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Papéis Roubados #5

A refeição

Enquanto não leio a tradução da última obra de Tony Judt – Ill Fares The Land: A Treatise On Our Present Discontents (Um tratado sobre os nossos actuais descontentamentos, das Edições 70 e já nas livrarias), aqui ficam dois extractos, retirados da nota de leitura de Manuel Carvalho saída hoje no suplemento Ípsilon do Público. Chamando à reflexão e a algum tento na língua na crítica fácil ao papel moderador do Estado e à atitude dominantemente solidária e optimista, por vezes desdenhosa em relação ao lugar central do dinheiro, que percorreu o mundo ao longo das décadas de 1950-1960.

«Muito do que hoje nos parece ser ‘natural’ data dos anos 80: a obsessão com a criação de riqueza, o culto da privatização e do sector privado, as crescentes disparidades entre ricos e pobres. E acima de tudo a retórica que as acompanha: a admiração acrítica dos mercados livres, o desdém pelo sector público, a ilusão do crescimento eterno.»

«Libertámo-nos em meados do século XX da assunção – nunca universal, mas muito espalhada – de que o Estado é provavelmente a melhor solução para um determinado problema. Temos agora de nos libertar da noção oposta: a de que o Estado – por definição e em todos os casos – é a pior opção disponível.»

    Atualidade, Recortes

    Frases inquietantes (2)

    superhero

    «Fue precisamente en la década de los treinta, cuando las prolongadas secuelas de la Gran Depresión roían la existencia de la inmensa mayoría y otra guerra mundial se vislumbraba en el horizonte, cuando surgió en Estados Unidos una nueva mitología repleta de superhéroes consoladores: Superman, Batman y Robin, Wonder Woman, Capitán Marvel, Aquaman, Supergirl, etcétera. Ellos serían, en la imaginación de las gentes, los únicos capaces de enfrentarse a los más terribles villanos.» (Manuel Rodriguez Rivero)

      Apontamentos, Recortes

      Papéis Roubados #4

      Um dia Mario Vargas Llosa parafraseou em público palavras de Albert Camus: «A única moral capaz de tornar o mundo suportável é aquela que esteja disposta a sacrificar as ideias de cada vez que estas entrem em conflito com a vida, ainda que seja a de uma só pessoa, porque esta será sempre infinitamente mais valiosa do que as ideias». A partir deste tópico, o romancista de origem colombiana Juan Gabriel Vásquez traçou uma teia de afinidades que parece fazer todo o sentido.

      Cinco notas conjeturales
      Juan Gabriel Vásquez

      CamusCamusCamus
      LlosaLlosaLlosa
      CamusCamusCamus
      LlosaLlosaLlosa

      «Babelia», El País -16/10/2010

      A la realidad le gustan las simetrías, se lee en un cuento de Borges, y es sin duda por eso que Vargas Llosa ha recibido el Nobel en el mismo año redondo en que los lectores de Camus conmemoramos los cincuenta años de su muerte. Vargas Llosa y Camus tienen algo de almas gemelas, o de vidas, si no paralelas, por lo menos análogas. ¿Quién le iba a decir esto al sartrecillo valiente? Algún día escribiré algo serio al respecto. Mientras ese día llega, he tomado algunas notas.

      1. No me sorprende encontrar el nombre de Camus en las páginas de Sables y utopías, esa especie de retrato del intelectual público a través de sus textos. Cuando piensan en Vargas Llosa, sus lectores suelen pensar en Sartre: la idea de que las palabras son actos deslumbró a Vargas Llosa en su juventud y moldeó buena parte de su concepción de la literatura. Pero es la trayectoria de Camus, el hombre de izquierdas decepcionado por la izquierda totalitarista y violenta, y no la del existencialista dogmático, la que tiene más de un punto en común con la de Vargas Llosa. No llegan al mismo lugar, es cierto, pero sufren los mismos malentendidos, soportan los mismos ataques, deben enfrentar los mismos intentos de secuestro intelectual por parte del enemigo. En un discurso pronunciado en 1978, Vargas Llosa recuerda o parafrasea a Camus: “La única moral capaz de hacer el mundo vivible es aquella que esté dispuesta a sacrificar las ideas todas las veces que ellas entren en colisión con la vida, aunque sea la de una sola persona humana, porque ésta será siempre infinitamente más valiosa que las ideas”. Vargas Llosa no dice de dónde viene la paráfrasis, así que me pongo a buscar argumentos semejantes en El hombre rebelde. Los encuentro, y en varias páginas; y entonces encuentro también otras cosas.

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        Olhares, Recortes

        Vavilov em Leninegrado

        Vavilov Vavilov

        Fome, o pequeno mas precioso romance de Elise Blackwell (ed. Livros de Areia, trad. de Safaa Dib, 102 págs.), arranca com um lembrete, imprescindível para aproximar o leitor da paisagem a um tempo luminosa e invernal sobre a qual a autora ficcionou a sua história de amor, morte e coragem.

        «O célebre biólogo Nikolai Vavilov reuniu centenas de milhares de sementes e espécies de plantas do mundo inteiro, albergando-os no Instituto de Pesquisa da Indústria de Plantas em Leninegrado. Vavilov tornou-se uma vítima da campanha antigenética levada a cabo por Trofim Lysenko, que gradual mente tomou controlo da agricultura soviética no tempo de Estaline. Vavilov morreu na prisão em 1942 ou 1943 de uma combinação de maus tratos e fome. Muitos dos seus associados e funcionários foram presos, exilados, enviados para campos de trabalho correctivo, ou dispensados. Durante o cerco de Le­ninegrado, aqueles que permaneceram protegeram as colecções de Vavilov dos ratos, de intrusos humanos e deles próprios.»

        A vida aventurosa, o triunfo e a queda de Nikolai Vavilov (1887-1943), as provações de quem o seguiu de perto ou nele acreditou, o imenso logro pseudo-científico que acompanhou a sua desgraça, mais se parecem, no entanto, com uma fábula negra, de tão delirantes e improváveis que agora se nos afiguram.

        «A 9 de Julho de 1941, o colégio militar do Tribunal Supremo declarou o grande director culpado de pertencer a uma conspiração da direita, de espiar para Inglaterra, de sabotagem agrícola, e, como prova de que os juízes têm sentido de humor, de ser o líder do Partido Trabalhista Camponês. Foi condenado à morte. A reunião durou vários minutos.»

        E mais adiante:

        «Entre os evacuados de 1942, encontravam-se a mulher do grande director e o filho, que se estabeleceram em Saratov. Foram informados de que ele fora preso em Mos covo, quando na verdade dormia, subalimentado, a pou­cos quilómetros do local onde se encontravam. Sentiriam eles a sua proximidade ou serão tais coisas impossíveis, pensei eu mais tarde, quando soube.

        Com a sentença de morte comutada mas a morte iminente, foi transferido da prisão de Saratov para Magadan, onde a sua cela era arrefecida pelo frio mas invisível Mar de Okhotsk. Os detalhes nunca seriam revelados, mas certamente morreu de maus tratos e subnutrição, talvez mais de um do que outro, em finais de Janeiro de 1943.»

        Fome pode, portanto, ser lido como estranha homenagem de uma americana nascida em 1964 em Austin, Texas, a um punhado de autênticos heróis soviéticos dos tempos de resistência ao nazismo e ao estalinismo. E evoca, assumindo-se embora como «relato ficcional desse tempo e lugar», um triste e extremo exemplo da perversão sempre inerente ao casamento da «ciência certa» com o poder absoluto.

          História, Leituras, Recortes

          Papéis Roubados #3

          Partes de um texto de reflexão crítica sobre a educação dirigida para o crescimento económico que subalterniza as humanidades e as artes. Publicado no TLS e reproduzido no Courrier Internacional (trad. de Ana Cardoso Pires). A autora é a filósofa e professora universitária norte-americana Martha Nussbaum.

          Uma crise planetária da educação
          Martha Nussbaum

          Martha Nussbaum

          Courrier Internacional, ed. portuguesa – No. 175, Setembro de 2010

          Atravessamos actualmente uma crise de grande amplitude e de grande envergadura internacional. Não falo da crise económica mundial iniciada em 2008; falo da que, apesar de passar despercebida, se arrisca a ser muito mais pre­judicial para o futuro da democracia: a crise planetária da educação.

          Estão a produzir-se profundas alterações naquilo que as sociedades democráticas ensinam aos jovens e ainda não lhe afe­rimos o alcance. Ávidos de sucesso económico, os países e os seus sistemas educati­vos renunciam imprudentemente a competências que são indispensáveis à sobrevivência das democracias. Se esta tendência persistir, em breve vão produzir-se pelo mundo inteiro gerações de máquinas úteis, dóceis e tecnicamente qualificadas, em vez de cidadãos realizados, capazes de pensar por si próprios, de pôr em causa a tradição e de compreender o sentido do sofrimento e das realizações dos outros.

          De que alterações estamos a falar? As Humanidades e as Artes perdem terreno sem cessar, tanto no ensino primário e secundário como na universidade, em quase todos os países do mundo. Considera­das pelos políticos acessórios inúteis, nu­ma época em que os países têm de desfazer – se do supérfluo para continuarem a ser competitivos no mercado mundial, estas disciplinas desaparecem em grande ve­locidade dos programas lectivos, mas também do espírito e do coração dos pais e das crianças Aquilo a que poderíamos chamar os aspectos humanistas da ciência e das ciências sociais está igualmente em retrocesso, preferindo os países o lucro de curto prazo, através de competências úteis e altamente aplicadas, adaptadas a esse objectivo.

          Procuramos bens que nos protegem, satisfazem e consolam — aquilo a que [o escritor c pensador indiano] Rabindranath Tagore chamava o nosso «invólucro» material. Mas parecemos esquecer as faculdades de pensamento e imaginação que fazem de nós humanos e das nossas interacções relações empáticas e não simplesmente utilitárias Quando estabelecemos contactos sociais, se não aprendermos a ver no outro um outro nos, imagi­nando-lhe faculdades internas de pensa­mento e emoção, então a democracia é vo­tada ao malogro, porque assenta precisamente no respeito e na atenção dedicados ao outro, sentimentos que pressupõem que os encaremos como seres humanos e não como simples objectos.

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            Atualidade, Olhares, Recortes

            Papéis Roubados #2

            Segundo episódio desta série com palavras dos outros. Desta vez um pequeno texto de circunstância (e intervenção) do escritor, cronista e jornalista Manuel António Pina.

            Pedras para o Irão
            Manuel António Pina

            M. A. Pina

            «Opinião», Jornal de Notícias -19/08/2010

            Cem cidades de todo o Mundo, entre elas Lisboa, serão no próximo dia 28 palco de protestos contra a selvajaria (como nomear o inominável?) das execuções por lapidação no Irão, onde, nas últimas décadas, 150 pessoas, a maior parte mulheres, foram apedrejadas até à morte e mais 25 aguardam actualmente idêntico destino, entre elas Sakineh Ashtiani, de 43 anos, mãe de dois filhos, acusada de adultério. A iniciativa «100 cities against stoning» é do International Commitee Against Execution e o protesto de Lisboa, nascido na Net, visa chamar ainda a atenção para as sentenças de morte aplicadas no Irão tanto a opositores políticos como a homossexuais ou adúlteros «por um sistema de justiça que não respeita os mais elementares direitos de defesa das suas vítimas». O protesto está marcado para as 18 horas, no Largo Camões. Eu teria preferido a sugestão do leitor de um dos blogues que divulgaram a iniciativa: levar à embaixada do Irão um monte de pedras conformes ao artº 104º do Código Penal iraniano, isto é, «não tão grandes que matem à primeira nem tão pequenas que não mereçam a classificação de pedras».

              Apontamentos, Atualidade, Democracia, Recortes

              Papéis Roubados #1

              Uma nova série que se espera de vida longa e com alguns sobressaltos. Sempre com as palavras dos outros. A abrir um notável artigo de Antonio Muñoz Molina sobre a construção da memória apócrifa e o mau serviço que ela presta.

              Holocaustos para todos
              Antonio Muñoz Molina

              Antonio Muñoz Molina

              «Babelia», El País -10/07/2010

              Habíamos estado presentando en Nueva York un libro de Marcel Cohen y cuando llegó el momento del coloquio un espectador levantó velozmente la mano. El libro de Cohen, que tiene la forma de una larga carta a su amigo Antonio Saura, es una memoria lacónica y estremecedora de una pérdida doble, la de la lengua judeoespañola que Cohen aprendió a hablar de niño y la de la comunidad sefardí de Salónica, de la que procedía su familia, y que fue virtualmente borrada del mapa por los nazis. El libro, en inglés y en judeoespañol – In Search of the Lost Ladino – lo había publicado en Jerusalén la diminuta editorial Ibis, que difunde por igual a autores judíos y palestinos, con una vocación más bien heroica de buscar lazos comunes en una época y en una tierra cada vez menos propensas a la concordia. Cuando yo vi a Marcel Cohen, después de haber leído el libro, que para mí tenía además la emoción del recuerdo de Antonio Saura, me acordé de ese dictamen de Buffon según el cual el estilo es el hombre. Marcel Cohen, como su escritura breve e intensa, tenía una presencia discreta, exquisitamente amable, de una inmediata cordialidad emocional contenida por el pudor. Era un hombre delgado, elegante, menudo, de rasgos muy óseos y piel muy morena. Cuando terminó de hablar miró al público y se inclinó ligeramente para aceptar la pregunta de aquel espectador tan lleno de impaciencia por intervenir que se movía en el asiento y seguía agitando la mano levantada como si temiera no haber sido visto, o que por algún motivo se le negara la palabra.

              La Montaña
              O fotograma

              – No sabe usted cómo le comprendo – dijo -. Soy catalán, y los catalanes también hemos sufrido un genocidio.

              Aquel señor había estado escuchando la historia de la deportación en masa a Auschwitz de los judeoespañoles de Salónica y de lo fácil que es borrar un idioma mediante el procedimiento de asesinar a quienes lo hablan, y en su celo patriótico no había querido ser menos: lo que Hitler les hizo a los judíos de Salónica se lo hizo Franco a los catalanes y a su lengua. ¿Y quién iba a argumentar que la comparación era disparatada, o más exactamente obscena? Si uno levantaba la mano y sugería que Franco no había sido Hitler, y que el sufrimiento de los catalanes bajo su dictadura, con perdón, no podía calificarse de genocidio, ¿no estaría uno en el fondo justificando a Franco, sugiriendo que su dictadura en realidad no había sido tan terrible? Por no hablar de otro matiz algo más incómodo, porque tiene que ver con la sagrada integridad de las identidades colectivas, y con los campeonatos por la primacía del sufrimiento que se han puesto tan de moda: ¿sufrieron todos los catalanes por igual, o hubo algunos que apoyaron la dictadura y hasta se beneficiaron de ella, mientras otros eran fusilados, penaban en las cárceles o escapaban al exilio? ¿Y sufrieron más los catalanes que los de Jaén, o los de Murcia o Zaragoza, bien porque al ser más cultos tenían más sensibilidad, bien porque el tirano y sus secuaces se cebaban especialmente con ellos?

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                História, Memória, Olhares, Recortes

                É mesmo disto que o povo precisa

                Cuba libre

                «Raúl Castro lança o maior exercício militar dos últimos cinco anos, envolvendo cem mil soldados e quatro milhões de milícias populares, como treino para uma resposta a uma hipotética agressão norte-americana.

                O Presidente cubano, Raúl Castro, mobilizou cem mil soldados e reservistas no maior exercício militar dos últimos cinco anos em Cuba. Às manobras, iniciadas há três dias, juntar-se-ão amanhã cerca de quatro milhões de cubanos, organizados em milícias populares desde a implantação do actual regime comunista, em 1959. (…)

                As manobras, sob o título genérico ‘Bastião 2009’, visam responder a uma hipotética invasão norte-americana apesar de o actual inquilino da Casa Branca, Barack Obama, ter assegurado mais de uma vez que não tem qualquer intenção de usar a poderosa força militar de Washington contra a ilha.»

                aqui

                  Atualidade, Recortes

                  O quê, ainda não havia disto?

                  She, spy

                  Do DN em linha:

                  «Os serviços secretos portugueses estão a assinar protocolos com serviços públicos com vista a infiltrar nesses serviços agentes não identificados ou com a identidade codificada. O objectivo da celebração destes protocolos será promover, através desses agentes, o combate ao crime financeiro e à criminalidade organizada dentro de organismos do Estado.

                  Segundo o jornal Correio da Manhã, que avança a notícia na sua edição de hoje, os protocolos deverão colocar, para já, agentes do SIS e do SIED no Ministério da Administração Interna, dos Negócios Estrangeiros e das Finanças. O mesmo jornal diz que a medida, prevista na lei orgânica do Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP), estará a ser alargada a outros serviços públicos.»

                  (uma pergunta ingénua: terão os nossos agentes dois vencimentos?)

                    Atualidade, Recortes

                    No coração da raça

                    Mcgyver

                    Neste post limitei-me a pegar num texto sem autoria declarada que me chegou às mãos e a dar-lhe pequenos retoques cosméticos. Aliás, alguns blogues mencionaram o assunto há meses atrás. Mas vale a pena retomá-lo em pleno «Dia da Raça».

                    Um site norte-americano fez uma lista das 10 palavras estrangeiras que mais falta fazem à língua inglesa. The 10 Coolest Foreign Words The English Language Needs são lideradas pela palavra portuguesa «desenrascanço», aquela que, de acordo com os autores do site, mais falta faz no vocabulário inglês. Depois de percorrermos duas páginas com explicações sobre nove palavras de um valor muito prático correntes noutras línguas, chegamos aquela colocada em primeiro lugar. A falta da cedilha não importa para se perceber que estamos a falar do «desenrascanço», conceito supostamente emblemático da nossa cultura. Um uso, experiência ou qualidade da qual, aliás, adoramos vangloriar-nos. Entre nós ou diante dos outros.

                    «Desenrascanço» é  pois «a arte de encontrar a solução para um problema no último minuto, sem um plano prévio e sem meios», revelando ao mesmo tempo muito sobre a cultura local. E continua o site: «enquanto a maioria de nós [norte-americanos] cresceu sob o lema dos escuteiros “sempre preparados”, os portugueses fazem exactamente o contrário». Desta forma, «conseguir um improviso de última hora que, não se sabe bem como, até funciona, é o que eles [portugueses] consideram como uma das suas mais valiosas aptidões». Adianta-se ainda ser a palavra tão importante que «até a ensinam na universidade e nas forças armadas», acreditando-se que tal capacidade tem sido a chave «da sua sobrevivência durante séculos»,  tendo igualmente representado um dos fundamentos da aventura colonial. «Que se lixe a preparação, eles têm o desenrascanço», conclui o artigo, que sugere uma expressão em inglês capaz de se aproximar minimamente do sentido tomado pela palavra portuguesa: «To pull a MacGyver».

                      Apontamentos, Olhares, Recortes

                      Também era cinema

                      Potemkine

                      Para nós – falo de quantos viveram o Potemkine como fantasma e paradigma de uma revolução sonhada e adiada anos a fio – o filme foi sempre mais acto de clandestinidade do que acto de subversão. Quem não recorda essas sessões (anos 60, 70) em casa de amigos, que tinham trazido uma cópia do filme de Paris ou de Londres, em que um projector alugado de 16 ou Super 8 mm acendia num lençol a fingir de ecrã as imagens proibidas? Saíamos dessas noites sentido-nos mais transgressores, não mais resistentes. Simbolicamente, um dos dois grandes anacronismos que presidiu à tarde de 1 de Maio de 1974 foi o cartaz anunciando o filme, no Império, ao cimo da Alameda. O Couraçado ancorava em Lisboa. O outro (anacronismo) era essa multidão imensa trauteando A Internacional, cuja versão portuguesa por completo desconhecia.

                      João Bénard da Costa, «Histórias da Clandestinidade»,
                      Os filmes da minha vida. Os meus filmes da vida, vol. 1.

                        Cinema, Memória, Recortes

                        «Foleiros & doutores»

                        Já antes falei por aqui – e muitas vezes noutros lugares – do espectáculo lamentável em que se transformou, após a sua gradual «ressureição» na década de 1980, a vivência das praxes e de certos momentos das chamadas festas académicas. Não pelos elementos lúdicos e festivos que podem conter, aceitáveis apesar de tantas vezes discutíveis, mas pelos actos de violência que frequentemente comportam, pelos atentados à liberdade individual que certas vezes configuram, pelo conteúdos aviltantes, sexistas e mesmo boçais que quase sempre integram (embora uma boa parte dos eufóricos participantes, e até alguns dos seus orgulhosos paizinhos, não saibam sequer identificar para o que apontam tais adjectivos). Nas actuais condições, que reajustaram completamente o lugar social do estudante universitário, a tudo isto pode somar-se a ostentação de um «elitismo» anacrónico. Desta vez, para não me repetir, tinha escolhido não falar do assunto, mas uma crónica que Manuel António Pina acaba de publicar no Jornal de Notícias fez-me mudar de ideias. Como infelizmente os textos do JN depressa desaparecem da edição em linha, transcrevo-a numa página interior. Fica aqui.

                          Apontamentos, Atualidade, Olhares, Recortes