitária, inclusive em lugares do topo, a pessoas de reconhecido mérito, cuja experiência e obra, ainda que desenvolvidas noutros lugares que não a sala de aula, possam acrescentar algo em termos de conhecimento ou de real prestígio para a escola. Ora é aqui que bate ponto no caso agora em apreço: sem formação, mérito ou reconhecimento não faz sentido, a não ser por nepotismo, o convite dirigido pelo ISCSP a Passos Coelho. É uma desonra para uma escola pública, e uma afronta para quem, no sistema universitário, tanto dá ao longo da vida subindo custosamente a pulso, ou nem sequer o consegue fazer devido ao rigoroso limite de vagas.» (mais…)

                              Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião

                              8 de Março: mulheres e feminismos

                              A ideia da criação do Dia Internacional das Mulheres surgiu na viragem do século XIX para o seguinte, no contexto das suas lutas por melhores condições de vida e trabalho, e pelo direito ao voto. Em agosto de 1910, durante a Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas que decorreu em Copenhague, Clara Zetkin propôs a instituição de uma celebração anual das lutas pelos direitos das trabalhadoras. Em 1921, numa reunião que teve lugar em Moscovo, a data de 8 de Março foi finalmente fixada por iniciativa da revolucionária bolchevique Alexandra Kollontai.  Em 1975 a ONU adotou a mesma data, hoje celebrada em quase todo o mundo. Porém, mesmo entre os que hoje reconhecem a sua importância existem algumas atitudes equívocas. Destaco aqui três:

                              A primeira, a mais visível, consiste em transformar a data principalmente numa ocasião para o comércio, colocando muitos homens, na qualidade de consumidores, a despender dinheiro para oferecer prendas que representam muitas vezes a figuração simbólica da própria subalternidade das «homenageadas». Nada contra a oferta de flores, de roupa ou de tratamentos de beleza, obviamente, mas esta pode ser feita em qualquer altura e nada tem a ver com a luta pública das mulheres pelos seus direitos, antes configurando, como meras «homenagens às senhoras», uma essencialização do «eterno feminino», conferindo à «mulher» um papel passivo e ornamental que perpetua os fatores de discriminação e desigualdade. (mais…)

                                Apontamentos, Democracia, Direitos Humanos, História, Opinião

                                Isto não pode ser a América

                                Reencontrei há dias uma piada antifranquista, criada nos anos que se seguiram ao final da Guerra Civil de Espanha, que exprime uma espécie de humor trágico, mas ao mesmo tempo possuidor de uma forte carga de esperança, protagonizado pelos derrotados que acreditam ter a razão histórica do seu lado, por oposição aos que foram os vencedores de ocasião: «Perdemos as grandes batalhas, mas ficámos com as melhores canções». Esta imagem pode ser replicada sempre que abordamos as perspetivas da história que não consideram o caráter temporário de todos os equilíbrios políticos, entendendo, de uma forma completamente redutora e ingénua, o seu próprio presente como eterno. (mais…)

                                  Atualidade, História, Opinião

                                  Entre o passado e o futuro

                                  Uma destas noites sonhei que voltara ao passado, mas que o fizera de um modo calculista. Fora lá roubar, para usar nestes dias sombrios de inverno, aquilo que ele tinha de melhor. Não a juventude necessariamente insensata ou a energia desmedida, que recordo sem grande nostalgia e para as quais, à medida que as fui perdendo, fui achando alternativas. Também não fui lá buscar as memórias, mesmo as melhores, pois sei que elas têm sempre a forma de fábulas que embelezamos. Afinal, nesse passado fui tão feliz e tão infeliz quanto o sou hoje, ainda que em escalas e por motivos diversos. Naquele «sonho adormecido» – usando o termo cunhado pelo filósofo Ernst Bloch – fui recuperar outra coisa, que permanece perpétua, transcendendo o curto tempo de vida que sempre nos cabe. Falo da absoluta crença na possibilidade de construir um mundo melhor, e também da vontade de transformar a realidade, sabendo que nelas se misturam, em partes desiguais, a imaginação da utopia e a imersão nessa dose de realidade que sempre a confronta. (mais…)

                                    Heterodoxias, História, Olhares, Opinião

                                    Partidos e opinião «antipartidos»

                                    Para não ser mal interpretado logo no primeiro parágrafo, esclareço que de modo algum participo da retórica contra os partidos próxima de um certo padrão de senso comum. Determinada pela despolitização ou pela ignorância, e alimentada pelo autoritarismo, ela insiste em tomar a parte pelo todo, acusando-os dos maiores desmandos. Muito pelo contrário, com os defeitos e qualidades inerentes ao humano, considero-os absolutamente indispensáveis ao funcionamento da democracia. Justamente por isso, excluo da sua defesa aqueles que caucionam sem reservas regimes de partido único, pois sem o contrapeso do contraditório estes abrem-se a todas as perversões, transformando-se em instrumentos de coação da liberdade. (mais…)

                                      Atualidade, Democracia, Opinião