Golub

Enquanto leio Como Sobrevivemos ao Comunismo Sem Perder o Sentido de Humor, da jornalista e escritora croata Slavenka Drakulić (publicado em 1991 e agora traduzido pela Pedra da Lua), vou percebendo um pouco melhor o gradual distanciamento de milhões de antigos cidadãos «europeus de leste» em relação a uma ideologia, e sobretudo a regimes, que até se propunham falar em seu nome e agir em benefício dos seus interesses e da elevação (um dia… um dia…) do seu estilo de vida. Voltarei a este livro, que merece uma atenção mais cuidada. Para já, detenho-me na problemática do papel higiénico. Como se pode ver mais abaixo, um tema que não era de relevância menor. Deve todavia dizer-se que ele apenas se colocou a partir da década de 1960. Até aí, fora dos círculos mais ou menos próximos da nomenklatura, na generalidade dos estados do «socialismo real» o problema não se punha: o método utilizado por quase todas as pessoas era o de folhas de papel de jornal espetadas num prego.

Slavenka fala após a queda do anterior regime: «Eu já estava habituada ao papel Golub, que era de facto muito mais barato. Porém, sempre que o comprava, tornava-me vítima de algo a que não podia escapar: a memória, Vejo-me, em criança, sentada na sanita fria, as paredes pintadas de verde. Tenho uma folha de papel grosseiro na mão, da cozinha chega-me o cheiro (uma vez mais!) a chucrute com feijões, e estou a olhar para a ponta dos meus sapatos pretos de borrracha Borovo, enquanto um dos inquilinos do nosso apartamento comunal grita do outro lado da porta: “Despacha-te. Estás aí dentro a ler, que eu bem sei!” Memórias de pobreza e privação, de uma época em que a pobreza só não parecia terrível porque era partilhada por quase toda a gente – e considerada justa. O mais terrível, porém, era que nós nem sequer sabíamos da existência de algo melhor.»

    Memória, Recortes.