Arquivo de Categorias: Olhares

Uma realidade sombria e ameaçadora

Lembrou a comissária Ursula von der Leyen que a Europa se está a deparar com sombras de um passado que muitos julgavam extinto. Retirando os conflitos mais localizados que nos anos noventa, após o desmoronamento dos Estados do «socialismo real», tiveram lugar nos territórios da antiga Jugoslávia e do Cáucaso, há já perto de oitenta anos que o continente não assistia a uma guerra com a extensão e as consequências da que tem lugar na Ucrânia. Cidades inteiras destruídas, morticínios de civis, um povo inteiro em fuga e despojado de condições elementares de vida, ataques de artilharia pesada sem sentido aparente, impostos por uma estratégia de conquista e chantagem que utiliza uma política de terra queimada.

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    O reforço da NATO

    A Finlândia acaba de formalizar o pedido de integração na NATO. Seguir-se-á rapidamente a Suécia e, mais adiante, como não pode deixar de ser, a Ucrânia. O reforço de uma aliança militar – e uma que, no seu historial, tem iniciativas desastrosas, em larga medida determinada pelas escolhas dos Estados Unidos – jamais é boa notícia, salvo, percebe-se agora ser este o caso, se ela puder funcionar como instrumento dissuasor do imperialismo e da mancha de ditaduras que se perfilam encostados à Europa do pluralismo. Como se viu rapidamente, esta guerra foi um erro de cálculo de Putin, que esperava uns EUA sem interesse em meter-se noutra aventura e uma Europa de novo pusilânime. Saiu-lhe o tiro pela culatra e acabou por contribuir para unir e reforçar o inimigo que visava enfraquecer. Para todos nós, o pior é que não se trata de um jogo de vídeo e a emergência de uma segunda Guerra Fria, porventura menos fria que a primeira, não é mera hipótese.

    [Originalmente no Facebook]

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      Poder da ignorância em tempos difíceis

      Está por fazer, e talvez pudesse dar até uma curiosa e bastante útil tese académica em ciência política, em filosofia ou em história contemporânea, um inventário crítico da literatura que, nestes domínios do conhecimento, os nossos militantes amigos de Putin – entre aqueles, reconhecidamente uma minoria, com hábitos de leitura para além dos títulos dos jornais, das redes sociais e da imprensa partidária – alguma vez lê, leu ou lerá. Não apenas em termos de qualidade de conteúdo, de rigor e de abertura ao fluir do mundo, mas também no que respeita à atualização das obras que conhecem, à honestidade dos seus autores e ao vocabulário de que se servem. 

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        O revelador regresso de Vorochilov

        Nesta segunda-feira, 9 de maio, como acontece desde 2020, a cidade ucraniana de Lugansk, capital de uma das autoproclamadas repúblicas de maioria russa estabelecidas desde 2014 em território ucraniano por Vladimir Putin, voltará por um dia a chamar-se Vorochilovgrad, designação que já manteve entre 1935 e 1958 e depois entre 1970 e 1990. A designação homenageia o antigo marechal Kliment Vorochilov (1881-1969), nascido na Ucrânia e uma das mais sinistras e mortíferas figuras da história da União Soviética. Tendo sido desde cedo membro do Partido Bolchevique, quadro do Exército Vermelho e um dos poucos amigos próximos de Estaline, integrando o seu persistente núcleo duro de operacionais brutais, dos quais, além de Trotsky e de outros bolcheviques, o próprio Lenine manteve sempre distância. 

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          O passado e o presente

          Com o tempo de vida que levo e as experiências que fui juntando, péssima marca de caráter sustentaria se não tivesse muito para contar. Mais: seria por certo um tolo se em relação a muitos dos momentos que pude viver não experimentasse hoje alguma forma de nostalgia. Além disso, sendo historiador de formação e de profissão, sei muito bem como o passado nos forma e como importa invocá-lo para entender o presente e preparar o futuro. E ao mesmo tempo, aqui enquanto cidadão, sei também, como lembrou Primo Levi, que existe sempre um dever de memória para com quem se bateu, participou, sofreu, foi marginalizado ou mesmo morto por se bater por um presente mais feliz e por um futuro melhor.

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            O simples e o complexo das análises

            Digo por vezes aos alunos que pedem para lhes recomendar «um livro onde esteja resumido o mais importante», que tudo é complexo, inclusive o simples. Porque quanto maior for a simplicidade de um determinado texto – e simplicidade não é aqui sinónimo de clareza -, mais denso será aquilo que permanece na sua sombra. No atual contexto de conflito, será bastante pedagógico comparar as análises da situação política e militar, sempre intrincada e em rápido processo de transformação, normalmente da autoria de especialistas, das declarações sobre o tema produzidas por partidos políticos e militantes seus, ou por pessoas que querem acima de tudo produzir doutrina.

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              Combate político e insulto pessoal

              Em muitos momentos, sobretudo quando se defrontam ideias e campos inteiramente antagónicos, o combate político deve ser frontal. A democracia ressente-se muitas vezes, ou pode até perder-se, com o abuso dos «paninhos-quentes», que normalmente diluem ou afastam os aspetos mais críticos dos temas em disputa, concentrando-se nos detalhes laterais ou irrelevantes. E deste modo empurrando com a barriga a solução dos grandes problemas coletivos. Então quando aquilo que está em jogo é a vida e a morte, ou algo que afeta poderosamente a vida de sociedades inteiras, a contemporização das razões é particularmente perigosa, devendo ser evitada. A frontalidade passa então, muitas vezes, pela responsabilização pessoal associada a decisões ou a declarações que quem a exerce pretende pôr em causa.

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                Amigos de Putin

                Não é apenas por trabalhar profissionalmente sobre história contemporânea. Lembro-me perfeitamente da atenção pessoal que prestava à política internacional daquelas décadas, anteriores à queda do Muro de Berlim, em que o governo da União Soviética tudo fazia para, em relação à iniciativa externa norte-americana, mostrar como vantajosa, ou pelo mais aceitável, a supremacia dos republicanos. Apresentava-se sempre muito mais aberto a propostas das administrações de Washington que vinham do lado do partido do elefante.

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                  A França contra a extrema-direita

                  Os resultados das eleições francesas não são surpreendentes, embora sejam muitíssimo preocupantes. Como é sabido, venceu a primeira volta o candidato do centro-direita, Emmanuel Macron, com 27,84% dos votos, seguindo-se Marine Le Pen, da extrema-direita racista e xenófoba, com 23,15%, e Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa, que reúne diversos setores de uma esquerda mais extrema, com 21,95%. Em quarto lugar ficou Éric Zemmour, da direita radical, com 7,07%, que, entretanto, como era de esperar já apelou à concentração do voto dos seus eleitores em Le Pen. 

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                    Posições

                    Jamais separo, perante uma situação sobre a qual me parece dever tomar posição, as medidas a tomar e as escolhas a fazer de quem as sugira ou defenda. Salvo se se tratar de fascistas declarados ou de defensores de tiranias, ao lado dos quais jamais estarei, divulgo ou subscrevo quando entenda as posições que me parecem justas e úteis, venham elas de onde vierem. Mesmo de pessoas com quem estou muitas vezes em desacordo e das quais a dada altura me possa ter afastado. Infelizmente, existe quem prefira colocar o rancor, o desacordo pontual ou a escolha partidária como fator que impede a adesão partilhada a escolhas que a todos dizem respeito e até considera as acertadas. Em situações particularmente críticas – como a que estamos agora a atravessar – essa é, na prática, uma forma de estar do lado das posições que no íntimo se rejeitam. Não mostra a coerência e a coragem de quem o faz.

                    [originalmente no Facebook]

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                      O PCP e a crítica

                      Imutável a forma, praticada nestes já quase cinquenta anos que leva o regime democrático, como qualquer crítica feita ao PCP no sentido de questionar algumas das suas escolhas e de o reaproximar do restante campo democrático são imediatamente consideradas, por dirigentes, militantes e companheiros de jornada, sempre, mas sempre, de pedra na mão ou em forma de sarcasmo, como gestos de «anticomunismo» que consideram persecutórios e rejeitam como meras agressões. Repetidamente a mesma atitude defensiva, de quem não só se considera acima da crítica dos outros, como nem põe a hipótese de argumentar de forma transparente com quem a exerce de um modo essencialmente positivo e cordial. O PCP jamais aceita a crítica, seja a pontual ou a de fundo, procurando minimizar quem a faça, e ainda considera esta atitude um sinal da plena justeza das suas escolhas. É pena que assim seja, para mal da democracia e sobretudo do próprio partido.

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                        Pacifismo, resistência e crise de consciência

                        Nas últimas décadas, algo de análogo impacto apenas terá ocorrido com a queda do Muro de Berlim e o ataque às Torres Gémeas. A invasão da Ucrânia pela Rússia é um daqueles raros episódios que de imediato se percebe sinalizarem uma viragem histórica. É fácil entendê-lo quando é já evidente o seu efeito no equilíbrio global geoestratégico, na política energética, na aproximação entre governos há pouco desavindos e principalmente na vida e no bem-estar de largos milhões de seres humanos. Não custa perceber que a União Europeia, a NATO, e também a Rússia, além da exangue Ucrânia, jamais serão o que foram até serem disparados os primeiros mísseis russos sobre Kiev na madrugada de 24 de fevereiro de 2022.

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                          Refugiados, solidariedade e caridade

                          Passadas quatro semanas do início da invasão da Ucrânia, já chegaram a Portugal mais de 21.000 pessoas, a larga maioria composta por mulheres e crianças que aqui procuram refúgio, e com ele, em muitos casos, a possibilidade de escapar à morte e à destruição do seu país, podendo começar a refazer as suas vidas. Para trás ficaram muitos homens, e também algumas mulheres, que integram agora a corajosa, e, pelo que se pode ver, eficaz resistência armada ao invasor. Ficou também a vida toda: as suas casas, os seus bens, os amigos e familiares, o emprego, a escola, os projetos, as memórias.

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                            Bater na avó

                            Ser membro de um partido político não é, só um idiota o pode confundir, propriamente como ser sócio de um clube de futebol. Para além do pagamento das quotas e da necessidade de agitar a bandeira de vez em quando, a pertença a um partido digno do nome implica um conjunto de partilhas e de solidariedades que tornam a pessoa parte de um coletivo solidário, cuja vida está muito para além de noventa minutos de cada vez e é uma componente essencial da democracia. Sem este grau de adesão, não faz sentido integrar um partido e, tendo dado esse passo, delegar necessariamente, por vontade própria, uma parte da autonomia individual.

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                              «Em tempo de guerra todo o buraco é trincheira». 

                              Como sabe quem a viveu ou tem algum conhecimento da história, ou pelo menos vê filmes e séries, a guerra aberta impõe situações de exceção que em tempo de paz seriam intoleráveis. É sempre uma suspensão da normalidade, quando a linha entre a vida e a morte estreita ao máximo e não deixa grande lugar para posições de desinteresse ou contemporização. Como afirma um antigo provérbio, «em tempo de guerra todo o buraco é trincheira».

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                                Refugiados e humanitarismo conceptual

                                A perder de vez a dose de paciência que ainda me restava com aquela espécie de gente que, de tanto amor conceptual por uma humanidade distante, não perde a oportunidade para apoiada em explicações ou em fantasias fabricadas à medida, mostrar menosprezo pelo sofrimento mais próximo. Aquele manifestado na primeira pessoa e gravado no corpo, por gente de carne e osso que nos surge ao virar da esquina ou à distância de apenas umas horas de viagem. 

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                                  Anda a circular por aí, em particular nas redes sociais, um par de mapas onde se mostra o crescimento da presença da NATO na Europa ao longo das últimas décadas. Por eles se pode constatar o óbvio: já apenas a Rússia, a Bielorrússia e a Ucrânia – esta em tentiva de fuga a essa ligação – escapam, no espaço do continente, à pertença ou, pelo menos, à influência do tratado militar. O objetivo de quem divulga esses mapas é mostrar como a NATO está a cercar a Rússia e, por isso, como a reação do governo de Putin é no mínimo compreensível.

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                                    A invasão da Ucrânia tem deixado claro que entre nós apenas o PCP e um grupo de pessoas que influencia não rejeitam declaradamente a decisão de Putin. Todavia, quem paute a realidade pelo que se pode ver nas redes sociais fica com uma perspetiva diferente. A este propósito, vale a pena lembrar que durante décadas, em espacial a partir do final da Segunda Guerra Mundial, os partidos comunistas que atuavam dentro das democracias representativas detiveram uma influência sempre bastante superior ao seu real peso eleitoral. Depois do 25 de Abril, em Portugal essa situação também se verificou, em particular depois de 1991, quando o PCP desceu abaixo dos dois dígitos. E mesmo hoje, quando já apenas representa 5% do eleitorado, a sua voz continua a ter um eco muito superior ao peso político e social efetivo. O que se repete na atual situação. 

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                                      Cibercultura, Democracia, Olhares, Opinião