A Coca-Cola fez ontem 125 anos de existência nas bocas do mundo. Até chegar a «água suja do imperialismo» ou ao poderoso diurético um dia recomendado numa entrevista intimista de Lula, o caminho foi longo. Começou cedo, a 8 de Maio de 1886. Com a designação altamente suspeita de «Pemberton’s French Wine Coca», foi inicialmente anunciada como uma bebida para intelectuais, revigorante do cérebro e tónica para os nervos fragilizados. Mas rapidamente arrancou para uma história de sucesso, cujos contornos mais pitorescos podem ser conhecidos no fascinante Made in America, de Bill Bryson (da Bertrand). Por aqui, a efeméride é evocada num colorido relato apresentado por Maria Filomena Mónica em «Trinta anos que mudaram Portugal. 1961-1991», texto incluído na sua colectânea Cenas da Vida Portuguesa, publicada há uma dúzia de anos pela Quetzal. Sabendo que a sua completa fiabilidade histórica requeria uma identificação da fonte que não encontrei, não resisto, ainda assim, a reproduzir o episódio relatado pela popular socióloga. Aqui vai:
Salazar sempre pensara que um país que tivesse a coragem de ser pobre seria um país «invencível». Em 1962, ainda era assim que ele via Portugal: um país modesto, recatado, obediente. Mas o Mundo não ia nesse sentido. Mesmo aqui, no seu velho nicho rural, começavam a detectar-se imitações de modas estrangeiras, desejos de leituras imorais, apetências por consumos aberrantes. A história das suas relações com a Coca-Cola é exemplar. Não era apenas por a bebida ferir os interesses da viticultura que Salazar decidiu interditá-la. A cerveja também o fazia e acabou por se instalar em Portugal. Diz-se que, um dia, um funcionário americano o tentara subornar, convencido de que desta forma o objectivo seria atingido. De documentado existe apenas o que Salazar escreveu a A. Makinsky, o responsável da multinacional para a Europa. Salazar explicou-lhe claramente os motivos da recusa: «Sei perfeitamente que o senhor nada tem a ver com vinhos, nem com sumos de fruta e é bem por outra razão que – apesar das excelentes relações que mantemos, o senhor e eu, e que datam da época em que representava a Fundação Rockefeller e não sonhava sequer em fazer parte da Coca-Cola – sempre me opus à sua aparição no mercado português. Trata-se daquilo a que eu poderia chamar a nossa paisagem moral. Portugal é um país conservador, paternalista e – Deus seja louvado – atrasado, termo que eu considero mais lisonjeiro do que pejorativo. O senhor arrisca-se a introduzir em Portugal aquilo que eu detesto acima de tudo, ou seja, o modernismo e a famosa efficiency. Estremeço perante a ideia dos vossos camiões a percorrer, a toda a velocidade, as ruas das nossas velhas cidades, acelerando, à medida que passam, o ritmo dos nossos hábitos seculares.» Enquanto Salazar vivesse, o símbolo da civilização moderna não atravessaria as fronteiras portuguesas. Ele o quis; assim se fez.