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Livros: o deserto da imprensa

Sabia que assim era, mas afinal ainda é pior. Ao preparar uma lista de jornalistas e de jornais ou revistas a quem enviar um exemplar do meu novo livro para eventual escrita de uma notícia ou nota crítica, tomei consciência «de facto» de como em muitos jornais a secção de livros e de cultura desapareceu, enquanto nos outros foi reduzida ao mínimo. Alguns ainda acabaram há pouco ou está em vias de lhes acontecer a mesma coisa. Pior: a escassa divulgação cinge-se agora quase apenas à ficção e, embora bem menos, a alguma poesia, como acontece com uma publicação onde até fiz crítica de livros por mais de uma década. A não-ficção – ensaio, biografia, crónica – confina-se agora a «estrelas» internacionais que vêm a Portugal promover a edição local dos seus livros, ou a obras sobre temas quentes e tantas vezes passageiros. Tudo isto enquanto, paradoxalmente, se publica como nunca. O lixo literário divulgado pela publicidade paga, esse abunda. Mas, como refere a conhecida consigna, «a luta continua», embora não se saiba se a vitória é certa.

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    Arrogância e cobardia nos EUA e por todo o lado

    A cada dia que passa, as notícias que nos chegam dos EUA sobre a contínua extensão do autoritarismo, do combate contra a igualdade, da regressão civilizacional e da afirmação triunfante da estupidez e da desumanidade, são cada vez menos surpreendentes. Provavelmente, já nos habituámos a esperar tudo, mesmo o que ainda há pouco tempo era considerado inimaginável, da parte da segunda administração Trump e das forças políticas e sociais que a temem e, por isso ou por cumplicidade, com ela contemporizam.

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      Etc.

      Um país seguro, tenham paciência

      Em 2025 Portugal subiu uma posição (7º lugar global, 5º da Europa, em 163) e ultrapassou a Dinamarca na lista dos países mais seguros. Esta é a verdade, reconhecida pelo Institute for Economics and Peace, que contraria a mentira generalizada, construída sobre pequenos episódios, propagada pela extrema-direita e que agora o nosso centro-direita também adotou. Documento completo: https://www.visionofhumanity.org/wp-content/uploads/2025/06/Global-Peace-Index-2025-web.pdf

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        Cuidado com o Academia.edu

        Comecei em janeiro de 2021 a usar a versão Premium do Academia.edu. Tem inúmeras vantagens, desde servir de repositório público para as nossas publicações, até oferecer as de muitas outras pessoas, pesquisando por temas e mesmo por conteúdo dentro das dezenas de milhões de textos que armazena. E avisando também sobre a entrada de novos artigos que nos possam interessar. Só vantagens, parece. Ao ponto de se ter transformado num lugar fulcral para a divulgação do meu trabalho, para a investigação e para contactos.

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          «No prelo»

          Ao passar por um dos meus artigos académicos iniciais, publicado em 1982, deparei com a referência a um segundo volume de um título cujo primeiro tomo citei, indicando-o como estando «no prelo». Isto é, em fase de impressão tipográfica. Era ainda uma prática muito usual, a de fazer sair obras em dois volumes indicando que o segundo se encontrava nessas condições. Num grande número de vezes, porém, nem isso era verdadeiro: tratava-se apenas de uma intenção jamais cumprida. Costume também era alguém indicar um título seu, fosse de livro ou de artigo, que considerara a hipótese de publicar, como estando no tal inexistente «prelo». Tratava-se de uma forma artificial – talvez melhor: fraudulenta – de ampliar currículos pequenos ou inexistentes.

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            Apontamentos, Etc., Memória, Olhares

            Trump e as dificuldades dos analistas

            Não recordo outro momento da história recente no qual os analistas políticos se mostrem tão claramente incapazes de interpretar os acontecimentos e, sobretudo isso, de lhes antecipar as consequências. Pior ainda que a primeira, a segunda versão da presidência Trump confronta-se com escolhas erráticas, medidas tomadas por impulso, sobreposição afirmativa do ego ao interesse coletivo, incapacidade para promover uma ideia clara e lhe dar sequência, narcisismo doentio, perversão de regras básicas da sociabilidade e da diplomacia por troca com comportamentos sempre inesperados e agressivos, muitos deles a raiar a arruaça. Isto é, atitudes doentias, de um foro cada vez mais claramente patológico, assumidas por quem governa a nação militar e economicamente mais poderosa do planeta. Nesta condições, todo o juízo crítico do analista, que não é um adivinho, é sempre arriscado, com tendência para se concentrar nas meras hipóteses e para se tornar falível cinco minutos depois. Algo novo, particularmente perigoso, dado abordar o rumo de quem tem nas mãos o poder imperial supremo da paz e da guerra.

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              Ninguém é apenas admirável

              Pelo que conheço da espécie humana, concordo plenamente com a frase de Franco Basaglia «de perto ninguém é normal», tantas vezes atribuída a Woody Allen ou a Caetano Veloso. O mesmo se aplica às pessoas que, em abstrato, e sobretudo quando desaparecem, consideramos admiráveis. Pelas circunstâncias e pela extensão da minha vida, conheci de perto largas centenas de homens e mulheres notáveis, hoje já fora desta vida, que, quando partiram – e mais agora com a facilidade das redes sociais – foram logo associados apenas ao que de melhor foram fazendo. E, todavia, sabendo o que sei (e vi) de muitas delas, vejo como tantos elogios são por vezes exagerados ou até de todo imerecidos.

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                Apontamentos, Etc., Olhares

                Uma memória do sectarismo

                Sem vontade de escrever uma autobiografia, incluo por vezes, em textos vários, alguns detalhes autobiográficos, tendo desde há anos o projeto de lembrar, sem nomes ou números de porta, momentos vivenciais sobre o sectarismo que dominou boa parte da oposição ao regime durante o período marcelista. Em particular no meio estudantil, onde uma vírgula num manifesto poderia bastar para criar cisões e alimentar inimizades entre pessoas de diferentes grupos maoistas, gente que se agrupava num dos trotskismos, e de todos ele em relação ao PCP. E vice-versa, claro, não sendo por acaso que Cunhal escreveu diatribes contra o «radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista». Existem episódios deste conflito, de certa forma fratricida, que dariam um livro bem curioso, alguns associados a desconfianças ainda não superadas.

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                  Apontamentos, Etc., Memória, Olhares

                  O pior que se pode fazer

                  O pior que podem fazer as pessoas que irão agora, necessariamente, procurar reerguer os partidos da esquerda estrondosamente derrotados nas legislativas, é, em vez de se voltarem para a realidade das pessoas comuns e para os equilíbrios do mundo atual, para uma análise de comportamentos repetidos e para a revisão dos dogmas, para a abordagem crítica de certas escolhas, discursos e comportamentos, preferirem agitar bandeiras enquanto apontam inimigos externos ou dentro do seu próprio campo, preocuparem-se mais com a sua própria justificação do que com os seus erros, refugiando-se na conjuntura como explicação para quase tudo. Em tantos anos de combate político já vivi demasiado para não experimentar este receio. Por isso sei que a capacidade crítica, a humildade e a lucidez serão agora fundamentais. E muita coragem também, obviamente.

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                    Um 1º de abril que «já era»

                    Bem sabemos que a mentira, o erro e a deturpação sempre existiram. Pelo menos desde a invenção da escrita, provavelmente até antes dela. Mas atualmente alguns orgãos de comunicação sedentos de atenção, associados à realidade selvagem das redes sociais, estão de tal forma cheios deles que a própria ideia de verdade foi banalizada. Tudo pode ser «verdade», como tudo pode ser «mentira», sejam elas com ou sem aspas. Neste contexto, as patranhas do 1º de abril deixaram de o ser, pois parte da piada consistia em encontrar uma mentira de certo modo única. Não uma «inverdade» entre milhares.

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                      Redes sociais, imagens e ignorância

                      Uma das marcas do acesso, agora quase universal, ao uso das redes sociais, passa, sabemo-lo bem, pela inclusão de pessoas que, antes de elas existirem, jamais tiveram ou teriam a possibilidade de comunicar de forma pública e rápida. Não dispõem, por esse motivo, dos códigos básicos de civilidade que as formas de comunicação para um público vasto foram desenvolvendo. Têm ainda, em grande parte, um escasso lastro em termos de conhecimento, facilmente acreditando, por este motivo, tanto no que observam ou podem ler – como outrora acontecia com quem julgava certo e sagrado tudo o que estivesse em letra de imprensa -, como no que dão aos demais a ler e a ver. 

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                        Apontamentos, Atualidade, Etc., Fotografia, Olhares

                        A quem me lê (ou quer escrever)

                        Em forma de compromisso – e talvez para me envergonhar por não o cumprir como gostaria –, já aqui falei da preparação de um conjunto de ensaios inéditos, em formato de livro, nos quais regressarei aos temas que nos últimos vinte e cinco anos mais me têm interessado e motivado. Já deveria estar pronta há mais de dois anos, embora, como acontece tantas vezes na vida de encruzilhadas que levo, o que é urgente tenha passado à frente do importante. Talvez para o final do ano possa estar pronta a ser impressa. Poderão insultar-me (moderadamente) se isso não acontecer.

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                          A nova oligarquia e o imperativo de lhe resistir 

                          A propósito da tomada de posse de Donald Trump, escreveu a jornalista Teresa de Sousa a dado passo: «O mais significativo foi, sem dúvida, a presença em lugar de destaque dos três homens mais ricos do mundo, que são também os donos de gigantes tecnológicas – Egon Musk, Mark Zuckerberg e Jeff Bezos. A nova “oligarquia tecnológica” de que falava Joe Biden no seu discurso de despedida. Também é justo lembrar que representam empresas extraordinariamente inovadoras que, por alguma razão, nasceram todas nos Estados Unidos. Na Europa os mais ricos ainda estão na anterior revolução tecnológica, dos automóveis ou dos aviões.» Uma aproximação, inevitavelmente simplificada, a uma nova dimensão da realidade mundial com a qual temos de conviver.

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                            O mal é o mal

                            Conto-me entre os muitos que, reconhecendo a solução pacífica dos dois Estados independentes e democráticos como a única justa e com a possibilidade de, a longo prazo, se tornar duradoura, solucionando o interminável e sangrento conflito israelo-palestiniano. Por isso mesmo, sou totalmente contrários à iniciativa no terreno dos violentos setores extremistas, sejam estes a extrema-direita ortodoxa de Israel, associada a Netanyahu e agora, previsivelmente, com um ainda maior respaldo da administração Trump, ou o Hamas palestiniano, apoiado pelo Irão e pelo Hezbollah. Pelo mesmo motivo, também não considero aceitável a existência de um mal menor, tomando os extremistas de ambos os lados como igualmente insensíveis ao sofrimento de ambos os povos, seja o outro ou mesmo o seu.

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                              Sobre a complexidade de tudo e de todos

                              Após aquela fase da vida associada à adolescência e à juventude, em que, como quase todos nós, salvo os naturalmente fracos ou medrosos, produzi verdades e absolutos sobre certas pessoas e a propósito de determinadas ideias, rapidamente me habituei a aceitar e a conviver com a complexidade de todos e de tudo. Logo deixei de dividir o mundo entre bons e maus, entre o preto e o branco, e talvez por isso, tendo toda a vida sido politicamente de esquerda, cedo também passei a rejeitar formas de sectarismo e a generalizações que neste campo por vezes divide os vivos entre «os nossos» e «os outros». Uma escolha que tem até gerado incompreensões da parte de gente de quem me sinto politicamente próximo, mas a quem perturba toda a tendência para a relativização e a rejeição do dogma. Ainda que esta escolha jamais tenha, acredito, questionado a defesa das convicções mais fortes e profundas que fui construindo.

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                                Femme Fatale

                                Há sensivelmente 17 anos, escrevi neste blogue um post que, lido hoje, de algum modo denuncia não apenas a transformação da minha leitura sobre o tema que aborda, mas também uma forma de pensar a masculinidade que vivi, como milhões de outros homens, num contexto cultural geracional que, podendo hoje ser reescrito, deve ser compreendido e não liminarmente criminalizado, como por aí está a suceder.

                                Eis o parágrafo:

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                                  A sua escolha

                                  Ao longo dos anos fui conhecendo direta ou indiretamente, e fui também acompanhando na sua atividade, muitas pessoas que dispunham daquilo a que já alguém chamou «um bom capital de prestígio e de poder». Muitas, colocadas em lugares de decisão a diferentes níveis, desfrutavam deles exibindo tiques de autoritarismo e arrogância, desinteressando-se por quem não lhes servisse para subir a sua colina e depois para manter-se lá no topo. E ali se foram conservando até que o tempo – o grande escultor do qual nos falou Marguerite Yourcenar no romance – fez o seu incessante trabalho, levando-as a entrar numa etapa da vida em que, num repente, perderam seguidores e bajuladores, supostos amigos até ali sempre de sorriso pronto, palmada nas costas e vénia à medida. Vejo-as hoje, tristonhas e curvadas, já sem préstimo para quem delas se servia, passarem na rua sozinhas, sem voz e sem séquito, à procura de quem lhes possa ainda estender a mão ou fazer um aceno de reconhecimento. Não teria de ser assim, mas foi a sua escolha.

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                                    Má educação e ar puro

                                    Começou por acontecer com alguns jornalistas que me contactavam para pedir informações relacionadas com certos temas ou situações. Em regra, se estivesse ao meu alcance e não violasse princípios de ética dos quais não abdico, prontamente respondia. Por vezes, informava que não tinha forma de responder, disponibilizando-me no entanto para outra altura. Na larga e crescente maioria dos casos, nem um obrigado. Depois, começou a ocorrer com colegas organizadores de eventos ou publicações académicas, que perguntavam se estava disponível para colaborar. Quando não podia mesmo, ou não me interessava, ou não me considerava a pessoa certa, dava conta da impossibilidade, sempre de forma educada e cordial, agradecendo e ficando ao dispor. Uma palavra de apreço pela resposta, nem vê-la. Tornou-se um hábito, num universo ainda há não muitos anos maioritariamente pautado pela afabilidade e a ajuda mútua, o império do interesse imediato determinado pela «carreira» sobre o valor da relação pessoal. Face a esta feia e tristonha realidade, há anos que comecei a fazer uma lista negra de pessoas que passaram por este crivo, a quem por certo não mais responderei positivamente. Tenho bastante cuidado com a pureza do ar que respiro.

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