O voto como forma de participação

Thomas Jefferson, terceiro presidente dos Estados Unidos e um dos «pais fundadores» da nação americana, escreveu pelos finais do século XVIII que, em democracia, as maiorias dependem mais do grau de participação de quem lhes dá forma que da mera soma dos votos que as produzem. Tantos anos depois, esta afirmação – mesmo tendo em conta que o conceito de democracia de Jefferson se encontra hoje muito datado – mantém a sua grande justeza. Isto tem sido comprovado por um grande número de experiências, do passado e do presente, nas quais a maioria dos votos concedidos em eleições a um partido ou a um candidato, por não corresponder a um efetivo compromisso político da maior parte dos cidadãos que a exprimiram, acaba por desvalorizar a própria democracia.

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    O problema do voto de protesto

    Tem-se falado muito do papel do voto útil, mas não do desempenhado pelo voto de protesto. O tema foi de certo modo trazido hoje para o debate por um artigo de opinião da autoria de Boaventura de Sousa Santos saído no Público («A esquerda é burra?»). Nele se coloca a possibilidade de, no dia 30, poder existir alguma transferência de voto do PCP, e sobretudo do BE, para a extrema-direita. Foi o suficiente para um grande número de pessoas se erguer em protesto contra uma possibilidade que lhe parece impossível, passe o pleonasmo. Infelizmente, se olharmos com atenção para a realidade, veremos que assim não é.

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      Ler de lápis na mão

      Não recordo o momento preciso em que deixei de ler só banda desenhada ou os livrinhos da coleção «Seis Balas», e passei a ocupar-me com volumes inteiros de centenas de páginas. Talvez por volta dos dez, quando atravessei a fase Enid Blyton, logo seguida da Emilio Salgari e da Júlio Verne. Mas desde essa época mantenho um hábito inalterado: jamais ler um livro sem ter à mão um lápis, para o sublinhar e anotar nas próprias páginas, ou então, se o não puder fazer, numa folha A4, dobrada em quatro, que serve também de marcador. Agora, quando sobretudo no campo da teoria leio mais em formato digital, faço a mesmíssima coisa, uma vez que os programas de leitura eletrónica já permitem o expediente.

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        «Vanguardas» na retaguarda

        No campo da criação artística e literária, ou no das ideias políticas e filosóficas, a intervenção das vanguardas é fundamental para a afirmação do novo que sempre acompanha a abertura de caminhos em direções não experimentadas e fecundas. A palavra vanguarda vem, aliás, da antiga literatura militar, servindo noutros séculos para identificar o pequeno e móvel corpo de batedores que se movia muito à frente dos exércitos, reconhecendo os terrenos por onde seguiria depois o grosso das tropas ou onde se travaria a batalha, e identificando o tamanho, a capacidade e a disposição do inimigo.

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          Uma agenda plural de esquerda

          Este artigo sobre as legislativas foi começado há semanas, ainda sob o efeito de choque da reprovação do Orçamento. Levou, entretanto, algumas voltas, embora as ideias que contém sejam sensivelmente as mesmas da primeira versão, compensando apenas a surpresa e a perturbação daquele momento com uma maior intervenção da razão. Reflete a posição de um cidadão sem partido, politicamente empenhado e alinhado à esquerda – afirmar a antinomia esquerda-direita como ultrapassada, como volta agora a escutar-se, é sempre uma posição de direita – que procura refletir sobre esta nova encruzilhada em que se encontra a nossa democracia.

          Não devemos esquecer o que passámos nos últimos dez anos. Em 2011, quando a direita neoliberal tomou conta do governo e impôs quatro anos de depauperamento, perda de direitos e depressão coletiva, foi possível compreender o que poderia representar romper o cordão umbilical com os avanços sociais conquistados a partir da Revolução de Abril. No contexto da crise financeira e de uma aceitação total dos ditames da troika, o governo PSD/CDS deixou então os mais desfavorecidos e a classe média entregues ao seu destino e à incerteza. Um tempo felizmente fechado quando, com as eleições de 2015, um governo do PS sustentado numa maioria parlamentar plural de esquerda foi capaz de reverter essa tendência, inaugurando um tempo de reposição de direitos e de progresso. 

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            A barragem da banha-de-cobra

            Lembrar-se-ão alguns dos velhos vendedores da banha-de-cobra, ou de cobertores e de atoalhados, hoje já raros por cá, cuja principal técnica publicitária consistia, depois de equilibrados em cima de uma cadeira que traziam na carrinha, e com ou sem o auxílio de um altifalante, em bombardear as pessoas que circulavam por feiras e mercados com uma barragem de palavras projetadas a mil à hora. Alguns cidadãos deixavam-se seduzir por tanto palavreado, e lá compravam um frasco, um boião ou um conjunto de peças. Um amigo aqui do Facebook – que me desculpe não o identificar, mas já não me consigo recordar de quem foi – divulgou hoje um exercício interessante feito a partir do debate que opôs André Ventura a Rui Tavares.

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              Votos por uma maioria plural de esquerda

              Sou um/uma dos/das 100 cidadãos e cidadãs sem partido, de diversas profissões, que subscrevem este apelo coletivo, saído hoje no diário Público, ao voto por uma maioria plural de esquerda. Não irei sugerir, a título pessoal, a escolha de um dos partidos de esquerda com a possibilidade de obter representação parlamentar (BE, PCP-PEV, PS e Livre), embora no dia 30 vá votar num deles. A prioridade das prioridades é impedir a direita de regressar ao poder. [RB]

              Em 2015, os entendimentos à esquerda permitiram reverter medidas socialmente injustas e economicamente contraproducentes impostas pela troika e pelo governo de direita. Mostraram também que foi possível fazer convergências à esquerda em torno de objetivos concretos, mesmo no quadro de constrangimentos europeus que continuam a limitar o alcance das mudanças. A longevidade da solução política então encontrada superou todas as expectativas iniciais.

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                O mural-dazibao

                O dazibao era o cartaz escrito à mão em grandes caracteres usado na China, durante a «Grande Revolução Cultural Proletária», para denunciar como contrarrevolucionários todos aqueles que não seguissem os ditames do comité local dos «guardas vermelhos» ou as diretrizes erráticas do pequeno grupo que então tinha tomado conta do Partido Comunista. Nele não se falava do futuro, do progresso, das necessidades das pessoas ou da beleza do socialismo, apenas se destilava ódio, se atacavam homens e mulheres – muitos/as deles revolucionários de longa data – ou se humilhava quem ousasse discordar da inapelável «linha vermelha». 

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                  Uma leitura simplista

                  Como muitas pessoas que conheço, também «pus a rodar» na Netflix o filme Não Olhem para Cima (Don’t Look Up), de Adam McKay. Confesso que dos 145 minutos que dura, terei visto pouco mais de 30, e por este motivo – sem ser como aqueles críticos que de um livro que avaliam apenas leram o primeiro capítulo e a contracapa – não irei fazer aqui qualquer comentário. Tendo encontrado alguma originalidade no argumento não vi mais apenas porque ela não foi suficiente para conter o aborrecimento que fui sentindo. E eu jamais leio um livro, oiço um disco ou vejo um filme apenas por sacrifício. Pode ser que a minha perspetiva tenha resultado de um estado de espírito circunstancial, pelo que conto dar ainda uma nova oportunidade ao filme.

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                    Blá-blá-blá, «na minha opinião»

                    Palavras e frases entram e desaparecem, como bordões da fala, de acordo com diferentes tendências ou modismos. Ao facultar exemplos, a comunicação social, em especial a televisão, tornou este processo, mais constante e célere do que ocorria em passados mais distantes. Entretanto, quem tem a profissão de professor tem a sorte (algumas vezes, também o azar) de perceber melhor esta transformação, pois os seus alunos são um bom indicador das palavras ou das frases que estão em voga, bem como daquelas que estão a desaparecer ou de todo eles já não usam. Por vezes, isto já me aconteceu em alguns momentos, o próprio professor adquire aquele tique e, sem dar por isso, de repente já o está a usar, colaborando na sua disseminação. Outras vezes é forçado a mudar para ser plenamente entendido. Não vejo nada de mal nesta tendência, que apenas torna mais veloz o processo infinito e constante de metamorfose das línguas. Aliás, língua alguma, salvo aquelas julgadas mortas, escapa a essa dinâmica, por muito que alguns puristas procurem evitá-lo ou disfarçá-lo com normas excessivamente rígidas.

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                      30 anos (29 para mim) de Internet

                      O Público lembra hoje um importante ponto de viragem: «Portugal passou a estar plenamente integrado na Internet há precisamente 30 anos. Foi em Dezembro de 1991, graças a uma ligação entre Lisboa e Amesterdão, e à delegação e controlo do domínio .PT em entidades portuguesas. E foi fruto da persistência de cientistas portugueses que acreditavam que a solução ideal para uma futura rede mundial de computadores passava pela tecnologia IP (Internet Protocol), que nascera nos EUA. Desde então, muita coisa mudou – tanto no país como também na rede.»

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                        O horrível plural majestático

                        Admito que se trata de implicação. É-me insuportável ler textos que se sirvam do plural majestático, o recurso estilístico que tende a tornar comum o que na realidade é pessoal. Foi e é atributo de reis e rainhas, ou de pessoas da alta nobreza, que assim procuram assimilar a sua vontade à do povo que superiormente pretendem representar e dirigir. A locução serve-se com frequência uma exceção gramatical que articula plural e singular: «nós fomos recebida/o». Tem vindo, no entanto, a ser abandonada. Em 1989, a antiga primeira-ministra britânica Margaret Thatcher foi ridicularizada pela imprensa quando usou o plural majestático para anunciar que se tornara avó. O papa João Paulo II colocou um ponto final na sua utilização nos discursos públicos, embora o uso da fórmula permaneça ainda em muitos dos escritos oficiais da Igreja católica.

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                          O culto da aparência e o recuo do essencial

                          Precisei certa vez de avaliar um trabalho de doutoramento sobre Miguel de Unamuno, o ensaísta, filósofo e professor, natural de Bilbau, que no ano de 1936, dois meses antes de morrer em prisão domiciliária, enfrentou em sessão solene na Universidade de Salamanca, da qual era então reitor, o general franquista Millan-Astray e uma turba de falangistas que gritava «Viva la muerte!». O trabalho tinha qualidade, mas apresentava na capa uma fotografia, supostamente de Unamuno, que era na realidade de José Ortega y Gasset, o filósofo madrileno que viveu parte do exílio em Portugal. Como me competia, chamei a atenção para o que julgava ser um lapso, mas a autora não só manteve a escolha como veio posteriormente a publicar o estudo repetindo o erro.

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                            Razão ao Livre

                            Talvez isto possa parecer, ou ser mesmo, um tanto pretensioso, mas existirá por aí quem me conheça um pouco e lhe reconheça algo de verdadeiro. Jamais pauto posições públicas que possa exprimir apenas por critérios de amizade, de proximidade ou de conformidade a uma norma ou a um programa, seja com pessoas ou com entidades coletivas, incluindo-se nestas instituições, partidos, movimentos e causas. Se considero certa e necessária uma escolha ou uma campanha, e a minha palavra não for contraproducente para elas, digo o que penso sem qualquer problema. Se for injusta e for preciso contrariá-la, a mesma coisa.

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                              Escrever muito e seguir em frente

                              Sempre tive grande admiração, e também alguma inveja, pelas pessoas muito jovens que escrevem de forma perfeita. Conheci várias, em particular um amigo morto, que antes dos dezoito era já capaz de escrever três mil caracteres sem a necessidade de rasurar uma palavra ou de acertar uma concordância. Já eu, com quem ele partilhava tarefas militantes que passavam pela escrita, precisava de sucessivas emendas para ter um texto em condições de ser lido por outras pessoas. Nunca deixei de manter esse trabalho de detalhe e até nas redes sociais jamais escrevo três linhas sem alterar alguma coisa mais que uma vez.

                              Escrevendo em géneros diferentes, em todos conservo essa prática, e é por isso que estou sempre a ver textos por mim produzidos há dez, vinte ou quarenta anos que hoje olho com distância ou gostaria de retirar do mercado. Tenho a certeza de que sempre manterei essa luta insana, algumas vezes obsessiva, pela impossível perfeição. Por ela sei que as águias da escrita que conheci tão novas eram afinal exceções, e que a maioria é, como eu, sobretudo um operário desse labor. Dando-se todos os dias ao esforço de escrever muito, de ler mais para aprender, e de seguir em frente sem temer pelo inevitável defeito.

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                                Utopias que geram distopias

                                Um dos problemas da produção daquelas utopias que se supõe conceberem, nos planos literário ou filosófico, modelos de sociedades tomadas como perfeitas, é que tendem a tornar-se distopias. De um não-lugar imaginado como equilibrado, justo e feliz para um espaço social de opressão, desespero e privação. Infelizmente, a história, sobretudo a do século XX, está cheia de exemplos desta natureza, remetendo para experiências onde o horror foi antecedido por uma expectativa de perfeição. Na verdade, a «mãe de todos as utopias», proposta por Thomas More, em 1516, na obra que deu o nome a todo um género, contém já de si a semente desse horror, uma vez que propõe como perfeita uma sociedade, em boa parte inspirada na vida monástica, onde, em nome da igualdade, não há lugar para a liberdade individual e todos os gestos são ferreamente legislados e impostos. Sendo tal concebido, como sabe quem leu a obra, em nome de uma proposta humanista de superação das iniquidades do mundo, e em particular as da Inglaterra da época do autor. Um ideal de bem transformado em fonte do mal.

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                                  Budapeste, Praga, Berlim

                                  Na vida de todos os dias, seja a pessoal ou a coletiva, nunca é boa solução encarar os erros e os maus momentos como se não tivessem acontecido, silenciando-os ou escondendo-os no fundo da consciência, de onde se presume não mais saírem. Na verdade, como mostrou a psicanálise, isto jamais acontece, pois acabam sempre por voltar, por vezes da pior maneira. A história vive um idêntico problema, com omissões e apagamentos que, tarde ou cedo, ressurgirão sob outra forma. A frase imperfeita de Hegel sobre a ocorrência de factos históricos «pelo menos duas vezes» foi esclarecida por Marx, que lhe juntou «a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa».

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                                    Declaração de leveza e de liberdade

                                    Desde o historicamente trágico desastre ocorrido em março de 2011 na Assembleia da República, com a entrega de mão beijada, com as consequências que sabemos e depressa pudemos sentir, do poder à dupla Passos e Portas, e ao longo de toda a última década, tenho procurado que a minha leitura opinativa da atividade da esquerda parlamentar portuguesa de modo algum belisque a possibilidade de, na diferença, esta se entender naquilo que é realmente importante para a maioria das pessoas. Ou seja, a democracia, o bem-estar, o desenvolvimento, a solidariedade social, a cultura e os direitos humanos. Tendo esse entendimento sempre como condição imperativa o afastamento da área da governação da dinossáurica direita lusa, adepta cega e contumaz do neoliberalismo e inimiga jurada de um Estado social regulador e protetor.

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