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De la Rovere em Madrid

De la Rovere

Adolfo Suárez

Segundo o seu autor, este livro é o testemunho de um fracasso. Mas será melhor não o tomarmos demasiado a sério. Acontece apenas que Anatomia de um instante foi concebido como um romance e acabou por não o poder ser. Javier Cercas percebeu-o de imediato quando começou a recolher dados sobre o acontecimento que resolvera ficcionar e se viu confrontado com um volume surpreendente de informação. Percebendo que nessas condições seria um enorme desperdício abordar o tema na perspectiva da pura construção romanesca, decidiu reorientá-lo para o campo do ensaio. E assim apareceu esta aliciante história do dia 23 de Fevereiro de 1981, quando, como parte de uma conjura militar contra a «transição democrática», um destacamento da Guardia Civil espanhola, comandado pelo teatral tenente-coronel Tejero Molina, ocupou pelas armas o Congresso dos Deputados. Sequestrando-os a todos, bem como ao executivo, que ali se encontrava presente para a tomada de posse de Leopoldo Calvo Sotelo, o sucessor de Adolfo Suárez na presidência do governo. Gravado pelas câmaras da TVE, propagado de imediato pelos telejornais do mundo inteiro, o drama impôs-se por si mesmo, revelando, na intervenção dos actores principais, as dificuldades e os paradoxos com os quais convivia na altura a jovem democracia espanhola. (mais…)

    História, Memória

    Sobre o anti-semitismo

    anti-semitismo

    Três investigadores noruegueses juntaram-se para organizar este volume sobre o historial duradouro e violento do anti-semitismo. Como ponto de partida, consideraram ser uma definição simplista ligá-lo ao ódio aos judeus só por estes o serem, atribuindo-lhe um sentido bem mais amplo: tomam-no como expressão de rancor em relação aos judeus, sem dúvida, mas mais fundada no imaginário das características que lhes são atribuídas do que no seu lugar social concreto. Dito de outro modo, o anti-semitismo é, para os autores da obra, um processo de transformação dos judeus reais em «judeus» imaginários, conduzindo à sua demonização e à defesa de medidas repressoras ou punitivas contra a sua presença, onde quer que esta se faça sentir. Avançam pois, de certa maneira, com uma argumentação análoga à usada entre nós por António José Saraiva quando qualificou a Inquisição portuguesa como uma «fábrica de judeus», descobrindo-os, inventando-os, onde eles de facto não existiam. Toda esta História, exaustiva na detecção de sucessivos exemplos da afirmação de ideias e de práticas de natureza anti-semita, segue este princípio: à caracterização do «judeu» têm sido demasiadas vezes associadas particularidades inteiramente ficcionadas que mascaram ou moldam a realidade.

    A obra segue ao detalhe quatro momentos na cronologia do anti-semitismo: o anti-judaísmo com motivações religiosas, forjado pelo cristianismo, que pode ser encontrado desde a Idade Média até ao período das Luzes; o anti-semitismo moderno que se desenvolve nos finais do século XIX com base em supostas bases científicas, conduzindo no limite ao Holocausto; o anti-semitismo pós-Auschwitz associado a teorias negacionistas que visam reinterpretar o destino dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial; e, finalmente, um anti-sionismo contemporâneo, supostamente «de esquerda», fundado na condenação sem direito de resposta do «objectivo judeu» do Estado de Israel. Em Jesus da Nazaré, recentemente publicado, Bento XVI ilibou «o povo judeu no seu conjunto» da morte premeditada de Cristo, uma atitude que tem uma óbvia intenção política: a anulação do princípio fundador do anti-semitismo que é a sua abjecção, ao longo de séculos, por parte do cristianismo. A necessidade sentida pelo papa de se pronunciar publicamente sobre o tema realça a subsistência deste ódio orientado na nossa vida colectiva e, consequentemente, o interesse deste livro.

    Uma advertência sobre a tradução: mesmo sem cotejar o texto com o original norueguês, percebe-se a imprecisão de muitas frases e termos, estorvando a clareza das ideias e atenuando um pouco o prazer da leitura.

    [Trond Berg Eriksen, Hakon Harket e Einhart Lorenz, História do Anti-Semitismo. Edições 70. Trad. de João António Correia de Sousa Araújo. 694 págs. Publicado na revista LER de Abril de 2011.]

      História, Memória

      e-Hobsbawm

      Karl Marx Strasse

      Os grandes leitores reconhecem a mania de comprar livros no exacto dia do seu lançamento. Não pelo capricho banal de bibliófilo, cioso sempre das suas primeiras edições, ou por se não ter algo de realmente urgente para fazer: sabem perfeitamente que é antes por tanto quererem olhá-los, tocar-lhes, enfim lê-los, que não resistem a esperar mais algum tempo e se põem a caminho da loja mais próxima. Partilhando durante muito tempo desta compulsão, circunstâncias várias fizeram com que a fosse perdendo. Recuperei-a há poucos meses. Às nove exactas horas de uma manhã de Janeiro passado, tinha já a palpitar entre os dedos, em formato de e-book, um livro recém-saído de Eric Hobsbawm, acabado de comprar na loja online da Amazon.

      How to Change the World: Tales of Marx and Marxism, editado pela Little, do Brown Book Group, é basicamente uma grande compilação, de quase 500 páginas, contendo artigos escritos entre 1956 e 2009 pelo grande historiador britânico de 93 anos. O volume passa por distintos momentos do percurso político e filosófico do autor, ocupando-se também de fases diferentes do trajecto e do impacto mundial da obra de Karl Marx. Trata ainda, sem complexos, a fase de recuo desta influência que Hobsbawm julga ter começado em 1983. A data-charneira foi escolhida pelo seu peso simbólico: evocava-se nesse ano, quase em silêncio e sem quaisquer pompas, o centenário da morte do alemão. O que parece realmente único é o facto deste regresso a Marx ter sido produzido no contexto de uma realidade tecnológica e de processos de troca impraticáveis e mesmo impensáveis no tempo do filósofo de Trier, ou sequer durante os anos centrais da vida, da pesquisa e da reflexão de Hobsbawm.

      A compra e a leitura de e-books proporcionam este paradoxo: viajar num segundo entre dimensões radicalmente diferentes do processo de construção, de circulação e de apreensão da obra escrita, reposicionando ao mesmo tempo o seu próprio conteúdo.

        História

        Sete dias como «autor publicado»

        Não acredito na absolutização da ideia mil vezes proclamada como grandiosa de «escrever para a gaveta». Mesmo o escritor não publicado – ou aquele que sabe ter escassas ou nulas hipóteses de vir a sê-lo – escreve sempre para outro alguém. Será, se para mais ninguém for, para a/o amante, para um amigo cúmplice ou para o leitor ideal que um dia cairá do céu. Em contrapartida, não têm conta os escritores condicionados pela censura ou pelo medo do julgamento público impiedoso que escreveram a maior parte da obra, se não toda ela, sem a perspectiva de que esta pudesse vir a ser editada. Em «Amar Dostoievski», um artigo de Susan Sontag integrado na compilação póstuma Ao Mesmo Tempo, evoca-se o caso peculiar de Leonid Tsípkin (1926-1982).

        Este médico russo de origem judaica viu a família ser repetidamente atingida pela repressão estalinista, e a ele próprio debaixo de constante suspeita, tendo por isso resolvido escrever apenas para os mais chegados. Recusando-se até, com medo de problemas insolúveis com o KGB, a deixar que os seus originais circulassem clandestinamente. Da sua perseverança contida diz a dado passo Sontag: «Escrever sem esperança ou perspectiva de ser publicado – que reserva de fé na literatura isso não implica?». Acabaria no entanto por aceder a publicar no estrangeiro Verão em Baden-Baden, romance construído em volta de um episódio da vida de Fiódor Dostoievski. A 13 de Março de 1982, um semanário nova-iorquino começou a publicá-lo sob a forma de folhetim. A 15 de Março, uma segunda-feira, Tsípkin foi despedido do instituto médico moscovita onde trabalhara a maior parte da vida. A 20 de Março sentiu-se mal quando estava em casa a traduzir um artigo; deitou-se, chamou pela mulher e morreu. Mas durante sete dias foi «autor publicado».

          História, Leituras, Memória, Olhares

          Apontamento malaguenho

          Combatentes republicanos

          Queridisimos intelectuales (del placer y el dolor) é um documentário que obviamente não vi, estreado ontem no Festival de Cinema de Málaga no qual certamente não estive. Dele retenho, por isso, apenas os ténues ecos, frases soltas, que chegam com as leituras em roda livre das três da madrugada. Eles contam que o filme cola intervenções avulsas, aparentemente incoerentes, de intelectuais espanhóis contemporâneos. Guardo duas. A primeira é de Carlos Moya, não o ex-tenista de sucesso mas o sociólogo emérito, que declara ter sido o haxixe, durante os anos sessenta, «a quinta coluna do Islão» no Ocidente. Fica a boutade, para reflexão eventual e memória futura da mesma. A segunda intervenção que retenho é a de Santiago Carrillo, e nela o velho resistente, o antigo secretário-geral do PCE, afirma que durante a Guerra Civil espanhola teve lugar «uma explosão de liberdade sexual».

          Esta «liberdade sexual» nas diversas frentes de combate deve ser relativizada mas foi real. Ela serviu à propaganda do franquismo, aliás, para mostrar a «imoralidade» dos republicanos, apresentados por vezes como vivendo em permanência entre Sodoma e Gomorra. Veja-se, como exemplo, a descrição dos republicanos «bolcheviques e jacobinos» traçada no conhecido filme de propaganda L’assedio del’Alcazar, rodado em 1940 por Augusto Genina. Sem querer ser simplista, julgo no entanto poder dizer, em abono da frase de Carrillo, que uma moral sexual mais rígida, fundada na condenação de ligações múltiplas, descomprometidas e fora do casamento, foi sinal, apenas sentido a partir dos anos quarenta, de uma regressão do franquismo em relação a práticas anteriores, historicamente comprováveis, que admitiam realmente uma menor rigidez no campo da sexualidade. Algo de semelhante se passou aliás em Portugal, com o recuo imposto durante o salazarismo de uma vivência social, sob este aspecto razoavelmente aberta, que havia sido posta em prática em determinados ambientes durante a Primeira República.

          Por outro lado, e esta é uma constante intemporal, a guerra intensa, e a guerra civil é uma guerra de elevadíssima intensidade, funciona sempre – como sabe quem alguma vez a viveu e os livros nos contam vezes infinitas – como um poderoso afrodisíaco. Debaixo da sua influência, os «factos da vida» acontecem então por si, mais naturalmente, por vezes violentamente, quase sempre com urgência. E nem entre os franquistas ela esteve ausente, como o comprovam diferentes testemunhos. Por isso a frase de Carrillo só pode admirar quem ande um tanto distraído ou esteja, com falta de tempo, à procura de um título para uma breve nota de reportagem. Provavelmente foi isto que aconteceu. Com êxito, pois foi ela que me chamou a atenção durante a leitura-relâmpago desta noite.

            Apontamentos, Devaneios, História, Olhares

            Young reds

            Reds

            Ontem, 6 de Março, o Partido Comunista Português fez 90 anos. Pode dizer-se, e nem poderia ser de outro modo, que este PCP pouco tem a ver com o de 1921. Claro que não tem, como pouco tem a ver com o de 1959, o de 1975 ou mesmo o de 1991. O país e o mundo foram mudando, o comunismo também, e os comunistas a mesma coisa, ainda que possam mudar mais vagarosamente. No entanto, para além das linhas organizativas e de orientação táctica pelas quais passam as diferenças, por vezes profundas, que o tempo faz sobressair, existe um sinal de continuidade que não tem a ver apenas com a cor do estandarte: desde o início, o PCP sempre afirmou na sociedade portuguesa uma atitude de resistência às desigualdades do capitalismo e fez ouvir a sua voz em defesa dos direitos mais essenciais dos trabalhadores. Sempre da melhor maneira? Com certeza que não, e os comunistas mais honestos, informados e lúcidos – ou mesmo os inflexíveis e coléricos num momento de pausa – serão com toda a certeza os primeiros a reconhecê-lo. Mas para quem não tenha memória, ou não conheça a História, é importante relembrar que foram muitos os homens e as mulheres que dedicaram a vida aos interesses dos outros e o fizeram, ou ainda o fazem, debaixo da bandeira vermelha da foice e do martelo.

            Esta é uma realidade indesmentível, que divergência alguma, ou crítica alguma, está em condições de contradizer. O PCP é um partido histórico, que conquistou a pulso, geração após geração, o direito a existir e a ser ouvido, e que, independentemente das posições políticas questionáveis, erradas ou mesmo inconsequentes que possa muitas vezes defender, continua a merecer a consideração dos democratas. Merece-a enquanto permanecer como partido que aceita as regras básicas da democracia representativa – para cuja fundação teve aliás um papel decisivo – ainda que, entre os comunistas portugueses, ou nas suas margens, exista quem de facto a despreze na essência, aspirando a uma outra, supostamente mais pura, «socialista» ou «popular», na qual a diferença de opinião esteja condicionada pela autoridade de quem se arroga, sem direito a contraditório, a falar em nome de todos. (mais…)

              Atualidade, História, Olhares, Opinião

              A grande ilusão

              comunismo

              A historiografia das últimas duas décadas integra um grande número de obras e de autores que se ocupam com o trajecto do comunismo enquanto projecto e experiência, transmitindo uma multiplicidade de abordagens apenas possível devido aos acontecimentos súbitos e inesperados que antecederam a queda do Muro de Berlim e que esta precipitou. A abertura dos arquivos antes reservados dos antigos «países socialistas» e o fim dos medos impostos pela Guerra Fria possibilitaram estudos audaciosos e com uma forte carga de novidade. Muitos investigadores centraram então no tema o seu trabalho, desenvolvendo projectos que em poucos anos deram excelentes resultados. Não é este, todavia, o caso do historiador e cientista político britânico Archie Brown, que há mais de 40 anos, muito antes da vaga irromper, se dedicou a estudar o comunismo e as experiências de poder moldadas no exemplo da Revolução de Outubro. Ascensão e Queda do Comunismo é assim uma obra de síntese ligada a muitos anos de pesquisa de arquivo, trabalho de campo e reflexão. Desta combinação resulta aquilo que noutras condições seria difícil obter: um trabalho sóbrio e conciso que nem por isso deixa de informar, de oferecer novidade e de aliciar o leitor.

              Temos pela frente uma completa história do comunismo enquanto desígnio vital na história do século XX, mas podemos observar também as condições do seu surgimento e declínio. A viagem distribui-se por cinco jornadas com um suporte cronológico: origem e desenvolvimento fundado nas intervenções de Marx e de Lenine, continuando até ao momento em que a União Soviética deixou de ser exemplo único; alastramento do modelo comunista entre o termo da Segunda Guerra Mundial e a morte de Estaline; fase de expansão através do chamado «Terceiro Mundo» e emergência do conflito sino-soviético; período de pressão, correspondendo à viragem para os anos 80, quando as contradições no interior do bloco socialista se agudizaram; fase final de desagregação e queda dos regimes. No entanto, o livro não se restringe a um levantamento sequencial das experiências de tomada e conservação do poder. É verdade que tem em consideração a história, mais longa e decisiva, da União Soviética, bem como o trajecto dos Estados que partilharam o seu destino, com uma atenção particular para a China, dado o seu prolongado impacto planetário. Mas vai muito para além da exposição dos factos, desenvolvendo aspectos menos abordados aos quais se ligam alguns dos momentos mais ricos e estimulantes. É o caso da fundamentação da capacidade sedutora do ideal comunista, dos meandros da tomada do poder pelos comunistas na Europa recém-arrancada das mãos de Hitler, da percepção da teia de intrigas que envolveu a tentativa de regeneração do sistema associada à «Primavera de Praga» e do papel decisivo das transformações ocorridas na Polónia na desagregação de todo o bloco socialista.

              Um trabalho de interpretação do papel preenchido pelos partidos comunistas nos países democráticos, definindo invariavelmente uma influência superior ao seu real impacto eleitoral, tal como uma tentativa mais detalhada de compreensão das condições que possibilitaram a longa vida da experiência comunista ou que determinaram o seu colapso, funcionam também como factores de valorização deste livro. Importa acrescentar que, apesar de não ser propriamente um simpatizante do projecto histórico ao qual tem dedicado a vida profissional, Brown conserva em relação a ele uma posição de esforçada equidistância e objectividade. A obra reconhece o valor das «democracias consolidadas» como mais capazes de proporcionarem justiça e liberdade aos cidadãos do que os estados construídos «sobre as bases criadas por Marx e Lenine», mas de forma alguma pode ser tomada como anticomunista. Um bom livro para quem comece a interessar-se por estes temas ou sobre eles procure uma síntese útil e capaz.

              [Archie Brown, Ascensão e Queda do Comunismo. D. Quixote. Trad. não identificada. 776 págs. Publicado na revista LER de Fevereiro de 2011.]

                História

                E não se deitaram no chão

                Anatomia de um instante, de Javier Cercas, é uma narrativa pormenorizada das circunstâncias que envolveram o 23 de Fevereiro de 1981, quando as Cortes espanholas foram assaltadas por duzentos membros da Guardia Civil comandados pelo tenente-coronel Tejero Molina. A operação foi parte de uma tentativa de golpe lançada pelos militares franquistas contra um regime democrático que dava ainda os primeiros passos. A momentânea vitória dos sublevados acabaria por ser contrariada em boa parte pela intervenção do rei, mas durante longas horas, uma noite inteira e ainda parte da manhã seguinte, governo, deputados e jornalistas presentes à hora do assalto foram conservados como reféns pelos assaltantes. A parte mais dramática e imprevisível foi a inicial, quando os militares irromperam pela sala e foi dada uma ordem no sentido de todos se deitarem de imediato no chão. A ordem foi acompanhada por um tiroteio desgovernado que não feriu ninguém mas bastou para atemorizar os presentes e dar ao país e ao mundo – a televisão transmitiu as imagens em directo – a ideia de que não se tratava propriamente de uma brincadeira.

                No livro de Cercas, como no momento do golpe, destacam-se três homens cuja bravura se explica em poucas palavras. Foram os únicos dos presentes que não se atiraram para o chão e encararam os golpistas, sabendo qualquer deles, naquele preciso momento, que se apenas três dos que se encontravam dentro da sala fossem fuzilados seriam precisamente eles. Relembro os nomes: Adolfo Suárez, primeiro-ministro demissionário, um antigo franquista bon-vivant que atraiçoara os seus tornando-se figura-chave da transição para a democracia; o general Manuel Gutiérrez Mellado, que durante a Guerra Civil se batera contra os republicanos mas agora apoiava Suárez na qualidade de ministro da Defesa, transformando-se para a extrema-direita no exemplo máximo de traição; e Santiago Carrillo, o então secretário-geral dos comunistas, que pelo simples facto de personificar a principal e «demoníaca»  força de oposição a Franco era o deputado mais odiado pelos amotinados de arma engatilhada. Suárez deixou-se ficar sentado, como que impassível e, sugere Cercas, a «posar para a História»; Gutierrez Mellado, de setenta anos e o mais velho dos três, resistiu fisicamente e de pé à ordem dos assaltantes, só se sentando quando lhe apeteceu; Santiago Carrillo, o velho e experimentado combatente antifranquista, manteve-se sentado a saborear calmamente o seu cigarro.

                Claro que este post é só um engodo para a leitura deste livro intenso, encaixado num género híbrido, entre a história, o jornalismo e o romance.

                Rui Bebiano

                Javier Cercas, Anatomia de um instante. Trad. de João Pedro George. Dom Quixote. 458 págs.
                  História, Leituras, Memória

                  Entre sombras e silêncios

                  Em crónica saída na revista New Statesman, o escritor ucraniano Andrei Kurkov descreveu Sussurros, de Orlando Figes, como «uma fascinante enciclopédia das relações humanas», considerando-o, a par do Arquipélago Gulag, de Soljenitsine, e dos Contos de Kolima, de Varlam Chalamov, como «um dos maiores monumentos literários do povo soviético». Não se trata de uma desnecessária hipérbole, pois esta é, de facto, uma obra soberba e claramente inovadora. Convém à partida desvanecer um eventual equívoco: este não é mais um dos muitos estudos históricos descritivos e estatísticos sobre Estaline, o estalinismo e as suas vítimas proporcionado pela abertura dos arquivos que se seguiu à Glasnost. Mergulhando nas sombras, surge antes como uma abordagem da vida diária das pessoas comuns e da forma como esta foi condicionada pela engenharia social do «homem novo». (mais…)

                    História, Memória, Olhares

                    Alívio

                    Billy the Kid

                    Prevaleceu o bom senso. Ao contrário do que chegou a ser anunciado, o Estado do Novo México não vai perdoar a Henry McCarty, ou melhor, a William H. Bonney, ou melhor ainda, a William Antrim, Jr., aliás Billy the Kid, 118 anos depois da sua morte às mãos do xerife Pat Garrett, os crimes cometidos, segundo palavras do governador Bill Richardson, «a saquear, a devastar e a matar os merecedores e os inocentes de igual forma». Salvaguarda-se assim uma parte do património americano que muitos milhões de pessoas foram partilhando. Pois faria lá sentido algum que agora, à revelia de tantos rapazes que vibraram com os seus assaltos, que se entusiasmaram com os duelos de carabina e revólver ganhos pelo herói-bandido com cara de bebé, se passasse um atestado de ignóbil inocência ao famigerado Kid?

                      Devaneios, História, Memória, Olhares

                      A «geração de 60» para meninas preguiçosas

                      Meninas

                      Saiu há dias no Público, em mais uma daquelas declarações de ódio que invariavelmente substanciam os artigos de opinião de Helena Matos, um arrazoado sobre a herança da «geração de 60» (entretanto publicado também aqui) ao qual estive para responder de imediato. Acabei por adiar a escrita porque fiquei à espera de ter o texto disponível online, e depois, à medida que o tempo passava, fui ganhando consciência de que o artigo é tão mau, tão mau, tão mau, e tão carente de um mínimo de coerência e de substância, que não justificava um esforço de enumeração, para não dizer de contestação, do rol de confusões e deformações que adianta. Este post não vai, por isso, dialogar com a crónica de Helena Matos.

                      Por múltiplos motivos, entre eles a ocorrência, não insignificante, de sendo historiador ter obrigatoriamente sentido crítico e treino analítico em relação ao reconhecimento e à interpretação do passado, não me move qualquer ideia de «defesa da honra» de uma «geração» com contornos muito mais amplos e densos do que o artigo procura fazer crer. Não gosto aliás do conceito: «geração» impõe em excesso unidade, identidade, onde existe principalmente movimento e diversidade. Mas qualquer pessoa informada e arguta sabe que todas as situações históricas são complexas e que devem ser compreendidas sob a perspectiva contextualizada dos factos e dos efeitos. Ora existe suficiente trabalho de investigação publicado – nacional e sobretudo internacionalmente, e nos mais diversos campos das humanidades e das ciências sociais  – para podermos ter hoje uma perspectiva crítica bem mais completa e ponderada do que aquela, linear e simplória, cheia de erros, apreciações subjectivas e invenções, detectável na referida crónica.

                      No entanto, o facto de a perspectiva ser simplória não faz da autora uma ingénua, que obviamente não é. A ignorância e a distorção são enormes, como entretanto tem sido dito em comentários saídos na blogosfera – destaco o de Joana Lopes, onde se mostra como Helena Matos erra até o alvo em relação ao que congemina serem os «sessentistas» portugueses no activo –, mas o objectivo último, no qual aliás reincide, é claro e bem consciente: a abjuração do Estado-Providência e a defesa de que os projectos igualitaristas, que colocam a noção de felicidade e bem-estar à frente do princípio da competição de matriz neoliberal, devem ser atirados para o caixote do lixo da História. E de que as «gerações» mais recentes precisam pedir contas àqueles que, na estreita lógica da cronista, deram cabo do que restava desse «mundo ideal», supostamente perfeito e convenientemente ordenado, que os despenteados sixties vieram abalar. O que move Helena Matos é, pois, a adesão a uma agenda que, se quisermos usar a mesma bitola analítica pobre e de mão aberta da qual se serve, podemos afirmar ter sido impressa nos cinzentos anos 80.

                      Adenda –  Este post contém uma percentagem de adjectivos bastante superior ao que seria estilisticamente conveniente. Mas saiu assim e os motivos serão óbvios.

                        Atualidade, História, Olhares, Opinião

                        O século XX na ponta dos dedos

                        M. Gilbert

                        Mesmo que nos limitemos à edição nacional, é grande a oferta de «Histórias do Século XX» actualizadas ou que mantenham um grau de actualidade temática que lhes amplia o interesse. É o caso das obras de Hobsbawm, Judt, Roberts, Droz e Rowley, Gombrich, Fulbrook ou Blainey, que podem ser facilmente encontradas nas livrarias. Nenhuma, infelizmente, de autores portugueses, confirmando uma certa tendência da historiografia nacional para manter uma redutora resistência a investigar e a escrever no domínio da história comparada. Para não irmos mais longe, os espanhóis têm-se revelado bem menos tímidos neste campo. A esse conjunto de trabalhos junta-se agora o livro de Martin Gilbert, o historiador britânico que escreveu, entre outras obras, uma excelente biografia de Winston Churchill, uma História de Israel, e duas completas Histórias das guerras mundiais, todas editadas em Portugal. No entanto, é preciso reconhecer que esta não é uma obra de análoga qualidade historiográfica, mesmo que tenha todas as condições para se tornar útil tanto ao leitor não especialista quanto ao profissional que precise de uma referência rápida e com garantia de qualidade.

                        A atitude dúplice de reserva e de interesse justifica-se em poucas palavras. Por um lado, Gilbert pratica o género de história factualista que, sobretudo a partir do final da Segunda Guerra Mundial, e em particular ao longo das décadas de 1960-1970, levantou enormes resistências nos meios académicos de ensino e de pesquisa avançada no campo da História, tendo sido quase exclusivamente no universo cultural de matriz anglo-saxónica que conservou algum destaque. Por outro, ela assegura um fio de inteligibilidade, não perturbado por estratégias interpretativas complexas, que facilmente seduz o leitor sem grandes exigências académicas, geralmente mais interessado em conhecer do que em compreender, ou, menos ainda, em explicar. Esta funcionalidade didáctica é, aliás, particularmente realçada pelo facto da cronologia escolhida abranger todo o século XX, encerrando rigorosamente em 1999, o que permite assegurar processos de inteligibilidade de acontecimentos recentes que uma parte dos grandes compêndios de História ainda não carrega consigo.

                        Convém ainda referir que esta é uma edição condensada de uma outra, publicada em três volumes entre 1997 e 1999. Nesta edição original, ainda que a dimensão puramente narrativa e factualista seja também visível, pois depende da perspectiva metodológica e do estilo pessoal de Gilbert, detecta-se uma densidade em termos de volume de informação e do trabalho de escrita que lhe retiram qualquer suspeita de superficialidade. Infelizmente não foi esta a versão agora traduzida, mas não será por isso que a obra deixa de servir de referência na estante de quem se interesse pela história do século passado. Ou, mais especificamente, por acontecimentos cujo impacto ecoa ainda, por vezes com algum furor, na experiência diária da nossa contemporaneidade.

                        [Martin Gilbert, História do Século XX. D. Quixote. Trad. de Francisco Agarez. 680 págs. Adaptação de um texto publicado na revista LER de Dezembro de 2010.]

                          História

                          O triunfo dos vencidos

                          loser

                          Escritos sobre a História não corresponde à tradução integral de On History, a colecção de 22 textos de Eric Hobsbawm editada em 1997. Falta-lhe o prefácio original, algo deslocado aliás desde o início, no qual o historiador fazia a sua profissão de fé num rígido dogmatismo materialista imediatamente contrariado pelo arrojo dos textos que se seguiam. Dos 14 ensaios que se encontram neste volume, um primeiro grupo, que reúne os mais antigos, testemunha principalmente  um certo esforço da parte do autor para responder a alguns dos dilemas colocados durante a década de 1970 aos avanços do conhecimento histórico. Um bom exemplo é «O que devem os historiadores a Karl Marx?», no qual se regista a dívida da historiografia tributável à análise marxista. Já o segundo grupo é bastante mais interessante, uma vez que integra reflexões sobre o modo como as rápidas mudanças do mundo ocorridas nas duas últimas décadas do século passado se cruzam com a História como saber e com a profissão dos que estudam as suas manifestações contemporâneas.

                          Dois dos ensaios são exemplares deste género de esforço: enquanto em «O Presente como História» Hobsbawm reflecte sobre as tarefas e das dificuldades do historiador que vê acontecimentos decisivos passarem-lhe diante dos olhos, em «Poderemos escrever a História da Revolução Russa?» considera o uso de técnicas contrafactuais – não aconteceu, mas poderia ter acontecido – como processo para questionar factos mais ou menos recentes sobre os quais não é possível existir consenso. Embora editados entre nós com atraso, estes estudos, marcados sempre pela enorme erudição e pela excelente capacidade comunicativa que são próprios do autor, deixam-nos também, numa ligação com muitos dos seus temas predilectos, um aviso inspirador: apesar de, no imediato, continuarem a ser os vencedores a escrever a História, a longo prazo será a intervenção dos vencidos a torná-la verdadeiramente inteligível. Reconforta-nos admitir pelo menos essa possibilidade.

                          Eric Hobsbawm, Escritos sobre a História. Relógio d’Água. Trad. de Miguel Serras Pereira. 264 págs.

                            Atualidade, História

                            Sussurros

                            estalinismo real

                            Ainda vou só a meio das 690 páginas de texto – com mais 50 de notas – mas já estou em condições de dizer que Susssuros. A Vida Privada na Rússia de Estaline, do historiador britânico Orlando Figes, é um dos meus grandes livros de 2010. Acabado de publicar pela Alhêteia e resultado de um projecto de investigação em larga escala maioritariamente apoiado no testemunho oral de sobreviventes e dos seus descendentes, não se trata de «mais um» livro sobre Estaline e o regime soviético. Analisa principalmente, com grande detalhe, «a maneira como o estalinismo se instalou na mente e nas emoções das pessoas, afectando-lhes os valores e as relações». Fala mais de integração, de aceitação, do que de luta, perseguição e resistência. E é também um excelente manual para se perceber a forma como o ascetismo «romântico» e o colectivismo bolcheviques, construídos durante os anos da luta contra o czarismo e da guerra civil que se seguiu a 1917, se transformaram em rígida norma de vida aplicada ao conjunto da sociedade. Funcionando também como um paradigma que ecoou, ao longo do século XX e à escala planetária, na gestão de outras experiências e na organização interna de praticamente todos os partidos e movimentos de matriz marxista-leninista. Não se trata de um estudo de natureza analítica, mas sim de um repositório de experiências pessoais que se lê com a mesma voracidade, a mesma tensão, a mesma dor e o mesmo prazer com os quais habitualmente acompanhamos um grande épico.

                              História, Memória

                              Maremoto

                              Franco e Millán-Astray

                              Na crónica de hoje da Babelia, Antonio Muñoz Molina evoca as excursões provincianas a Madrid que sempre reservavam um dia para visitar o Escorial e o Vale dos Caídos. Lembra que fez essa peregrinação quando tinha 14 anos, ido do sul andaluz na companhia dos avós, comentando que, à excepção dos franquistas exaltados, então as pessoas já só cumpriam o ritual «porque era o que todos faziam quando iam a Madrid, e porque uma parte da vida consistia misteriosamente em cansar-se calcorreando espaços monumentais que pertenciam ao vago mundo do histórico». Muitos portugueses de passagem por terras de Castela faziam o mesmo – não sei se ainda o fazem – e, sim, eu fui também um deles. Mantenho na memória a percepção que tive daqueles espaços e as impressões que troquei, porque já tinha idade para isso, com outros romeiros portugueses, partilhando a convicção de que aquela monstruosidade arquitectónica separava com clareza a brutalidade asfixiante da monarquia filipina e do franquismo da mesquinhez sórdida do salazarismo, sem rasgo para erguer um santuário ao seu próprio destino. Por isso os nossos vizinhos podem perpetuar naquelas horríveis proclamações em pedra, pedagogicamente, a memória de um passado de ódio e de força bruta do qual a democracia os libertou. E por isso elas devem ser preservadas. No que nos diz respeito, quase nada temos para convencer as gerações mais recentes de que o «salazarismo real» existiu e que podemos tocá-lo com as mãos para garantir que existiu mesmo. Se não contarmos, claro, com as paredes de reboco da Capelinha das Aparições ou do Portugal dos Pequenitos, já que até as prisões do regime permanecem esquecidas e maltratadas. É bem mais difícil garantir que o demónio passou por aqui se dele não pudermos exibir a pata cascuda ou os pontiagudos cornos.

                                Apontamentos, História, Memória, Olhares

                                Da «pequena forma de dizer não»

                                Starostin

                                Os jornais desportivos já quase não falam dos quatro irmãos Starostin. Afinal Nikolai, o mais velho dos quatro, morreu há já década e meia, aos 96, encerrando definitivamente um ciclo de glória, perseguição e resgate que durou quase meio século. Em conjunto com Aleksandr, Andrey e Pyotr, constituíra, na década de 1930, o núcleo motor da equipa de futebol do Spartak de Moscovo. Os «irmãos Starostin» foram por esses anos terríveis – os do pior período das purgas estalinistas e das grandes fomes – os mais populares jogadores da União Soviética, responsáveis pelo futebol tecnicista, ao «estilo europeu», do Spartak de Moscovo. Os seus êxitos rapidamente incomodaram o regime, que apoiava as outras duas grandes equipas da capital, o CSKA, clube do exército, e o Dynamo, do NKVD/KGB, ambos partidários de um jogo mais atlético, mas não o Spartak. Os Starostin acabaram por ser acusados de «vedetismo» e, a dada altura, indiciados por integrarem uma pseudo-conspiração destinada a assassinar José Estaline.

                                A enorme popularidade de que dispunham salvou-os do pelotão de fuzilamento – a acusação foi convertida numa outra, menos grave – mas não de passarem dez anos em campos do Gulag, onde «terminaram a carreira» jogando futebol em equipas de prisioneiros. Alguns testemunhos referem que para a sua desgraça não terá contribuído pouco uma derrota humilhante um dia imposta pelo Spartak ao Dynamo, numa altura em que neste actuava um jovem de fugaz carreira desportiva de nome Lavrenti Beria, nem mais nem menos do que o futuro «comissário dos assuntos internos», o chefe da polícia politica. Nikolai e os irmãos, bem como outros responsáveis, jogadores e adeptos do Spartak envolvidos na mesma purga, apenas foram definitivamente reabilitados, alguns deles a título póstumo, na época de Kruchtchev. Toda a história, muito útil para perceber uma «pequena forma de dizer não» conservada como instrumento de resistência na era de Estaline, é-nos contada em Spartak Moscow. A History of the People’s Team in the Workers’ State, de Robert Edelman. A Cornell University Press publicou-o em 2009.

                                  História, Memória

                                  A sorte de Boris

                                  Boris Pasternak

                                  Apesar de tudo, Boris Pasternak foi um homem com sorte. Muito poucos intelectuais soviéticos terão sido amigos de tantos autores perseguidos por não aderirem aos cânones do realismo socialista ou por atacarem abertamente José Estaline – como, no seu círculo, aconteceu com Osip Mandelshtam, Marina Tsvetayeva, Anna Akhmatova ou Mikhail Bulgakov – e viveram tempo suficiente para se gabarem disso. É verdade que ainda hoje é mais conhecido na Rússia como poeta do que como romancista, em virtude de O Doutor Jivago ter sido silenciado por motivos políticos e de em 1958 ter sido impedido de aceitar o Prémio Nobel da Literatura, mas pôde manter o privilégio de fazer aquilo que fazia, se bem que de forma condicionada. O jornalista e também escritor Ilya Ehrenburg conta nas suas memórias um episódio que ilustra o clima no qual se vivia em plena época do Grande Terror (1936-1938). Ilya regressava a Moscovo depois de uma temporada em Espanha, onde cobrira como correspondente a Guerra Civil, quando deparou com um aviso na porta do elevador do prédio onde vivia: «Proibido deitar livros na retrete. Os infractores serão descobertos e castigados». Os moradores procuravam desfazer-se dos livros de autores que tinham sido liminarmente proibidos. De que forma Boris Pasternak sobreviveu a este ambiente de medo e coacção é algo que está por esclarecer. Provavelmente nunca teremos uma resposta. Mas por distracção do regime e do NKVD não terá sido com toda a certeza. Um tema desenvolvido no El País de hoje.

                                    História, Poesia

                                    Momento M

                                    Aconteceu há 21 anos. Eram 18 horas e 53 minutos de 9 de Novembro de 1989. Enquanto manifestações populares colossais exigiam nas ruas de Berlim-Leste, de Leipzig e de outras cidades o fim dos limites impostos ao trânsito dos cidadãos para fora da antiga República Democrática Alemã, um membro do governo de Egon Krenz, o efémero e medíocre sucessor de Erich Honecker, precipitou-se ao ser pressionado pelos jornalistas e deu como aprovado, «com efeitos imediatos», um documento ainda em preparação que autorizava formalmente a passagem de pessoas comuns entre os dois lados do Muro. O processo que se seguiu foi rápido, imparável e felizmente irreversível. Nessa altura Frau Angela Merkel não passava de uma funcionária semi-obscura que trabalhava como química numa instituição científica leste-alemã.

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                                      História, Memória