Arquivo de Categorias: Opinião

O atrevimento da «opinião» infundada

Ao contrário do que por vezes oiço, não considero que para falar de forma pública sobre qualquer assunto seja necessário que quem o faz seja um especialista no tema. Se assim fosse, não existiria opinião pública, ou então as conversas cingir-se-iam a obscuros conciliábulos de peritos. Passei grande parte da vida num meio profissional onde é habitual não tomar posição sobre questões críticas porque, como diz quem se escusa a formular opinião não-consensual ou a definir uma escolha difícil, elas não são «da sua especialidade». Todavia, quando emitimos opiniões perante os outros, e em particular quando o fazemos para uma audiência – as redes sociais vulgarizaram este processo, e isto não é necessariamente um mal – temos o dever de nos informar sobre o tema abordado, evitando assim dizer disparates logo na primeira frase. E não precisamos de pesquisas aturadas: a Internet fornece informação essencial sobre tudo e o trabalho de cada um consiste em procurá-la e em lê-la com atenção e de forma crítica.

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    O passado vivido e aquele que é contado

    Ocupado, enquanto historiador, com um tempo próximo do que tenho de vida – dos anos cinquenta ao presente – deparo habitualmente com sinais de um conflito. Os historiadores sabem que não existe descrição fechada ou interpretação unívoca do passado, pois circunstâncias, subjetividades e meios determinam olhares inevitavelmente divergentes; mas sabem também que os factos do passado não podem ser apagados ou modificados. Não pode, por exemplo, afirmar-se que John Kennedy continua vivo, ou dizer-se que o Holocausto é uma fantasia criada por judeus, ou considerar-se que o genocídio arménio nunca aconteceu, quando existem provas de que assim não é. Todavia, existe quem não hesite em inventar ou em falsificar o passado, sobretudo aquele mais próximo, e por este motivo mais perturbante, para que ele possa corresponder às suas expectativas e interesses.

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      Atualidade, História, Olhares, Opinião

      Um pouco de racionalidade, outro tanto de história

      1. Como qualquer pessoa razoavelmente atenta e avisada previa com bastante segurança, a guerra, sob a forma de invasão, prevista por uas quantas almas para começar esta semana entre a Rússia e a Ucrânia, de facto não teve lugar. E, mesmo considerando, para quem tenha fé, que o futuro só a Deus pertence, muito dificilmente ocorrerá nos tempos mais próximos. Tratou-se de um jogo de pressões e chantagens que, obviamente continuará, na qual cada uma das partes procura assegurar posições num processo de equilíbrio instável. Pelo menos enquanto prosseguirem as disputas territoriais e os conflitos de influência entre Moscovo e Washington, com a União Europeia de permeio. Misturar o desejo de alimentar o sensacionalismo com o visionamento dos filmes de ação não é grande munição para produzir análises criteriosas de política internacional.

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        A Ucrânia e os «comentadeiros»

        Impressiona a forma como tão grande número de pessoas – nas redes sociais, onde tantas vezes se comenta de forma bastante light, ou com base na simples intuição e no «ouvir dizer», mas também, e aqui menos compreensivelmente, nos jornais e na televisão – dá a invasão da Ucrânia pela Rússia, e o avanço desta até Kiev, como dados praticamente adquiridos. Fala-se da paz e da guerra, para mais aqui mesmo ao lado, com uma ligeireza, uma falta de sentido estratégico e um desconhecimento da realidade no terreno e da história da região, verdadeiramente chocantes.

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          Os amigos de Putin

          O dramático conflito que tem vindo a opor a Rússia e a Ucrânia, e que nas últimas semanas tem sido ampliado a uma escala que tem feito com que possam escutar-se bem os tambores da guerra, está, por cá, a ser objeto de escolhas bastante eloquentes por parte do PCP e de uns quantos cidadãos opinantes que este partido de algum modo influencia ou que com ele coincidem. A opção aqui é bastante clara e inequívoca: para eles, a Rússia agressora representa de facto o Bem, enquanto a Ucrânia agredida é uma clara expressão do Mal. Esta escolha deriva de pressupostos expressos e de outros que, não sendo pronunciados, são perceptíveis por quem não esteja totalmente distraído. 

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            «Cancel culture» em tempos sombrios

            Como se sabe, a «cancel culture» (ou «cultura do cancelamento») é uma forma de ostracismo em que uma pessoa é expulsa de uma posição de influência ou fama devido a atitudes consideradas questionáveis – tenham elas ocorrido online ou no mundo real – por parte de quem desenvolve essa operação. Conduz ao boicote dessa pessoa, geralmente alguém prestigiado, de bom nome, que no presente ou no passado, incluindo-se aqui mesmo um passado bastante distante, adotou e compartilhou uma opinião controversa ou teve um comportamento no atual momento considerado errado ou ofensivo. Esta pessoa é então «cancelada», apagada, ignorada ou boicotada por antigos amigos e seguidores, transformados agora em adversários jurados, provocando um grave prejuízo na sua vida pessoal e pública.

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              Uma imprescindível «esquerda à esquerda»

              No que respeita ao essencial dos resultados das eleições do dia 30 de janeiro, não há volta a dar. Para além da inequívoca e confortável maioria absoluta que António Costa e o PS obtiveram, libertando-os para afirmarem o seu projeto próprio, mas também para os perigos de uma governação autocentrada e sem grandes concessões políticas, e da grande e rápida subida de uma direita à direita do próprio CDS, associada à difusão sistemática do ódio social e do racismo, ou ao recuo do Estado-Providência e ao regresso a um capitalismo selvagem inspirado no mundo brutalmente desigual do século XIX, eles representaram uma inegável derrota do Bloco de Esquerda e do PCP. Esta ocorreu numa escala que nem os mais pessimistas ou clarividentes, apesar dos sinais das sondagens, foram capazes de prever. 

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                Uma esquerda indispensável

                Não há volta a dar: os resultados das eleições do dia 30 significaram uma derrota, com uma dimensão que nem os mais pessimistas ou clarividentes conseguiram antever, do PCP e do Bloco de Esquerda, os dois maiores partidos situados à esquerda do PS. Pior, todavia, que essa derrota, já expetável para quem não vivesse cego pelas suas certezas, são sobretudo dois fatores. Em primeiro lugar a sua dimensão, que imporá uma menor capacidade de influência política institucional, agora transferida para o espaço da rua. Em segundo a aparente resistência, da parte das direções de ambos os partidos, a desenvolverem um processo de crítica e de autocrítica capaz de impor um reconhecimento dos erros táticos e estratégicos, sem empurrarem para os ombros dos outros responsabilidades que são próprias.

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                  O inferno são os outros

                  A tão usada frase «o inferno são os outros» foi introduzida por Jean-Paul Sartre na peça Huis Clos (Entre Quatro Paredes), escrita em 1944, onde é pronunciada pelo personagem Garcin. Os três únicos personagens, que incluem também Estelle e Inès, estão todos mortos e condenados para sempre ao inferno. Porém, neste não existe fogo, nem demónios, nem tenazes, como na tradição cristã, sendo a maior pena a que cada um é submetido o ter de conviver eternamente com os outros dois. Tem servido muitas vezes para identificar aquela atitude humana que tende a considerar que tudo o que de mau, errado, negativo, prejudicial, acontece em nosso redor, é culpa dos outros, de quem nos cerca, mas não nossa. Perante algumas interpretações dos resultados eleitorais com as quais estou a deparar – bem, algumas delas não são de facto interpretações, mas um enredado de queixumes e recriminações – as palavras de Sartre voltam a fazer sentido.

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                    No dia seguinte

                    As eleições legislativas deste domingo deixaram o país político numa situação inteiramente nova, diante da qual as armas da análise crítica precisam de afinação. Por este motivo, e também porque importa deixar assentar alguma poeira, limito-me, para já, a curtas notas sobre aspetos que me parecem particularmente significativos e evidentes. Adiante conto escrever de forma mais completa e prospetiva. 

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                      Vamos lá e depois conversamos

                      «Pois é» – como diz a irritante bengala da fala usada a torto e a direito por um meu conhecido – cá estamos de novo, neste sábado, em mais uma «pausa para reflexão» a anteceder um importante momento eleitoral. É sempre um dia algo perdido, desnecessário, para mais com a longa e profunda reflexão que, seja qual for o resultado, vamos ter de fazer a partir da noite deste domingo. Da minha parte, julgo que nunca «refleti» tanto em situação pré-eleitoral como o tenho feito nestes três meses. Até porque, pela primeira vez, irei votar, por exclusão de partes e um sentido de utilidade, num partido no qual não confio inteiramente. Mas, como diz aquele conhecido ditado, «em tempo de guerra não se limpam armas». Ou como lembra aqueloutro: «não há atalho, sem trabalho». Vamos lá votar à esquerda e depois conversamos.

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                        Votar (a escolha de domingo)

                        A larguíssima maioria das pessoas que aqui me seguem e lêem é composta por homens e mulheres, situados dentro da grande e plural área da esquerda, com quem tenho pelo menos algumas afinidades de natureza ética, estética, cultural ou política. É para elas este post, destinado a lembrá-las que, se ainda o não fizeram por antecipação, no próximo domingo, dia 30, não podem deixar de votar nas eleições legislativas.

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                          A cultura na campanha eleitoral

                          No Público de hoje, o coreógrafo e bailarino Rui Horta assina um texto de opinião significativamente intitulado «Campanha Eleitoral: 10 – Cultura: 0». Apesar de nele dar, com naturalidade, maior ênfase à sua área de interesse e trabalho, não deixa de colocar o tema numa perspetiva geral, mostrando até que ponto são escassas e ocupam um lugar claramente secundário as propostas eleitorais neste domínio.

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                            O voto, o nosso voto e o meu voto

                            1. Em democracia, não votar é deixar para os outros decisões sobre um destino que é de todos. Quando modelos opostos de sociedade se confrontam nas urnas, mais necessário é assumir esse momento de escolha. Circunstâncias várias – ponderar culpas não é o importante neste momento – transformaram as atuais eleições num combate desta natureza. Não pode, por isso, manifestar-se indiferença perante a alternativa que está em cima da mesa: ou manter em aberto uma governação essencialmente progressista, moderna, solidária e voltada para os direitos da cidadania; ou regressar ao sombrio passado fechado em 2015, sabendo-se que, para conseguir governar, a direita terá de incluir correntes defensoras do recuo do Estado-providência, da prioridade da iniciativa privada, da desigualdade e do ódio social.

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                              O voto como forma de participação

                              Thomas Jefferson, terceiro presidente dos Estados Unidos e um dos «pais fundadores» da nação americana, escreveu pelos finais do século XVIII que, em democracia, as maiorias dependem mais do grau de participação de quem lhes dá forma que da mera soma dos votos que as produzem. Tantos anos depois, esta afirmação – mesmo tendo em conta que o conceito de democracia de Jefferson se encontra hoje muito datado – mantém a sua grande justeza. Isto tem sido comprovado por um grande número de experiências, do passado e do presente, nas quais a maioria dos votos concedidos em eleições a um partido ou a um candidato, por não corresponder a um efetivo compromisso político da maior parte dos cidadãos que a exprimiram, acaba por desvalorizar a própria democracia.

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                                O problema do voto de protesto

                                Tem-se falado muito do papel do voto útil, mas não do desempenhado pelo voto de protesto. O tema foi de certo modo trazido hoje para o debate por um artigo de opinião da autoria de Boaventura de Sousa Santos saído no Público («A esquerda é burra?»). Nele se coloca a possibilidade de, no dia 30, poder existir alguma transferência de voto do PCP, e sobretudo do BE, para a extrema-direita. Foi o suficiente para um grande número de pessoas se erguer em protesto contra uma possibilidade que lhe parece impossível, passe o pleonasmo. Infelizmente, se olharmos com atenção para a realidade, veremos que assim não é.

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                                  Uma agenda plural de esquerda

                                  Este artigo sobre as legislativas foi começado há semanas, ainda sob o efeito de choque da reprovação do Orçamento. Levou, entretanto, algumas voltas, embora as ideias que contém sejam sensivelmente as mesmas da primeira versão, compensando apenas a surpresa e a perturbação daquele momento com uma maior intervenção da razão. Reflete a posição de um cidadão sem partido, politicamente empenhado e alinhado à esquerda – afirmar a antinomia esquerda-direita como ultrapassada, como volta agora a escutar-se, é sempre uma posição de direita – que procura refletir sobre esta nova encruzilhada em que se encontra a nossa democracia.

                                  Não devemos esquecer o que passámos nos últimos dez anos. Em 2011, quando a direita neoliberal tomou conta do governo e impôs quatro anos de depauperamento, perda de direitos e depressão coletiva, foi possível compreender o que poderia representar romper o cordão umbilical com os avanços sociais conquistados a partir da Revolução de Abril. No contexto da crise financeira e de uma aceitação total dos ditames da troika, o governo PSD/CDS deixou então os mais desfavorecidos e a classe média entregues ao seu destino e à incerteza. Um tempo felizmente fechado quando, com as eleições de 2015, um governo do PS sustentado numa maioria parlamentar plural de esquerda foi capaz de reverter essa tendência, inaugurando um tempo de reposição de direitos e de progresso. 

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