Momentos irrepetíveis. Em «On the Square», de Wendell Steavenson, no Cairo. The New Yorker de hoje.
Inside was the Republic of Tahrir, where the protesters had established a kind of revolutionary utopia. As you came through the barricades by the Qasr al Nil Bridge, a funnel of protesters cheered and dapped and chanted, «Welcome! Welcome to the free, who have joined the revolutionaries!» The scene was indescribably moving. There was no hierarchy or formal organization on the square, and yet lines of protesters guarded the barricades while others swept the garbage into neat piles and manned the checkpoints to search people for weapons. People brought food and water and medicine into the square and gave it out for free. «We are queuing up!» one activist who had named his tent the Freedom Motel told me, incredulous at the number of people flowing into the square. «When was the last time you saw an Egyptian queuing up?» I asked one young female volunteer in a floral head scarf if she was with any particular organization. «I am with no one», she replied simply. «I am with the people.»
Ando a ler/reler trabalhos publicados nas décadas de 1970 e 1980 por João Martins Pereira. Este é o segundo fragmento seguido de um texto (muito) de circunstância que tenho vontade de partilhar.
«31 de Janeiro[de 1985] – Sempre que a minha filha chega a casa e diz «Hoje foi um dia tão bom!» – correram-lhe bem as aulas, ganhou o jogo de basquete, trocou olhares cúmplices com um colega, sei lá que mais — não consigo evitar lembrar-me, abusivamente, das últimas palavras de Um Dia na Vida de Ivan Denisovich, de Soljenitsine (de que então apenas conhecia esse livro e nada mais: se fosse hoje, voltando ao tema de há dias, tê-lo-ia lido da mesma maneira?): «No campo de prisioneiros Sukhov adormeceu completamente satisfeito, feliz. Fora bafejado por vários golpes de sorte durante aquele dia: não o haviam posto no xadrez; não tinham enviado a brigada para o Centro; surripiara uma tigela de kasha ao almoço; o chefe de brigada fixara bem as rações; […] comprara tabaco. E não caíra doente. Um dia sem uma nuvem carregada, sombria. Quase um dia feliz»
E um desempregado, que calcorreia por trabalho, ou se arrasta pelas ruas? E um empregado, que diariamente repete, a horas certas, os mesmos gestos maquinais e desinteressantes? E um velho, que frequenta, dias sem fim, os mesmos cantos da casa ou os mesmos bancos de jardim? Que pequenos nadas lhes conseguirão fazer «um dia feliz»? Que sociedade é esta, de tão baixas expectativas, que a simples pausa de uma máquina, o tempo de uma beata, ou um banco livre batido pelo sol cheguem talvez para tornar «feliz» um dia igual a todos os outros?» [João Martins Pereira, O Dito e o Feito. Cadernos – 1984-1987]
«22 de Fevereiro [de 1985] – Por vezes cruzamo-nos com rostos que nos reconciliam com o mundo. Na maior parte dos casos são rostos de crianças, ou de adolescentes. Algumas vezes, de velhos. Quase nunca de adultos, esses crispados, tensos, ruminando frustrações, pressas, responsabilidades, preocupações – rostos sem desejo, sem alegria. Incomunicáveis.» [João Martins Pereira, O Dito e o Feito. Cadernos – 1984-1987]
«La Organización de la Conferencia Islámica (OCI) intenta que Naciones Unidas se pronuncie a favor de legislar contra la blasfemia con ocasión de la reunión del Tercer Comité de la Asamblea General especializado en las cuestiones sociales, humanitarias y religiosas. Aunque se trata de una solicitud rutinaria de la OCI desde 1999, en esta ocasión resulta particularmente inoportuna: sobre una cristiana paquistaní, Asia Bibi, pesa una condena a muerte por haber presuntamente criticado al profeta Mahoma.
El debate en Naciones Unidas puede transmitir el equívoco mensaje de que la aplicación de la pena capital es una cuestión controvertida internacionalmente cuando la creencia religiosa está por medio. Ni existe ni debería existir controversia alguna: la pena de muerte es execrable en toda circunstancia, también cuando se dicta por lo que no es, en el fondo, más que el ejercicio de la libertad de opinión. Mejor harían la OCI y la Asamblea General solicitando la conmutación de la pena dictada contra Asia Bibi.» [continua aqui]
«Já terá o leitor ouvido alguma vez falar das mães palestinianas que choram a transformação dos seus filhos e das suas filhas em bombistas suicidas?» (Gayatri Chakravorty Spivak)
«Fue precisamente en la década de los treinta, cuando las prolongadas secuelas de la Gran Depresión roían la existencia de la inmensa mayoría y otra guerra mundial se vislumbraba en el horizonte, cuando surgió en Estados Unidos una nueva mitología repleta de superhéroes consoladores: Superman, Batman y Robin, Wonder Woman, Capitán Marvel, Aquaman, Supergirl, etcétera. Ellos serían, en la imaginación de las gentes, los únicos capaces de enfrentarse a los más terribles villanos.» (Manuel Rodriguez Rivero)
Fome, o pequeno mas precioso romance de Elise Blackwell (ed. Livros de Areia, trad. de Safaa Dib, 102 págs.), arranca com um lembrete, imprescindível para aproximar o leitor da paisagem a um tempo luminosa e invernal sobre a qual a autora ficcionou a sua história de amor, morte e coragem.
«O célebre biólogo Nikolai Vavilov reuniu centenas de milhares de sementes e espécies de plantas do mundo inteiro, albergando-os no Instituto de Pesquisa da Indústria de Plantas em Leninegrado. Vavilov tornou-se uma vítima da campanha antigenética levada a cabo por Trofim Lysenko, que gradual mente tomou controlo da agricultura soviética no tempo de Estaline. Vavilov morreu na prisão em 1942 ou 1943 de uma combinação de maus tratos e fome. Muitos dos seus associados e funcionários foram presos, exilados, enviados para campos de trabalho correctivo, ou dispensados. Durante o cerco de Leninegrado, aqueles que permaneceram protegeram as colecções de Vavilov dos ratos, de intrusos humanos e deles próprios.»
A vida aventurosa, o triunfo e a queda de Nikolai Vavilov (1887-1943), as provações de quem o seguiu de perto ou nele acreditou, o imenso logro pseudo-científico que acompanhou a sua desgraça, mais se parecem, no entanto, com uma fábula negra, de tão delirantes e improváveis que agora se nos afiguram.
«A 9 de Julho de 1941, o colégio militar do Tribunal Supremo declarou o grande director culpado de pertencer a uma conspiração da direita, de espiar para Inglaterra, de sabotagem agrícola, e, como prova de que os juízes têm sentido de humor, de ser o líder do Partido Trabalhista Camponês. Foi condenado à morte. A reunião durou vários minutos.»
E mais adiante:
«Entre os evacuados de 1942, encontravam-se a mulher do grande director e o filho, que se estabeleceram em Saratov. Foram informados de que ele fora preso em Mos covo, quando na verdade dormia, subalimentado, a poucos quilómetros do local onde se encontravam. Sentiriam eles a sua proximidade ou serão tais coisas impossíveis, pensei eu mais tarde, quando soube.
Com a sentença de morte comutada mas a morte iminente, foi transferido da prisão de Saratov para Magadan, onde a sua cela era arrefecida pelo frio mas invisível Mar de Okhotsk. Os detalhes nunca seriam revelados, mas certamente morreu de maus tratos e subnutrição, talvez mais de um do que outro, em finais de Janeiro de 1943.»
Fome pode, portanto, ser lido como estranha homenagem de uma americana nascida em 1964 em Austin, Texas, a um punhado de autênticos heróis soviéticos dos tempos de resistência ao nazismo e ao estalinismo. E evoca, assumindo-se embora como «relato ficcional desse tempo e lugar», um triste e extremo exemplo da perversão sempre inerente ao casamento da «ciência certa» com o poder absoluto.
«Raúl Castro lança o maior exercício militar dos últimos cinco anos, envolvendo cem mil soldados e quatro milhões de milícias populares, como treino para uma resposta a uma hipotética agressão norte-americana.
O Presidente cubano, Raúl Castro, mobilizou cem mil soldados e reservistas no maior exercício militar dos últimos cinco anos em Cuba. Às manobras, iniciadas há três dias, juntar-se-ão amanhã cerca de quatro milhões de cubanos, organizados em milícias populares desde a implantação do actual regime comunista, em 1959. (…)
As manobras, sob o título genérico ‘Bastião 2009’, visam responder a uma hipotética invasão norte-americana apesar de o actual inquilino da Casa Branca, Barack Obama, ter assegurado mais de uma vez que não tem qualquer intenção de usar a poderosa força militar de Washington contra a ilha.»
«Os serviços secretos portugueses estão a assinar protocolos com serviços públicos com vista a infiltrar nesses serviços agentes não identificados ou com a identidade codificada. O objectivo da celebração destes protocolos será promover, através desses agentes, o combate ao crime financeiro e à criminalidade organizada dentro de organismos do Estado.
Segundo o jornal Correio da Manhã, que avança a notícia na sua edição de hoje, os protocolos deverão colocar, para já, agentes do SIS e do SIED no Ministério da Administração Interna, dos Negócios Estrangeiros e das Finanças. O mesmo jornal diz que a medida, prevista na lei orgânica do Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP), estará a ser alargada a outros serviços públicos.»
(uma pergunta ingénua: terão os nossos agentes dois vencimentos?)
Neste post limitei-me a pegar num texto sem autoria declarada que me chegou às mãos e a dar-lhe pequenos retoques cosméticos. Aliás, alguns blogues mencionaram o assunto há meses atrás. Mas vale a pena retomá-lo em pleno «Dia da Raça».
Um site norte-americano fez uma lista das 10 palavras estrangeiras que mais falta fazem à língua inglesa. The10 Coolest Foreign Words The English Language Needs são lideradas pela palavra portuguesa «desenrascanço», aquela que, de acordo com os autores do site, mais falta faz no vocabulário inglês. Depois de percorrermos duas páginas com explicações sobre nove palavras de um valor muito prático correntes noutras línguas, chegamos aquela colocada em primeiro lugar. A falta da cedilha não importa para se perceber que estamos a falar do «desenrascanço», conceito supostamente emblemático da nossa cultura. Um uso, experiência ou qualidade da qual, aliás, adoramos vangloriar-nos. Entre nós ou diante dos outros.
«Desenrascanço» é pois «a arte de encontrar a solução para um problema no último minuto, sem um plano prévio e sem meios», revelando ao mesmo tempo muito sobre a cultura local. E continua o site: «enquanto a maioria de nós [norte-americanos] cresceu sob o lema dos escuteiros “sempre preparados”, os portugueses fazem exactamente o contrário». Desta forma, «conseguir um improviso de última hora que, não se sabe bem como, até funciona, é o que eles [portugueses] consideram como uma das suas mais valiosas aptidões». Adianta-se ainda ser a palavra tão importante que «até a ensinam na universidade e nas forças armadas», acreditando-se que tal capacidade tem sido a chave «da sua sobrevivência durante séculos», tendo igualmente representado um dos fundamentos da aventura colonial. «Que se lixe a preparação, eles têm o desenrascanço», conclui o artigo, que sugere uma expressão em inglês capaz de se aproximar minimamente do sentido tomado pela palavra portuguesa: «To pull a MacGyver».
Para nós – falo de quantos viveram o Potemkine como fantasma e paradigma de uma revolução sonhada e adiada anos a fio – o filme foi sempre mais acto de clandestinidade do que acto de subversão. Quem não recorda essas sessões (anos 60, 70) em casa de amigos, que tinham trazido uma cópia do filme de Paris ou de Londres, em que um projector alugado de 16 ou Super 8 mm acendia num lençol a fingir de ecrã as imagens proibidas? Saíamos dessas noites sentido-nos mais transgressores, não mais resistentes. Simbolicamente, um dos dois grandes anacronismos que presidiu à tarde de 1 de Maio de 1974 foi o cartaz anunciando o filme, no Império, ao cimo da Alameda. O Couraçado ancorava em Lisboa. O outro (anacronismo) era essa multidão imensa trauteando A Internacional, cuja versão portuguesa por completo desconhecia.
João Bénard da Costa, «Histórias da Clandestinidade», Os filmes da minha vida. Os meus filmes da vida, vol. 1.
Já antes falei por aqui – e muitas vezes noutros lugares – do espectáculo lamentável em que se transformou, após a sua gradual «ressureição» na década de 1980, a vivência das praxes e de certos momentos das chamadas festas académicas. Não pelos elementos lúdicos e festivos que podem conter, aceitáveis apesar de tantas vezes discutíveis, mas pelos actos de violência que frequentemente comportam, pelos atentados à liberdade individual que certas vezes configuram, pelo conteúdos aviltantes, sexistas e mesmo boçais que quase sempre integram (embora uma boa parte dos eufóricos participantes, e até alguns dos seus orgulhosos paizinhos, não saibam sequer identificar para o que apontam tais adjectivos). Nas actuais condições, que reajustaram completamente o lugar social do estudante universitário, a tudo isto pode somar-se a ostentação de um «elitismo» anacrónico. Desta vez, para não me repetir, tinha escolhido não falar do assunto, mas uma crónica que Manuel António Pina acaba de publicar no Jornal de Notícias fez-me mudar de ideias. Como infelizmente os textos do JN depressa desaparecem da edição em linha, transcrevo-a numa página interior. Fica aqui.