«Foot-ball praticado was very bonito. Splendid!»

Bobby Robson

Na noite passada, a Sky News apresentou um programa sobre a vida e a obra de Sir Robert William Robson. Omitiu, no entanto, a sua passagem por Portugal, onde entre 1992 e 1996 treinou o Sporting e depois o FC Porto. E referiu José Mourinho apenas para dizer que este conheceu Bobby Robson no Barcelona, o que aliás não é verdade: foi em Lisboa que se encontraram e foi em Alvalade que começaram a colaborar. A atitude da Sky é, para nós, particularmente injusta. Desde logo porque aqueles foram anos intensos da vida de Robson, que este relembraria depois inúmeras vezes, ligados também, em especial ao serviço do Porto, a êxitos desportivos importantes. Depois porque a sua forma de trabalhar, a sua personalidade forte e a sua bonomia, associados a um portinglês inconfundível e espectacular, o transformaram num dos estrangeiros mais populares no nosso país, o que ficou agora bem patente na forma como inúmeras pessoas – até Sousa Cintra, que o despediu do Sporting mas entretanto reconheceu o erro – o evocaram de forma inequivocamente comovida e carinhosa. E também porque Bobby Robson foi um treinador e um profissional de futebol raríssimo por estes lados: daqueles que via no desporto do qual gostava e ao qual dedicou a vida inteira, como não se tem cansado de recordar quem o conheceu de perto, uma fonte de prazer e uma forma positiva de passar a correr por este mundo, não um problema constante para o fígado. No fim de contas, Sir Bob, o treinador que costumava esquecer-se dos nomes dos seus próprios jogadores, jamais deixou de ser um gentleman abroad. Por um acaso em comissão de serviço no universo pouco cavalheiresco do futebol.

    Apontamentos, Memória, Olhares

    Acaso perto da rua Gondova

    Livros

    Costumava comprar folhas de papel mata-borrão para o consulado numa pequena papelaria que existia por detrás do Faculdade de Filosofia da Universidade Comenius, junto à rua Gondova. Foi aí que, numa certa manhã, encontrei estranhamente esquecido, dado ter sido obra muito procurada por professores e alunos do Instituto Superior de Acústica em meados dos anos oitenta, um exemplar de Anonymi Leutsoviensis Tractatus de Musica, a tese de Zsuzsa Czagány parcialmente redigida em Munique. Completamente inexplicável ficou, para mim, o facto de esta conter ainda, na página 3, uma longa e apaixonada dedicatória da autora a Mark Spitz, o antigo campeão olímpico de natação.

    Iuri Bradáček

      Ficção

      Appuntamenti

      Italian Girl

      «Notas avulsas do périplo italiano de um Casanova eslovaco e metódico»

      Alissa, Alessia, Adriana, Arianna, Amelia, Amalia, Anastasia, Ariana, Anna, Antonia, Alessandra, Aurora, Ambra, Alea, Alina, Annica, Anina, Bella, Bianca, Beatrice, Brigitta, Carina, Chiara, Cinzia, Concetta, Claudia, Celeste, Caterina, Clementina, Costanza, Corina, Daniela, Debora, Dalila, Dilara, Delia, Dania, Diana, Davida, Daria, Desdemona, Deodora, Doriana, Donatella, Dina, Dalia, Desideria, Eleonora, Elena, Elisa, Erica, Enrica, Emilia, Emma, Emanuela, Flavia, Fabia, Fabiana, Fabiola, Fiona, Fiorina, Fiorella, Filomena, Francesca, Federica, Gianna, Gina, Gioia, Giorgia, Giada, Gaia, Gabriella, Gloria, Giovanna, Ilaria, Ilenia, Iliana, Ilina, Irina, Isaura, Isabella, Jessica, Laura, Lara, Larissa, Leona, Leandra, Lea, Lina, Liana, Liara, Luana, Luciana, Luna, Linda, Livia, Liliana, Lorena, Loriana, Lucia, Leana, Letizia, Moana, Martina, Marina, Marilena, Mariella, Maria, Michela, Melania, Morena, Massima, Maura, Maurizia, Noemi, Naemi, Naomi, Nadia, Nadina, Nuria, Nina, Ornella, Oriana, Paola, Patrizia, Raffaella, Romina, Romana, Rachelle, Rebecca, Rossella, Rosa, Rosina, Rosanna, Renata, Sabrina, Sabina, Sarina, Samira, Sandra, Simona, Susanna, Silvia, Silvana, Sonia, Serena, Selena, Selina, Syria, Senta, Severina, Silveria, Stella, Stefania, Tullia, Tiziana, Tatiana, Tania, Tina, Valeria, Viviana, Vanessa, Valentina, Viola, Violetta, Vincenza, Vittoria, Ylenia, Zara, Zarina, Zaida

      Iuri Bradáček

        Ficção, Olhares

        O sol e a peneira

        Nómadas

        O desejo de devir, escreve o sociólogo do quotidiano Michel Maffesoli no seu notável Du nomadisme, «penetra, conscientemente ou não, as diferentes atitudes sociais, e convida a uma vagabundagem cuja esfera é ilimitada». Inclusive ao nível das convicções e dos programas. Um dos dramas centrais da política contemporânea mainstream liga-se à tentativa dos seus representantes de derrotarem essa torrente, procurando atirá-la para o território desértico da crença voluntarista e da inocência utópica. Empurrando as sociedades para um tempo morto, confiado a uma gestão do possível concebida à vista e exclusivamente para o curto prazo. Ignorando as vagas que não podem dirigir para se fixarem nos escolhos que são capazes de deslocar.

          Apontamentos, Olhares

          Jogo de espelhos

          Espelhos

          Logo após ter escrito o post «In-dependências», recebi uns quantos mails perguntando explicitamente a quem me referia, e ainda um ou outro declarando taxativamente que eu visava o Senhor X ou Madame Y. Alguns desses ecos interpretavam o artigo como uma defesa empenhada da figura do independente, ao mesmo tempo que outros sugeriam que eu procurara justamente o contrário. Reli então o que escrevera e concluí que pouco mais havia a dizer.

          Posso, no entanto, sublinhar o essencial: o texto não critica o princípio da intervenção política na condição de independente (*), e muito menos se refere objectivamente, e em termos pessoais, a A ou a B. Evoca apenas alguns dos fundamentos éticos da independência política, que me parece deverem ser transparentes e não falaciosos. Que acredito deverem somar diversidade, não repetir o repetido. E não reflectirem, por parte de quem os assume, por vezes em tom de comédia, um sentimento de superioridade moral estéril e até algo obsceno.

          Se alguém não entendeu ou interpretou de outra forma aquilo que escrevi, tal só pode ter acontecido por duas razões: por falta de clareza da minha parte (melhor não sei fazer), ou por um desejo fortemente subjectivo de ler aquilo que lá não está (mas aqui o problema já me transcende). Salvo ocorra algum terramoto, ou Cristo desça de novo à Terra – na condição de independente, claro – não conto voltar ao assunto nos próximos tempos, pois não me parece que ele justifique o esforço nem quero entediar quem por aqui passa habitualmente. Por muito que exista quem possa considerar excitante observar o reflexo da própria imagem e efabular sobre a forma como os outros a observam.

          (*) A partir da década de 1980, eu próprio participei em diversas campanhas, como candidato ou apoiante, na qualidade de independente. E foi nesta que dei agora o meu apoio público às listas do Bloco de Esquerda para o distrito e o concelho de Coimbra. Sem que me passe pela cabeça mimar um «bloquista» da linha dura (que los hay) ou repetir com enlevo frases dos dirigentes do BE. Sem sentir o dever de alienar a minha energia crítica.

            Olhares, Opinião

            ¡Carácoles!

            Madrid

            De acordo com dados do Barómetro de Opinión Hispano-Luso de 2009 divulgados ontem em Espanha, mais de 30% dos espanhóis e quase 40% dos portugueses apoiariam uma federação de ambos os países, se bem que um em cada três dos nossos vizinhos reconheça que a questão lhes é indiferente. Estes números foram obtidos a partir de uma sondagem feita telefonicamente a 513 espanhóis e a 363 portugueses maiores de 16 anos. Valem pouco, naturalmente, dada a dimensão da amostragem. E qualquer português percebe empiricamente que o número de adeptos de uma união ibérica é pouco mais que residual, existindo até uma cultura «anti-espanholista» atávica muito forte, particularmente entre as pessoas com mais de 40 anos.

            O Barómetro adianta, entretanto, outras conclusões que vale a pena conhecer, sendo uma delas particularmente significativa (e, provavelmente, bastante mais realista): apesar de 84% dos portugueses ter visitado Espanha pelo menos uma vez na vida – e destes, um terço o ter feito entre duas e cinco vezes –, só pouco mais de metade dos espanhóis esteve alguma vez no nosso país, a larga maioria por uma única vez. Podem conhecer-se detalhes do inquérito no Público espanhol e também no El País. Mas em ambos os casos o mais interessante acaba mesmo por ser o tom de muito dos comentários, alguns de bom nível. Destaco uma hipótese-proposição de valor indiscutível, retirada de um deles: «Os habéis imaginado la selección de futbol que tendríamos? Adelante con la unión!!!».

              Atualidade, Olhares

              O problema é das velas (ou da válvula do carburador)

              O problema

              Um estudo do Conselho da Europa concluiu que Portugal «tem um nível muito elevado de utilização de tecnologias da informação e comunicação na Justiça», estando por esse motivo «no topo do ranking europeu». É bom sabê-lo. E melhor ainda imaginar a inveja que diante de tal notícia sentirão esses infelizes cidadãos dos países com uma Justiça que se serve ainda de tecnologias semiobsoletas mas funciona de um modo geralmente célere e eficaz.

                Atualidade, Olhares

                A nuvem

                A nuvem

                Acabo de descobrir que a Microsoft deixou de produzir e comercializar a Encarta, a primeira enciclopédia em versão unicamente electrónica. Entre 1993 e 2009, ela determinou um padrão de recolha, arquivamento e disponibilização popular dos saberes, servindo de modelo à transferência para o suporte digital de outras enciclopédias, como as consagradas Britannica e Universalis. Apesar do êxito que manteve por mais de uma década, a Encarta foi incapaz de resistir comercialmente ao efeito demolidor de uma «enciclopédia social», gratuita e colaborativa, como a Wikipedia. Esta conta hoje, e apenas na versão em inglês, com perto de 3 milhões de artigos, um número perfeitamente gigantesco quando comparado com os 42.000 artigos que podem ser encontrados na derradeira versão da Encarta. Não tem comparação com qualquer outra enciclopédia o ritmo de crescimento e o fluxo de consultas processados diariamente, minuto a minuto, pela Wikipedia, mas não deixa de ser preocupante que a fonte principal de conhecimento manipulada pela esmagadora maioria dos utilizadores da Internet seja um repositório sem autoria reconhecida e desprovido de processos de aferição da informação que recolhe e oferece. Sob a forma de nuvem, paira sobre as nossas cabeças um saber flutuante, por vezes equívoco e sujeito a constantes revisões, com a vida determinada pelo vento, cuja sombra pode ser tão estimulante quanto ameaçadora.

                  Cibercultura, Etc.

                  In-dependências

                  O independente

                  A pré-campanha eleitoral traz os independentes de regresso à boca de cena. Conhecedores da distância crescente que os tem vindo a separar do cidadão comum, os principais partidos procuraram resolver o problema tomando um caminho fácil e que não requer mudanças de rumo. Integraram então, nas listas de candidatos, elegíveis ou não, pessoas que não são militantes mas dispõem de prestígio político, profissional ou pessoal – para não falar de uma autoridade moral derivada justamente do seu descomprometimento em relação aos aparelhos partidários – capaz de gerar um «valor acrescentado» que pode tornar-se decisivo. A estratégia é democraticamente legítima, mas pode ser eticamente duvidosa, uma vez que muitas dessas «independências» correspondem ao rosto da cedência, ou mesmo do seguidismo, perante direcções políticas que assim maquilham a imagem pública sem cederem um milímetro na intimidade.

                  O historial desta «in-dependência» é longo e complexo. Os comunistas foram os primeiros a utilizá-la de forma sistemática, servindo-se frequentemente de compagnons de route, fellow-travellers, intelectuais «amigos» capazes de enunciarem uma política frentista que jamais questionou o seu papel de «vanguarda». Fazem-no ainda, como o pode comprovar, aqui no rectângulo, a intervenção dos «verdes» do PEV e de bem conhecidos militantes crónicos da «independência». Entretanto, todas as correntes passaram a recorrer ao subterfúgio, tendo dado particularmente nas vistas, nas semanas mais recentes, o Partido Socialista, assustado com os resultados das europeias e apostado em oferecer uma imagem pública de abertura – principalmente de abertura «à esquerda» – da qual sente absoluta necessidade. Estes «in-dependentes» surgem então, fundamentalmente, como nomes, rostos, corpos, carreiras, cuja presença visa um objectivo preciso, raramente enquanto factores de alargamento das propostas, das ideias, da capacidade reflexiva e até da representatividade. Por isso se mostram muitos deles mais papistas do que o papa, como é próprio de todos os que enxergam a luz da conversão ou tornam ao redil.

                  A independência, convém que se diga, pode no entanto conter muito de positivo. Ela não traduz, ou pelo menos não deve traduzir, apenas um regime de dispensa em relação à presença em maçadoras reuniões partidárias, ao pagamento sistemático das quotas, à sempre penosa distribuição de panfletos, à necessidade de beijar publicamente criancinhas incontinentes e matronas que exalam um certo odor a peixe, a ter de aguentar as tricas e as pancadinhas nas costas que ocorrem nos desvãos e antecâmaras das sedes partidárias. Muito ao contrário, ela pode ser algo de realmente difícil, que implica escolha, capacidade para remar a solo contra a corrente sempre que for preciso, não se envolver em cedências que podem trazer benesses mas implicam também a venda da consciência, saber requerer uma autonomia crítica que não significa desinteresse ou ausência de compromisso. Esta é a independência boa, verdadeiramente útil, com a qual os grandes partidos políticos só teriam a lucrar se com ela soubessem lidar.

                  No entanto, a independência da generalidade destes «in-dependentes» não tem essa cara. É certo que um independente companheiro de jornada não pode ser um cavalo de Tróia ou um franco-atirador: aproximando-se de um determinado partido, dando momentaneamente o rosto por ele, tem forçosamente de estabelecer pactos e, sobretudo em campanha eleitoral, acordos mínimos de lealdade e colaboração, não podendo desgastar as campanhas a partir de dentro. Se aceita colaborar «como independente», essa colaboração implica uma certa adesão programática, um mínimo de cumplicidade, empenho também, e bastante. Porém, deveria ainda, e obrigatoriamente, agregar diferença, questionando o questionável, apontando os erros que os militantes partidários se habituaram a desvalorizar ou não sabem ver, propondo caminhos possíveis, ainda que aparentemente «utópicos». Mostrando, afinal, sinais dessa diversidade, dessa abertura, que é suposto trazerem consigo. De outra forma, tornam-se cúmplices, involuntários ou não, de um logro. Mas é justamente este logro que me parece observar perante o espectáculo das razões que muitos «in-dependentes» têm invocado para justificarem a sua opção na batalha em curso. Desculpem que lhes diga.

                    Atualidade, Opinião

                    Ainda o caso da editora receosa

                    Os argumentos da Chiado Editora são lícitos e substanciais, mas não me apercebi de que alguém tivesse falado propriamente de censura à maneira do Santo Ofício ou da velha Comissão da dita. Falou-se, isso sim, de autocensura, medo e capitulação, sejam quais forem os outros nomes que se pretenda dar à atitude escolhida. Não é o mesmo, mas é igualmente assinalável. A defesa da liberdade tem custos, naturalmente, e sempre houve quem os não desejasse pagar. Mas também quem se batesse por ela, pagando algumas vezes pelos seus actos.

                      Atualidade, Democracia

                      Mundo transitório

                      Fharenheit 451
                      Oskar Werner e Julie Christie em Fahrenheit 451 (1966)

                      Conversando com uma jornalista espanhola a propósito da edição de Ahora y Siempre (Now and Forever, um compilação de short stories publicada originalmente em 2007), Ray Bradbury, que aos 89 continua a escrever e a publicar, mostra-se o homem conservador que sempre foi. Particularmente quando lhe falam da actualidade e do futuro do livro. Aí irrita-se visivelmente, exalta-se mesmo, perde com facilidade a compostura. Perante a Internet, o autor de Fahrenheit 451, o romance distópico que hiperboliza o valor do livro, da sua imortalidade e da sua capacidade para transformar o mundo, subverte mesmo o seu antigo horror à destruição da palavra escrita pelo fogo: «Que queimem a rede em vez de queimarem livros!». Diante da revolução do e-book: «Isso não são livros. Os livros apenas têm dois cheiros: o do livro novo, que é bom, e o do livro usado, que ainda é melhor.» Face à possibilidade do fim das bibliotecas tal qual as conhecemos: «Não permitirem que acabem com elas, nem que tenha de me meter lá dentro para evitá-lo.» É pungente, sobretudo para quem partilha com Bradbury o amor profundo pelos livros em papel, pelas bibliotecas imensas e odoríferas, com os seus recantos únicos, obscuros e misteriosos, acompanhar tal defesa de um mundo transitório que, mais coisa, menos coisa, daqui por uma década não passará de território reservado a cientistas e iniciados. E, para a maioria das pessoas, de vestígio de um passado remoto que outras gentes edificaram.

                        Memória, Olhares

                        Finalmente, Oscar

                        Oscar Wilde

                        O L’Osservatore Romano coloca Oscar Wilde nos pináculos da lua, considerando-o «uma das personalidades do século XIX que com mais lucidez analisou o mundo moderno nos seus aspectos perturbadores mas também nos seus aspectos mais positivos». Aproximar-se-á o fim dos tempos? Tratar-se-á de um primeiro passo no caminho da beatificação? Ambas as coisas?
                        [Ideia roubada ao Pedro Vieira]

                          Etc., Olhares

                          Vozes afinadas

                          Em tandem

                          Completamente de acordo com a leitura de João Tunes a propósito dos blogues em tandem criados para apoiarem, na pré-campanha eleitoral em curso, o PS ou o PSD. Muito de agitprop à volta da agenda das direcções partidárias, muito de panegírico e autojustificação, encómios e louvações, alguma traulitada personalizada também, aqui e acolá. Mas muito pouco, quase nada, de reflexão crítica substantiva, de esforço prospectivo, de polifonia, de debate, de sugestões no sentido de revisitar, para não repetir, os cenários do bloqueio político que temos vindo a percorrer. Sei que à esquerda e à direita desses espaços de opinião, o panorama não é mais animador, mas como falamos de alguma da «massa crítica» publicamente associada às únicas duas correntes susceptíveis de definirem os próximos quadros de governação, e de um esforço aplicado dentro de um território de comunicação onde é suposto aceitar-se maior ousadia, a situação afigura-se algo grave. E tremendamente enfadonha também, já agora.

                            Atualidade, Opinião

                            Mas não se está mesmo a ver?

                            It's a mad, mad, mad, mad world

                            Estava à espera disto, embora tenha demorado tempo de mais a acontecer: já circulam pela rede mensagens anunciando que Michael Jackson afinal não morreu. Terá sido tudo uma encenação por causa das dívidas, presumindo-se que a esta hora pratique moonwalk numa ilha ignota do Pacífico. Corre também, retomando com toda a força uma teoria da conspiração já com alguns anos, que os americanos afinal não foram à Lua. Apenas encenaram em Hollywood a operação de alunagem para fazerem batota no jogo da Guerra Fria. Podemos pois dar asas à imaginação e inventar a certeza que quisermos, seguros de encontrar sempre partidários intransigentes e capazes de se esforçarem pela causa. A mim, por exemplo, ninguém tira da cabeça que o PS perdeu as eleições europeias de propósito, só para que a sua direcção pudesse aparecer como injustiçada e impoluta salvadora da Pátria, composta por gente compassiva e confiável, de uma «esquerda moderna» merecedora de segunda oportunidade. Quem me acompanha na crença?

                              Atualidade, Devaneios

                              Uma vida e filmes vários

                              Villa

                              Johnny Depp será José Doroteo Arango, Pancho Villa, no próximo filme de Emir Kusturica, que tem como título provisório Seven Friends of Pancho Villa and a Woman With Six Fingers e começará a ser rodado em 2010. Terá a companhia preciosa da mexicana Salma Hayek. Promete, claro. Mas já em 2003 Antonio Banderas foi Villa em Starring Pancho Villa As Himself, um documentário sobre a forma como D.W. Griffith e Harry Aitken compraram ao próprio Villa os direitos exclusivos sobre as imagens das batalhas da revolução mexicana, permitindo-lhes montar em 1914 The Life of General Villa, o primeiro filme de acção de Hollywood. A dimensão densamente cénica e cinematográfica das acções e da própria presença física de Villa pode ser avaliada numa descrição deixada por John Reed em México Insurrecto. Aqui fica ela:
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                                Cinema, História

                                Cuidado com as causas fracturantes

                                Matraquilhos

                                Em solo nacional, três temas azedam facilmente qualquer debate, despertando impulsos primitivos que cegam cidadãos exemplares e assanham pessoas dadas à reflexão: comunismo, religião e futebol (já que o fado perdeu músculo). Os dois primeiros têm sido aqui recorrentemente invocados, mas de futebol não tenho falado. Chegou agora a vez de tocar no assunto, mesmo correndo o risco de despertar o hooligan escondido que habita dentro de um ou outro leitor.

                                A despesa com a compra de jogadores por parte das maiores equipas é, nas circunstâncias da vida do país e atendendo à dimensão financeira dos clubes, qualquer coisa de obsceno. Ainda assim, nos tempos mais recentes, Porto e Sporting têm mostrado um comportamento despesista aparentemente controlado: o primeiro, por causa dos sucessos desportivos e porque gasta menos com os jogadores que compra do que com aqueles que vende; o segundo, porque tem mantido uma política de aquisições relativamente moderada. Já o mesmo não se passa, todavia, com o Benfica, que todos os anos compra uma dúzia de futebolistas bastante caros, cedendo-os no ano seguinte por valores inferiores. Talvez seja preciso recordar aos mais distraídos que as receitas desportivas do «clube da águia», frequentemente fora da Liga dos Campeões, têm sido inferiores às dos outros dois, apesar de ter ainda o maior número de adeptos. Entretanto, só neste início de época já gastou mais de 23 milhões de Euros, prometendo outras compras para os próximos dias.

                                Nada disto incomodaria particularmente se não fossem duas situações objectivas. Desde logo o facto de o Benfica (como os outros, aliás) continuar a dever muito dinheiro ao fisco, e de a insolvência total ser algo de materialmente possível. Só que no dia em que isso estiver para acontecer, governo algum aceitará a falência técnica do clube, pois tal reduziria metade da população a um intolerável estado depressivo e fá-lo-ia perder as eleições seguintes. Serão então os cidadãos contribuintes, azuis, verdes, encarnados e de todas as cores, incluindo ainda todos aqueles que detestam futebol, a pagar facturas e hipotecas.

                                A segunda situação é, no fundo, uma constatação: governante algum se deu ao trabalho de, pelo menos, apelar publicamente ao comedimento dos gastos e à necessidade de se pagar o devido ao erário público. Não sei porquê, tenho a impressão de que o esquecimento tem alguma coisa a ver com a proximidade de uma ida a votos e de ser preciso, da parte de quem deseje ardentemente conquistar a maioria dos eleitores, um certo cuidado com as causas fracturantes.

                                  Atualidade, Olhares, Opinião