Do andarilho

As botas de Johnny Cash
Emana uma beleza profunda de American V: A Hundred Highways, o álbum póstumo de Johnny Cash acabado de sair. Gravado à beira da morte do «homem de preto», e poucas semanas depois do desaparecimento da sua companheira June Carter, soa quase sempre desafinado, sem qualquer máscara, punjente, frágil como um sopro – mas um último sopro de vida – ao qual é impossível ficar indiferente. Porque Cash fala ali sobre o passado das estradas percorridas, dos quartos alugados, dos amores perdidos, da solidão: “I have been a rover, I have walked alone”. Mas sempre sem arrependimento.

    Novidades, Olhares

    Caminho do mar

    Mal assinalada em certos mapas, inteiramente ausente da maioria deles, a ilha utópica de Philos – concebida por Martigny, na Voyage d’Alcimédon (1789), como um república das artes e do amor – encontra-se protegida do mundo por uma geografia singular: a única parte da sua costa que não se encontra cercada por escarpas e enormes rochedos é um pequeno vale. Aí, porém, as águas são tão pouco profundas que os navios têm forçosamente de se conservar a grande distância. O único processo para alcançar a ilha será, pois, o provocar do próprio naufrágio.

      Devaneios

      Operários-leitores

      No inverno passado acordava sobressaltado, de segunda a sexta-feira, impreterivelmente às seis menos um quarto da manhã. Por essa hora de bárbaros, despertava-me a buzina de uma carrinha que passava para transportar os vizinhos ucranianos do 2º andar (ou russos, jamais saberei) até uma qualquer obra da periferia. Já desperto, levantava-me às vezes, e, por detrás da cortina, espreitava-lhes as sombras: apenas homens, os gorros até às orelhas, os pés batendo no chão para afastar o frio, vozes incompreensíveis numa algazarra imprópria para os suburbanos que, como eu, procuravam ainda dormir mais um pouco. Devido à incompatibilidade dos horários nunca nos cruzámos. E fui-me acostumando à invisibilidade da sua presença. Até ontem, quando vi que estavam de partida. Reparei então, empilhadas no elevador e à entrada do prédio, em caixas e caixas cheias de livros amorosamente embalados, grossos volumes de capa dura com títulos em cirílico, revistas com um grafismo estranho mas cuidado, dossiês com recortes de jornais – abri um rapidamente, sem que me vissem, apenas para confirmar se eram mesmo recortes de jornais – que os haviam acompanhado até aquele lugar para eles distante. Mais livros e papéis, muitos mais e mais bem tratados, posso garantir, do que aqueles com os quais tenho deparado nas casas de muitos portugueses com título académico e horários suaves.

        Apontamentos

        O vate do ano

        Ricardo
        Conan Doyle e Albert Camus foram goalkeepers de futebol, desporto ao qual dedicavam horas de preocupação e entusiasmo. Nabokov sempre desejou muito sê-lo. Andoni Zubizarreta Urreta, o basco espadaúdo, amante de ópera, que por mais de uma década defendeu sem rival à altura a baliza de Espanha, mantinha conversas que, a acreditar naquilo que nos conta Javier Marías, «eram só de Joyce para cima». Durante tantos minutos em campo como espectadores solitários, e tal como tem acontecido com pastores e faroleiros, é provável que alguns guarda-redes desenvolvam a imaginação criadora. Não me espanta por isso que Ricardo – o sensível montijense capaz de se concentrar na sua missão fixando, como recordou, «aquele português pequenino, completamente só num mar de ingleses» – tenha podido conceber um poema épico em cinco minutos.

        Adenda do escritor e jornalista brasileiro Nelson Rodrigues (1912-80):
        «Amigos, eis a verdade eterna do futebol: o único responsável é o goleiro, ao passo que os outros, todos os outros, são uns irresponsáveis natos e hereditários. Um atacante, um médio e mesmo um zagueiro podem falhar. Podem falhar e falham vinte, trinta vezes, num único jogo. Só o arqueiro tem que ser infalível. Um lapso do arqueiro pode significar um frango, um gol e, numa palavra, a derrota.»

          Etc.

          O diletante

          Escreveu Eça, na Correspondência de Fradique Mendes, que o diletante «corre entre as ideias e os factos como as borboletas correm entre as flores, para pousar, retomar logo o voo estouvado, encontrando nessa fugidia mutabilidade o deleite supremo». No mundo em busca de explicações plausíveis, atribui-se-lhe sempre uma etiqueta de má-nota. O Houaiss diz mesmo que ele exprime uma «atitude imatura, de amador, em relação a normas de ordem intelectual ou espiritual». Mas se o diletante, como a borboleta, pousa aqui e acolá de forma aparentemente gratuita, é porque procura alguma coisa. E achando-a, nunca a rejeita. Conhece por isso mais coisas, e escolhe melhor aquelas que deseja.

            Apontamentos

            Regresso ao passado

            Mao por Warhol

            A história da esquerda radical em Portugal começa a ser feita. Exceptuando estudos ainda dispersos e preambulares, a regra, porém, tem sido a produção de generalidades, introduzidas em obras de referência, e de reportagens, de teor mais ou menos anedótico ou sensacionalista, sobre o «glorioso passado revolucionário» de ministros, deputados e outras figuras públicas. E se as abordagens compreensivas daquele universo são raras, mais raros ainda são os testemunhos fornecidos pelos seus actores directos. A publicação de Conquistadores de AlmasMemórias de uma militância e prisões políticas (1970-1976), da autoria de Pinto de Sá (Guerra & Paz, 2006), sugere uma mudança neste panorama.

            Trata-se de um volume demasiado extenso para aquilo que tem para dizer, povoado de detalhes e de redundâncias que, por vezes, só não se tornam irrelevantes porque o livro se assume como um esforço confessional, exaustivo, que se pretende documentado, de ajuste de contas com o passado. Certos aspectos transformam-no, porém, em obra que merece ser lida com alguma atenção.

            Desde logo um factor perturbante: estas são as memórias de um «traidor». Alguém que integrou uma franja da oposição ao Estado Novo, mas que, confrontado com a prisão e o interrogatório da PIDE, rapidamente transigiu com os valores que defendera, fornecendo à polícia informações que possibilitaram outras prisões e o transformaram num seu informador activo e diligente. Facto que Pinto de Sá (PdS) tenta explicar pela interferência de uma capacidade de «conquista das almas» e de «massacre de personalidades» que a PIDE teria mantido. Esta experiência corresponderá a um fragmento do passado que outros portugueses partilharam e que não deixa de integrar o nosso lastro histórico. De facto, nem todos possuíam a mesma capacidade física, emocional e política para resistir à polícia: muitos sobreviveram a essa provação renegando as convicções e integram hoje a nossa sociedade democrática. Mas nem por isso a sua memória deve ser apagada.

            Parte da originalidade do livro encontra-se também na forma como este testemunha o processo de politização de um estudante universitário comum, quase sem referências políticas e culturais prévias. Mostram-se traços do início do processo de revolta que são comuns a grande parte da juventude urbana que emergiu nos anos 60 («a minha idade de contestação começou um dia em que ouvi na rádio o “Satisfaction” dos Rolling Stones», p. 18). Mas o mais importante é, neste aspecto, a descrição pormenorizada da gestação e nascimento de um «jovem maoísta», que ia balançando entre leituras apressadas e nem sempre compreendidas de alguns textos clássicos do marxismo e do leninismo, a imersão num activismo frenético e muitas vezes sem norte, e um desejo de aproximação às «massas» e ao «povo», sempre distantes e fortemente idealizados.

            Esta situação terá suscitado situações inquietantes, das quais é um bom exemplo a de PdS. Aquilo a que ele chama de «estado de paranóia” (p. 149) constitui, de facto, algo de notável no processo de formação da esquerda radical – e em particular na sua vertente maoísta – durante as décadas de 1960-70. A partir da experiência pessoal, aborda a discrepância entre a forma triunfalista como os jovens radicais imaginavam o desejo de mudança das «massas», o estado organizativo daquela que se considerava parte da sua suposta vanguarda, e a efectiva realidade sociológica e política. À compreensão deste aspecto associa, aliás, uma parte da argumentação que usa para explicar a sua traição, uma vez que, a dado momento, se apercebe finalmente do isolamento: «contrariamente aos elementos do PCP, (…) que se sentiam parte de metade da Humanidade e em regra tinham muitos laços afectivos e familiares com tradições de oposição ao regime, eu estava só» (p. 189).

            Deste distanciamento parte também a crítica que faz da atitude de crença no derrube da ditadura por parte de um sector que partilhava igualmente de uma outra concepção ditatorial do exercício do poder, partilhando «ideologias que foram em grande parte responsáveis pelo século mais sangrento da História» (p. 302), minimizando PdS essa vertente da oposição ao regime salazar-marcelista. Fica pois, no ar, a ideia de que todo aquele numeroso grupo de jovens – já agora, eles eram muitos mais do que aqueles que invoca, pois o grupo ao qual pertencia (o CCR-ML) foi porventura um dos mais circunscritos dos agrupamentos maoístas – ter-se-á batido por uma causa sem sentido e condenada a ser execrada pela História. Prestando maior atenção às circunstâncias do processo histórico PdS perceberia que, podendo ser essa uma leitura contemporânea, no tempo e no meio em que emergiu ela correspondeu a uma forma empenhada e generosa de combater a ditadura. Contribuindo, ainda que em escala reduzida, para adensar uma rejeição que o 25 de Abril levou depois às últimas consequências.

            Com alguma solidez interpretativa, com investigação suplementar sobre movimentos congéneres e sobre a própria realidade estudantil, com uma escrita mais cuidada e menos repetitiva, PdS teria, por certo, produzido um livro bastante mais útil e interessante. O que não significa que, enquanto testemunho vivido e sincero de uma época, deixe de ter utilidade. Servindo ainda, provavelmente, para exorcizar alguns fantasmas.

              Memória

              Motel

              Motel
              Luzes frágeis pelas quatro da madrugada. Os corredores vazios. De tempos a tempos, alguns passos, a porta que bate, água pelos canos, vozes que parecem palavras. Sem som, o televisor passa imagens indecifráveis. Lá fora, alguém desliga os faróis de um carro. Uma aparência de solidão.

                Devaneios, Ficção

                Como o mapa de uma ilha

                Conta Pierre Kalfon que num certo dia de Abril de 1964, durante uma brevíssima passagem por Paris, Guevara almoçou descontraidamente numa pizzaria do Boulevard Saint-Michel, passeando depois junto da Sorbonne. De repente, na Rue des Écoles, alguém reparou no seu inconfundível aspecto – a barba rala e desalinhada, a boina preta e o dólman de caqui verde-oliva – comentando para a pessoa que ia ao seu lado: «Tu repara no descaramento daquele tipo ali, a tentar imitar o Che Guevara.»

                Desde muito cedo que a pessoa de Ernesto de la Serna se viu colada ao ícone que transcendia já o corpo terreno e se definia muito para além do seu lugar objectivo na história. De início, e durante anos, ele ganhou vida e manteve-se no espectro das crenças que definiam as possibilidades de erguer um mundo outro. Esse o vulto que alguns dos nossos contemporâneos, com um certo sentido de missão ou necessidade de reconhecimento tribal, ainda transportam em pins e t-shirts. Depois viu desdobrado o seu nexo de sentidos, que passou a remeter para algo de não objectivamente capturável, reunido no conjunto imenso de sinais dos quais se servem os imaginários de fuga. Um pouco como o logotipo dos cigarros Camel ou o mapa de uma ilha das Caraíbas na publicidade colorida a uma marca de rum. Para os quais olhamos sem grandes conjecturas, pensando apenas na viagem definitiva, libertadora, que sempre desejámos.

                  Olhares

                  Cinefilia em sonhos

                  chien andalou
                  Folheava num quiosque um diário espanhol quando um pormenor me chamou a atenção: uma pequena crónica sobre o mundo de futebol abria, de forma inusitada, com uma dupla dedicatória a Luis Buñuel e Sofia Loren. Afinal, que coisa teria passado pela cabeça do jornalista para juntar aquela epígrafe de recorte nostálgico a um texto que falava basicamente do interesse pelo hip hop de um rematador merengue? Apenas fui capaz de imaginar o autor, em noite de insónia e crise de ideias, incapaz de encontrar tema para o artigo que na manhã seguinte deveria impreterivelmente entregar. Adormecendo exausto, por fim, para acordar em sobressalto com a cena do olho retalhado a golpe de lâmina do Chien Andalou. Adormecendo de novo para ver surgir a Loren, em todo o seu antigo esplendor, beijando-o na testa e segredando-lhe o tema da crónica.

                    Devaneios

                    Ópio do povo

                    Em entrevista ao suplemento Mil-Folhas, Ali Ahmad Said Esber, o poeta sírio de pseudónimo pagão (Adónis), declarou não existir futuro sem laicidade: «O que complica o progresso, em relação à religião, é que enquanto fé real, revelação, terminou há muito tempo, está acabada. O que chamamos religião é hoje uma ideologia política». Acrescentando uma evidência: «É possível discutir com um homem de fé, mas com um homem que transformou a sua fé religiosa em ideologia não se pode discutir». Uma boa mensagem para entregar aos nossos cegos ensandecidos, que confundem as tiranias sinalizadas pela bandeira do crescente com os destinos de um mundo islâmico imenso, diverso e afinal tangível.

                      Apontamentos, Democracia, Recortes

                      Dormires

                      soneca
                      Não me espanta a ausência de resposta visível às iniciativas da Associação Portuguesa dos Amigos da Sesta. Sei que, há meses atrás, esta ainda conseguiu reunir em Estremoz uma «Conferência Nacional», na qual um dos presentes elogiou a sua prática como «postura natural e salutar, restauradora de energias», renegando o seu entendimento como «vício de preguiçosos e de fuga ao trabalho». Não espanta, por isso, que a maioria dos portugueses se alheie da causa. «Legalizar a sesta?», pensamos logo, indignados. «Mas perdia toda a piada!» É muito mais estimulante roubá-la ao chefe, dormi-la num intervalo do trabalho, deslocá-la no horário para quando der jeito, transformá-la numa informal soneca consumada por aqui ou por ali. É-nos, por isso, profundamente estranha uma atitude como a tomada pela selecção espanhola de futebol, que no Mundial da Alemanha decidiu acordar mais cedo para poder fruir todos os dias da indispensável siesta. Por algum motivo, de facto, a história nos separou.

                        Apontamentos

                        Partir

                        partida
                        No livro de bolso Arte de Viajar, Alain de Botton recorda a forma como Baudelaire se sentiu continuadamente atraído pelos portos e pelas docas, pelas estações de comboios, navios e quartos de hotel. Parecia sentir-se melhor, mais em sua casa, nos lugares de passagem, nas escalas das viagem. Nos instantes em que se achava «acabrunhado pela atmosfera de Paris», sempre que o mundo em que vivia lhe parecia demasiado monótono e pequeno, partia, partia então, «partia pelo amor da partida». E viajava. Viajava nem que fosse até um porto ou uma estação de comboios próximos. Aí chegado, deixava-se ficar na previsão das infinitas viagens, imerso nessa poesia «da partida» que demarcava a presença no mundo.

                        Existem pessoas assim. Que se aborrecem de morte em Nova Iorque, Seul ou Barcelona, que querem ir mais além, sempre mais, mais além, experimentando uma espécie de prazer, de profundo mas íntimo prazer, na simples antevisão da partida, na imaginação do momento de se lançarem ao caminho, na concepção das paisagens correndo sem cessar. Jamais saberão permanecer imóveis, esperando passivas, aceitando em silêncio os horizontes que não mudam.

                          Olhares

                          Sancho não gosta de utopias

                          Sancho
                          «Já te disse, Sancho – respondeu Dom Quixote -, que sabes pouco em matéria de aventuras.» Certos dias, certas vezes, o realismo dá nojo. Resposta irreflectida perante a atitude prevalecente, que recusa conceber aquilo que não é possível tocar. O que se não vê, embora possa estar ali, a dois passos da estrada abandonada, na vastidão nocturna da estação secundária, no recanto semi-esquecido do jardim degradado. Como por detrás dos rostos fechados, vítreos, língua escondida, maxilares tensos, que passam por nós logo pela manhã. Sabemos como os simples não olham senão o visível, o que lhes delimita o raio de acção e os transforma em acessórios, presas fáceis do indivisível, das evidências imediatas que lhes injectam o estado de torpor. Daí a propensão que mostram para apoiarem poderes fortes, aplaudirem caciques, bajularem arrivistas, correrem atrás do óbvio. De tudo o que recorda, afinal, as suas próprias vidas, confortando-os na comunhão de uma simplicidade total que se não questiona.

                          Tempos houve, porém, em que essa propensão natural era contrariada, para além da resistência pontual dos inimigos congénitos do uno – os marginais, os artistas, os errantes, aqueles que sempre desconfiaram do puro poder – pelo rumor, passional, incómodo, dos programas políticos revolucionários. Que hoje, pelas praças deste ocidente sem norte, parecem ter adormecido. Realistas, as mensagens, mesmo as que se envolvem com fantasias de mudança, dirigem-se sempre aos targets eleitorais normalizados. A um povo cego de Sanchos unidimensionais. Para sempre?

                            Olhares

                            [Figuras Exemplares] Turpin, «O Rei da Estrada»

                            Dick Turpin
                            Entre as múltiplas proezas de Dick Turpin (1706-39) contavam-se o contrabando, o assalto a residências de particulares, o assassinato e o roubo de cavalos, mas foi principalmente como ladrão de estrada que se tornou conhecido e temido. A vida criminosa começou-a no seu Essex natal, onde viveu durante alguns anos como talhante, aparentemente respeitável mas de facto especializado no comércio de carne roubada. Descoberto, fez-se ao caminho, e, a partir de 1735, passou, na companhia de Tom King, a assaltar quem passasse desprevenido pelas estradas despovoadas e perigosas da região de Londres. Acabará por ser preso alguns anos e muitos crimes depois, terminando a vida numa forca erguida uma manhã na cidade de York.

                            Muito mais notável foi, porém, a imagem popular que em volta da sua lenda foi sendo construída. Iniciada logo em 1739 com o folheto de cordel Life of Richard Turpin, foi definitivamente estabelecida a partir da publicação de Rookwood (1834), uma novela de Harrison Ainsworth. Aqui as façanhas de Turpin apareceram largamente romantizadas, e o seu trajecto metamorfoseado na saga, cantada em baladas, de um bandido bom e injustiçado que roubava os odiados ricos e deixava os infelizes pobres seguirem em paz o seu destino. A banda desenhada chegou mesmo a dar-lhe um aspecto galante, ataviado de capa, sobrecasaca, espada e uma inseparável máscara. Mais um herói popular na boa tradição dos desordeiros ardilosos e vingadores.

                              História

                              Quinta-essência

                              Anna e Jean-Luc

                              Para os alquimistas, a quinta-essência é o poder, a qualidade e a virtude de tudo e de cada coisa na natureza. Pode ser considerada como um quinto elemento dentro de toda a matéria. Como tal, ela forma a base a partir da qual fluem os quatro elementos facilmente visíveis: o fogo, a água, o ar e a terra. Circulando de forma muito subtil, penetra em todos os objectos, e, ainda que oculta dentro de toda e de cada substância, pode ser reconhecida. Todavia, os anti-tabagistas mais radicais jamais terão acesso à totalidade da quinta-essência desta fotografia de Jean-Luc Godard e de Anna Karina, tirada em 1961 no dia do seu casamento.

                                Devaneios

                                Bom, mau, assim-assim

                                Todos os heróis precisam de um vilão para fazer pervalecer as suas inigualáveis qualidades. Jean Valjean tinha o polícia Javert, Sherlock Holmes contava com o Professor Moriarty, Popeye defrontou Brutus, Batman combateu o Joker, enquanto o primitivo James Bond perseguia o arqui-malfeitor – e terrorista polaco – Ernst Stavro Blofeld. Entre eles, o supremo bem afirma-se apenas diante do mal mais extremo e obstinado. Cruzado por anjos e demónios, tingido de preto ou de branco, o seu mundo dual apenas aceita a simplicidade. O complexo surge sempre como estranho, inqualificável, tortuoso, demasiado humano.

                                  Etc.

                                  Código regional

                                  Recebi, via e-mail, um convite para a apresentação de um livro que integra – ela, a apresentação – a «lide de uma novilha por um jovem toureiro» e a degustação de sabores como «escabeche pobre-frio de sardinha quente e carapau e punheta de bacalhau de Verão» ou então «míscaros com presunto, iscas com cebola murcha, arroz pardo de miúdos e vitela no espeto acompanhada de geleia e compotas». Deve existir por aqui alguma mensagem subliminar – e de natureza acentuadamente críptica – que me escapa por completo. Problema meu, claro.

                                    Recortes