Arquivo de Categorias: Democracia

Presidenciais: as hesitações do PS e uma urgência

O Partido Socialista teve uma prestação razoável nas autárquicas, afastando para já, espero que por muito tempo, o crescimento do Chega e o espectro de uma bipolarização partidária à direita. A boa prestação deveu-se em alguns casos, como em Coimbra, a um discurso positivo, diverso da arrogância de há não muito tempo, e à celebração de acordos políticos com outras forças de esquerda. No caso, o Livre, o PAN e os Cidadãos por Coimbra. Aliás, sem este acordo, e ao contrário do que já escutei nos «mentideros» da urbe, a vitória de Ana Abrunhosa não teria sido possível. Basta fazer as contas para o perceber. O que posso dizer é que ainda bem que assim foi, servindo a abertura para materializar uma mudança face ao marasmo, e para estabelecer laços entre setores progressistas que por vezes se encaravam com desconfiança. Pena foi apenas que a aproximação não tivesse ido mais longe, englobando o Bloco de Esquerda e, embora esta fosse uma possibilidade pelo próprio julgada contranatura, ainda o PCP.

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    Boas pessoas ou programas?

    Mais que quaisquer outros momentos eleitorais, as autárquicas – disputadas num território essencial da nossa democracia – comportam bastantes vezes alguns equívocos. É certo que em quaisquer atos de natureza política, a qualidade das pessoas que os protagonizam, e se possível a sua proximidade de quem vota, têm grande importância, mas nas eleições autárquicas esse fator de proximidade tem um peso maior. Para o bem e para o mal, diga-se. Por um lado, conhecem-se melhor muitas das pessoas que se candidatam, o que pode ser positivo, por outro, existem por vezes relações individuais que causam os tais equívocos. 

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      Coimbra: três bloqueios em tempo de autárquicas

      Uma das grandes conquistas do nosso regime democrático constitucional é a afirmação do poder autárquico. Sob a ditadura, além de não resultar de eleições livres e de estar fora do escrutínio público, quem o representava era escolhido pelo governo e controlado a partir da capital, detendo reduzida capacidade de decisão e orçamentos sempre curtos, dependentes da intervenção de figuras «da terra» com poder, dinheiro e ligações a quem mandava. Mesmo reconhecendo que, em democracia, o poder autárquico foi por vezes discricionário, de vistas curtas e pouco transparente, ele jamais deixou de conter uma importante dose de dedicação, criatividade e proximidade, capaz de trazer claras melhorias às populações, aos seus lugares e à sua vida.

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        Reconhecimento da Palestina por Portugal

        É um caso ao qual se aplica a expressão popular «mais vale tarde do que nunca». O governo português, apesar de visivelmente contrariado, cedeu à pressão e reconheceu o Estado palestiniano, sendo o 13º país da União Europeia a fazê-lo. Como aconteceu com outros países, este reconhecimento está vinculado à iniciativa da Autoridade Palestiniana e não do Hamas, o que me parece justo, em primeiro lugar para o próprio povo palestiniano. Todavia, e sendo absolutamente favorável à solução de dois Estados pacíficos para a região, e completamente avesso à ideia absurda e antissemita do apagamento de Israel do mapa, não me parece nada bom que, na declaração formal agora assinada, a condenação da política agressiva e genocida do atual governo israelita para Gaza não seja mais claramente vincada.
        [Originalmente no Facebook]

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          Tudo ao contrário na educação

          Começo com parte de um importante post de alerta publicado no seu mural do Facebook por Paulo Marques:

          «Recentemente, o ministro da Educação, Fernando Alexandre, de visita a uma escola, numa aula, disse a alunos do 12.º ano que “quem anda em manifestações perde a aura”. Não se trata de uma frase inocente, nem de um simples deslize retórico. É uma mensagem política e, diria, perigosa.

          “Aura” é uma palavra carregada de simbolismo. Sugere prestígio, distinção, brilho pessoal. O que o ministro transmitiu àqueles jovens foi claro: quem protesta, quem se envolve, quem ocupa o espaço público para reclamar justiça, perde reputação, mancha a sua imagem, arrisca o futuro.

          Mas não é exatamente o contrário? Se hoje temos direitos fundamentais, do voto universal à liberdade sindical, da escola pública ao Serviço Nacional de Saúde, foi porque milhares de pessoas saíram à rua, arriscaram empregos, enfrentaram repressão, desafiaram a ordem estabelecida.»

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            Generalizações tóxicas e discurso eleitoralista

            A tendência para referir determinados grupos sociais utilizando uma generalização que dilui as suas diferenças internas e salienta apenas aquilo que num determinado contexto lhes é apontado como comum, é uma prática tão antiga quanto a existência humana registada. Desde a criação da escrita na Suméria, a evocação pública dos protagonistas da história, fosse esta a dos poderosos ou a dos povos, sempre deu voz a esse processo de filtragem da realidade que dilui as efetivas diferenças e contradições. Neste sentido, é vulgar falar-se como de um todo do «povo», dos «portugueses», dos «europeus», dos «trabalhadores», dos «estudantes», dos «árabes» ou dos «ciganos», qualificando cada grupo como bloco possuidor de um carácter comum, muitas vezes apresentado como estereótipo que reforça a separação entre um «nós» e um «eles». 

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              Um erro da PIDE (com um pouco de riso)

              Deparei hoje com um relatório da PIDE datado do ano de 1972 no qual um panfleto contra o regresso da Queima das Fitas que circulou em Coimbra em maio desse ano vinha com a sua autoria completamente trocada. Sei-o melhor que ninguém, pois foi o último que escrevi para os chamados «Núcleos Sindicais de Base», antes de ser internamente impedido de continuar a fazê-lo por a minha escrita ser acusada de «demasiado literária». Tratava-se de um grupo de estudantes filo-maoistas, na altura ainda muito poucos, dos quais fazia parte e fora um dos fundadores em Coimbra.

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                Uma sondagem que nos confronta

                Saiu nesta sexta-feira, 12 de setembro, a primeira sondagem, do Barómetro DN/Aximage, que coloca a extrema-direita parlamentar à frente nas intenções de voto em eventuais eleições legislativas. Segundo os resultados divulgados, o Chega teria 26,8% dos votos, seguindo-se a AD (25,9%) e o PS (23,6%). De seguida viria o Livre (6,5%), que ultrapassa a Iniciativa Liberal (6,2%). Por fim surgiriam o PCP/CDU (3,1%), o Bloco de Esquerda (2,4%) e o PAN (1,7%). Pode dizer-se que se trata apenas de um indicador, mas é sem dúvida um indicador muito preocupante e que não pode deixar de ser tido em linha de conta.

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                  O necessário direito ao silêncio

                  Com o arranque e a expansão da «era industrial» passámos, sobretudo nos países e regiões que a levaram mais longe, a viver um tempo pautado pela omnipresença do ruído. Este traduz uma sobrecarga de estímulos sonoros não naturais, associados a uma agitação e a um ritmo acelerado da vida coletiva, tendente a fazer recuar os grandes espaços de silêncio que, salvo em situações excecionais – como em festas, guerras ou espetáculos ocasionais – por milhares de anos definiram o cenário dominante da vivência humana. O crescimento incontornável do ruído começou nas grandes cidades, alargou-se depois às menores e está hoje por toda a parte, pautando uma vida onde o contacto com o silêncio é cada vez mais limitado, evitado até por muitas pessoas moldadas ao barulho e que sob este se socializam.

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                    Xi, Kim, Vova e o Sonasol

                    Constato, por um rápido périplo online, que o encontro em Pequim dos ditadores da China, da Coreia do Norte e da Rússia, respetivamente Xi Jinping, Kim Jong-un e Vladimir Putin, em conjunto com alguns dos seus melhores apoiantes, como Aleksandr Lukashenko, da Bielorrússia, Miguel Díaz-Canel, de Cuba, Ukhnaa Khurelsukh, da Mongólia, Luong Chuong, do Vietname, ou Masoud Pezeshkian, do Irão, a pretexto da celebração com parada militar do 80º aniversário da rendição do Japão na Segunda Guerra Mundial, está a deixar entusiasmadas por cá algumas pessoas que se imaginam e autoproclamam anti-imperialistas e «de esquerda». Como se afirmava num antigo anúncio do detergente Sonasol, «o algodão não engana». Ou engana apenas quem gosta de ser enganado e o assume.
                    [Originalmente no Facebook]

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                      Vilões com a chave da retrete

                      Uma das caraterísticas práticas do fascismo italiano, ilustrada em livros de história e textos memorialísticos, mas também exposta em muitos romances e filmes, traduziu-se na distribuição de cargos, ao nível local e regional, por figuras medíocres e oportunistas – muitas delas antes objeto de desprezo e sem qualquer perfil moral – que através do Partido Fascista eram promovidas e passavam a dispor de poder, agindo de uma forma discricionária e tantas vezes cruel. Faziam-no porque, na sua estreiteza e falta de preparação, consideravam que era esse o único modo de exercer a autoridade de que estavam investidas, perpetuando o estatuto social a que ela conferia direito. A fidelidade a Mussolini e ao partido era total, pois nela residiam a sua força e a sua legitimidade.

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                        A mentira não tem cor

                        Um dos fatores de destruição da democracia é hoje, como se sabe, a manipulação ou a invenção de notícias por parte da extrema-direita, ou mesmo do centro-direita, no sentido de gerar condições para a instalação do medo entre setores mais frágeis e menos informados do eleitorado. Ainda que a generalidade assente na pura mentira, isso em nada importa a quem as produz, pois o que para ela conta é o efeito produzido. Infelizmente, sobretudo nas redes sociais, estou a encontrar também, e cada vez mais, apontamentos e falsas informações, ou mesmo pura desinformação e imagens manipuladas, introduzidas por pessoas de esquerda em busca, no seu entendimento, de produzir o efeito contrário e de justificar os seus pontos de vista. O resultado é sempre igualmente péssimo, como o é combater a mentira com a mentira. Apenas se expandem os mal-entendidos e a dimensão da informação tóxica, ajudando a normalizar e a disseminar uma absurda «ética da falsidade».

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                          Atacar o SNS é estupidez, ignorância e ingratidão

                          À exceção dos que tenho no meu mural do Facebook – e mesmo a estes só consigo seguir em parte – desde há muito que quase deixei de ler comentários em redes sociais e blogues. Tendo sido praticamente pioneiro da Internet em Portugal, mantive páginas que os permitiam entre 1995 e 2003, acabando com eles precisamente porque eram, em boa medida, cada vez mais tóxicos e ofensivos, para nada servindo. Nos jornais online faço a mesma coisa, até porque essa toxidade, como se sabe, tem vindo nos anos mais recentes a piorar exponencialmente.

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                            Psicopatas há muitos

                            Ignorante de tanta coisa que sou, tinha até há pouco uma perceção muitíssimo parcial da psicopatia e do psicopata. Julgava este, como creio que ocorre com a maioria das pessoas, apenas aquela figura antissocial, com formas muito graves de transtorno de personalidade, habitualmente associada à prática compulsiva e prolongada de crimes de sangue, em regra praticados de uma forma sistemática e tantas vezes particularmente horrível. Como o fizeram o londrino Jack, o Estripador, Harold Shipman, o «Dr. Morte», médico britânico que matava os pacientes, ou John Wayne Gacy, que se vestia de palhaço para assassinar ritualmente crianças e jovens.

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                              Verão Quente: não foi isto que vivemos

                              O Público começa um artigo sobre o Verão Quente de 1975 da seguinte forma: «Foram meses de instabilidade política, de anúncios de golpes e contragolpes de Estado, e também marcados por uma onda de violência ímpar. A História descreve uma realidade de trincheiras e os protagonistas reconhecem que Portugal esteve à beira de uma guerra civil. O país vivia, literalmente, a ferro e fogo. Foi o Verão quente.» Na verdade, a História (com o H maiúsculo que os autores do texto preferem usar) não descreve nada disto, ou apenas isto. O chamado Verão Quente foi um tempo de grande instabilidade política e social, sem dúvida alguma – aliás, revoluções tranquilas, sem instabilidade e hesitações, não existem -, mas também um período de conquistas, de experiências e de construção de utopias que durante décadas pautaram a vida dos portugueses e da democracia. Reduzir o Portugal da época a «um país a ferro e fogo» é um logro análogo àquele imposto pelo Estado Novo, ao longo da sua existência e a sucessivas gerações, para caraterizar a nossa Primeira República.

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                                Entender Putin e a Rússia com um livro perturbante

                                A invasão da Ucrânia, iniciando em fevereiro de 2022 uma guerra que analistas militares garantiam não demorar «mais que uma semana», vai já em três anos e meio. A situação continua gravíssima, num cenário diário de morte, sofrimento e destruição, mas a presença do conflito nas notícias tem diminuído. Outros fatores de preocupação têm emergido – em especial os relacionados com o terremoto Trump e com a situação em Gaza – e a Ucrânia passou para segundo plano, enquanto a iniciativa autocrática, belicista e imperial de Putin começa a ser descurada. Vale a pena, por isso, regressar a ela.

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                                  Um país seguro, tenham paciência

                                  Em 2025 Portugal subiu uma posição (7º lugar global, 5º da Europa, em 163) e ultrapassou a Dinamarca na lista dos países mais seguros. Esta é a verdade, reconhecida pelo Institute for Economics and Peace, que contraria a mentira generalizada, construída sobre pequenos episódios, propagada pela extrema-direita e que agora o nosso centro-direita também adotou. Documento completo: https://www.visionofhumanity.org/wp-content/uploads/2025/06/Global-Peace-Index-2025-web.pdf

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