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Vida noturna

Robert Doisneau

O publicista e escritor irlandês Richard Steele escrevia em 1710, na revista satírica The Tatler, que tinha ido visitar um amigo chegado do campo para viver em Londres. Mas este encontrava-se já deitado quando, às 8 da tarde, Steele se apresentara em sua casa. Voltou na manhã seguinte, pelas 11 horas, para lhe dizerem que o amigo ia começar a jantar: «Rapidamente descobri que o meu amigo seguia religiosamente os seus antepassados e respeitava os horários usados na sua família desde a época da conquista normanda.» Dei algumas vezes exemplos análogos enquanto falava a turmas de alunos sonolentos sobre o imaginário aldeão dos tempos que antecederam a abertura das estradas e a chegada da eletricidade. Ali, como todos trabalhavam desde a alvorada, e o trabalho doía, todos se deitavam «com as galinhas», ficando os ruídos e as sombras da noite a cargo dos espetros e das bruxas, dos quais aliás ninguém duvidava. Mesmo nas nas cidades, as coisas não se passaram de forma substancialmente diferente até ao surgimento das festas aristocráticas e à abertura dos cafés por volta do século XVII, começando então a noite a ter uma animação inteiramente nova. Com o aparecimento da iluminação urbana e a multiplicação dos teatros o processo foi completado, alterando-se profundamente o uso social e as representações simbólicas da vida noturna. A noite fugaz mas persistente «das paixões recusadas, das paixões descabidas», gravadas a canivete nas mesas dos bares, Lins dixit, chegou bastante tarde mas para ficar.

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    Ainda e ainda as praxes académicas

    Em Coimbra

    versão revista de um post publicado há cerca de um ano

    De novo às voltas com as praxes académicas. Não que representem um problema para quem, nos ambientes universitários, delas faz – até há pouco tempo, durante algumas semanas, agora o ano letivo inteiro – o eixo das suas vidas. Pelo contrário, aparentemente essas pessoas até se divertem, daquela forma muito própria e bastante pobre e falha de imaginação de se divertirem. Mas porque para a maioria dos cidadãos, que as observam de fora como vestígios exóticos de uma época e de um mundo que não entendem bem, são um fator de perturbação. As razões que as impõem não se prendem, no entanto, com o lado mais ou menos folclórico da «festa permanente» que lhes está associada. Na raiz implicam um espaço de recreio muitas vezes legítimo, e afinal nem todos temos o dever de achar divertidas as mesmas coisas. Mas relacionam-se com três circunstâncias sobre os quais podemos alinhar umas ideias. (mais…)

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      Ler porque sim

      «Ler por prazer é mal visto» diz Fernando Savater em entrevista concedida à Babelia deste sábado. Não parece exagero: a leitura é cada vez mais olhada, e apresentada até por quem tem o dever de promovê-la, como momento de integração no mercado de trabalho, fator de progressão profissional ou salvo-conduto para um certo padrão de prestígio. Em última análise, como arma de arremesso na corrida triste e insana de todos contra todos. O conhecimento pelo conhecimento, o devaneio sem explicação, a leitura pelo gozo pessoal e intransferível de desdobrar a nossa vida e dialogar com as dos outros, pretéritas ou presentes, tem vindo a ser desvalorizada pelo próprio sistema educativo, mais interessado em produzir trabalhadores eficazes, em «desbloquear riqueza», do que em fazer pessoas completas e felizes. Assimilando a felicidade ao desperdício, a poesia à preguiça, a criação ao desatino, a leitura improdutiva ao esbanjamento, tem gerado uma multidão de escravos que nem sabem que o são.

        Apontamentos, Olhares

        Millôr Fernandes (1924-2012)

        Millôr

        Vi o milionário saltar da limusina, caminhar tranquilamente para dobrar a esquina e penetrar na mansão onde mora. Antes de dobrar, exatamente na dobra da esquina, e nas dobras da noite, lhe saiu um trintoitão na cara acompanhado da voz surda de um sujeito que ele mal viu por trás de galhos: «Passa tudo e não chia!»

        Homem do mundo, acostumado aos azares e venturas da economia da vida, o rico banqueiro não se deixa assustar. Apenas aconselha: «Calma, amigo. Passo tudo e não chio, que não sou besta. E vou te dizer uma coisa, reconheço o teu valor – você faz o que pode para conseguir o que precisa. Como me assalta deve saber quem sou, um banqueiro, um capitalista. Mas, curiosamente, não sabe quem é, pois aceita o vergonhoso epíteto de assaltante. E, no entanto, você é um capitalista igualzinho a mim. Só que, até agora, conseguiu capital apenas pra se estabelecer com um trinta e oito. Boa noite. Posso ir?»

        Apotegma XVIII (de «Apotegmas do Vil Metal»)

        Millôr Online

          Apontamentos, Memória, Olhares

          Tonino Guerra

          Devemos ao poeta, escritor e roteirista italiano Tonino Guerra (1920-2012), antigo professor primário e ex-prisioneiro do campo de concentração de Troisdorf, uma parte substancial  daquilo que nos mostrou o cinema de Michelangelo Antonioni (A Aventura, A Noite, O Eclipse, Deserto Vermelho, Blowup, Zabriskie Point, Identificação de uma Mulher), Federico Fellini (Amarcord, La Nave Va, Ginger e Fred), Theo Angelopoulos (Paisagem na NeblinaA Eternidade e um Dia, O Passo Suspenso da Cegonha) ou Andrei Tarkovski (Nostalgia). Isto quer dizer que lhe devemos uma parte significativa das nossas vidas, daquilo que somos e principalmente do que acreditamos ser. Eu, pelo menos, devo. Tonino aqui em entrevista a Carlos Vaz Marques.

            Apontamentos, Cinema, Olhares

            Emigrantes

            Emigrantes

            A passar as mãos e os olhos por um dos mais perturbantes, dos mais comoventes, mas também dos mais belos álbuns de banda desenhada a que tive acesso nos últimos tempos. Emigrantes (The Arrival no original), do australiano Shaun Tan, editado há pouco tempo pela kalandraka, é uma novela gráfica sem palavras, apresentada como «a história de todos os emigrantes, de todos os refugiados, de todos os deslocados». Prémio para o melhor livro no Festival de Angoulême de 2007, é um tributo aos que resolveram empreender essa viagem, tantas vezes sem retorno, que os levou a deixar tudo para trás, a partir rumo a um país misterioso, a seguir até um lugar onde não têm família ou amigos, «onde tudo é desconhecido e o futuro uma incógnita». Que ajuda também a reconhecer o outro lado do mundo desigual que partilhamos. [mais imagens aqui]

              Apontamentos, Artes

              O triunfo da maldade

              Quando lemos a notícia que nos informa do facto de alunos com necessidades educativas especiais irem passar a fazer os mesmos exames que os outros estudantes – após terem sido tomadas medidas que já reduziam ou anulavam a existência de turmas e de professores vocacionados para o acompanhamento pedagógico desses jovens – começamos a acreditar na existência de uma qualquer perversão, ou no mínimo uma falha grave de equilíbrio emocional, nas pessoas que nos governam e decidem medidas desta natureza. Esses alunos, até há pouco protegidos devido às naturais dificuldades e à necessidade de neles se relevarem competências muito específicas, inevitavelmente diversas e mais condicionadas dos que as da maioria, vão pois ficar marcados desde cedo pelo falhanço e pela incapacidade de se valorizarem.

              Todos sabemos das condições difíceis, do caráter forçoso, e em alguns casos até justificado, de se cortarem certas despesas, de se mudarem algumas práticas. Mas fazer isto, desta maneira, justamente sobre os direitos dos mais fracos, dos que não podem defender-se, não é diferente de negar um prato de sopa a quem vemos definhar à fome mesmo ao nosso lado. É pura desumanidade. O que acontecerá com esta decisão não será senão a imposição de uma forma não-declarada de eugenia: apenas sobreviverão os mais fortes, os mais competitivos, com lugar pré-estabelecido na selva do lucro e do trabalho alienado. Quanto aos outros, definharão em quartos escuros, em lares sombrios, sem qualquer esperança, sem solução de futuro. Caminhamos para a afirmação da maldade como ética de governo.

                Apontamentos, Democracia, Opinião

                O papel higiénico e a crise

                A analogia não é bonita mas a redução da nossa qualidade de vida tem pouco de bonito. Uma portuguesa e uma grega que conheço falavam há dias sobre as poupanças da classe média e a conversa foi dar inevitavelmente aos cortes nos consumos domésticos. E ao do papel higiénico em particular. Primeiro cortaram no perfumado, depois no colorido, a seguir reduziram as exigências em termos de maciez e depois de densidade. Ambas concordaram que mais baixo já não é possível descer.

                Adenda: Publicado este post, mão amiga diz-me que ainda é possível descer mais baixo.

                  Apontamentos, Atualidade, Devaneios

                  Vinhos & enchidos

                  «Dar de comer a um milhão de portugueses.»

                  A palavra «provinciano» aplica-se a duas condições diferentes, embora muitas vezes complementares. Uma distingue «aquele que é da província» ou «que vem da província», tendo nascido e vivido uma parte ou a totalidade da sua existência muito longe das grandes cidades e do ruído das autoestradas. E isso somos muitos. A outra, pejorativa, integra a tacanhez de quem apenas habita o lado plácido, repetitivo e intensamente conservador do mundo, ou a de quem, mesmo cruzando as avenidas e os ritmos das cidades, se afasta dos caminhos por onde flui e se desdobra o múltiplo que carateriza a vida moderna. Provinciano é pois aquele que ignora, por imposição do meio, ou então deliberadamente, aquilo a que Baudelaire chamava «o transitório, o fugitivo, o contingente», fixando-se antes no que acredita ser eterno, imutável e apenas visível em pequena escala. Esta aceção mais integral foi ferida na sua dignidade com a interferência dos meios de comunicação de massa – primeiro a rádio, depois a televisão, por fim a Internet – generalizados durante a segunda metade do último século. A condição do provinciano deixou então, para muitos, de ser uma inevitabilidade, passando a definir-se ainda mais como uma escolha, uma opção pelo padrão de vida que rejeita a novidade, as atividades mundanas e, em consequência, a diferença.

                  A notícia lida nos jornais sobre o projeto de uma marca de vinhos a comercializar a partir de Santa Comba Dão, o concelho natal do antigo ditador, sob a designação de «Memória de Salazar» – estando desde já prometido um esforço de marketing equivalente a aplicar a uma marca de enchidos –, enquadra-se nesta dimensão do provinciano. É um bom exemplo, talvez extremo, do que podemos ler ou ouvir todos os dias seguindo grande parte dos jornais ou das emissoras de rádio localistas e regionalistas: o culto da «figura grada» da terra, transformada em símbolo que supostamente a eleva diante das outras. É normalmente alguém que por aquelas partes passeou um pouco de poder e em consequência algum dinheiro. O doutor, o comendador, o industrial, o benemérito que, para o espaço da aldeia, da vila, da pequena cidade, da pequena mente, substitui sem hesitação o escritor, o poeta, o artista, a figura da ciência ou da cidadania, preenchendo preferencialmente as placas toponímicas e as colunas das folhas locais. Este projeto santa-combense, a materializar-se, será, de facto, mais um ato de provincianismo do que de revanchismo salazarista. Não destaca a grandeza de uma figura local ou as qualidades de um concelho, mas a pequenez de quem propõe uma iniciativa tão desastrada. E é como tal que deve ser rejeitado. Ou boicotado. Santa Comba Dão não pode exibir, sob o pretexto de apoiar um produto local, a celebração da repressão e do ódio aos quais, enquanto houver memória, permanece associada a figura do seu natural. Será mau, desde logo, para a própria terra e para os seus.

                    Apontamentos, História, Memória

                    Rosa, a Vermelha

                    É sabido que depois da cisão entre os bolcheviques e os mencheviques russos, consumada em 1904, a polaca-alemã Rosa Luxemburgo se opôs a Lenine e à sua conceção autoritária de centralismo democrático. Aliás, em 1918 chamou de novo a atenção para a tentação de confundir a ditadura do partido com a do proletariado. E, quando estes começaram a excluir «todos aqueles que pensam de maneira diferente», não deixou de criticar aos bolcheviques o esvaziamento da democracia dos sovietes a que essa política inevitavelmente conduziria. A mais conhecida das suas citações, retirada de um texto publicado na altura, é, aliás, «a liberdade é sempre a liberdade de quem pensa de forma diferente». Pode ainda recordar-se uma outra frase, também do ano seguinte ao da revolução soviética: «Sem eleições gerais, sem uma liberdade de imprensa e de reunião sem restrições, sem um forte combate de ideias, a vida de toda a instituição pública morre, tornando-se uma mera aparência de vida na qual só a burocracia permanece como elemento ativo». Quando se completam 141 anos sobre o nascimento de Rosa, é caso para dizer que a História foi madrasta ao levá-la tão cedo – morta em Berlim em 1919, durante a revolta spartakista, às mãos das milícias da direita, e não da social-democracia alemã como se mente por aí –, poupando a Vladimir Ilitch a refutação de uma voz à altura. Provavelmente a história geral do socialismo seria contada hoje de um modo bastante diferente.

                      Apontamentos, Biografias, Democracia, História

                      Cenário desolador

                      De acordo com uma sondagem da Universidade Católica para a RTP ontem divulgada, a maioria dos portugueses (62%) considera que o Governo liderado por Pedro Passos Coelho/relvas está a ter um mau desempenho. Mas uma maioria ainda mais ampla (73%) não encontra melhor alternativa em qualquer um dos partidos da oposição, julgando-os incapazes de fazer melhor. A falta de desígnio e de esperança propaga-se na medida direta da ausência de confiança e de expectativas. A democracia caminha por uma viela escura.

                        Apontamentos, Atualidade

                        Eles eram Cinco

                        Passam 70 anos sobre a saída do primeiro livrinho da série Os Cinco, da autora britânica de literatura infanto-juvenil Enid Blyton. Para sucessivas gerações, entre elas a minha, terão sido os volumes desta série os primeiros livros «a sério», de texto corrido, a serem lidos. Ou melhor, devorados. Desde logo os livros em si, contendo enredos repletos de cenários misteriosos, embora todos eles a uma segura  distância de casa, e de aventuras «crepitantes», que apesar de tudo encheriam de tédio os fãs, já um pouco mais velhos, de Sandokan. Mas devoradas também eram as refeições que se seguiam à leitura: depois de tanto passarem à frente dos pequenos olhos descrições absorventes de lanches e de piqueniques repletos de sanduíches de carnes frias com mostarda ou manteiga de amendoim, de cremosos gelados de baunilha, de compotas de laranja ou frutos silvestres, de deliciosos biscoitos de manteiga e grandes jarras de limonada (ou de garrafas térmicas com um tépido e reconfortante chá), ficava-se inevitavelmente com uma fome dos diabos.

                        Em 1942, com Os Cinco na Ilha do Tesouro, começaram pois a chegar à leitura  sucessivas vagas de crianças fascinadas com as incríveis peripécias de Júlio (Jules), Ana (Anne), David (Dick), do cão Tim (Timmy), e, esta ficou para o fim pois foi sempre a minha personagem favorita, da Zé (Georgina), que pensava e se movia pelos outros todos. «Chamam-lhe ‘Zé’? – perguntou a Ana, surpreendida. – É nome de rapaz. – Tens razão – disse a tia. – Mas a Zé detesta ser rapariga e chamamos-lhe Zé, como se fosse um rapaz.» Linhas perturbadoras para quem saiba o que, na época do Estado Novo, significava designar alguém, depreciativamente, como uma «maria-rapaz». A sequela do Clube dos Sete já a apanhei noutra fase, mas ainda deu para perceber que a excitação, e na aparência o empenho da autora, já não pareciam bem os mesmos. Vivi por isso esta nova leitura como uma decepção. É, no entanto, provável que quem tenha chegado então a Enid Blyton considere este julgamento um perfeito disparate. E que tenha razão. A minha Blyton, porém, é a dos septuagenários Cinco. A quem agora até se procura dar a beber o elixir da eterna juventude.

                          Apontamentos, Memória

                          Amor em tempo de revolução

                          Para Baku

                          Quem experimentou viver a um mesmo tempo o poder do amor e o da crença na ideia da revolução redentora sabe o que significa ter na mão o futuro, todo o futuro, o próprio e o da humanidade inteira, incandescente, combinado num único destino e numa só certeza. Em Baku, Olivier Rolin conta a propósito desta sorte um episódio que retirou de um texto autobiográfico de Banine, a escritora francesa de origem azeri. Quando em 1920 o poder dos sovietes chegou à região, Banine e uma prima, ambas com quinze anos, «uma tímida e a outra estouvada», as duas muçulmanas e filhas de ricaços locais, deixaram-se seduzir pelos ideais e pelas figuras esguias de dois jovens bolcheviques, revolucionários ateus, recém-chegados de longe para tratar das expropriações. Foi pois «de emblema de Lenine espetado nos vestidos de verão» que na altura aceitaram fazer parte da comissão incumbida de inventariar as vivendas da sua própria família. Não pensaram duas vezes nas consequências da sua escolha, embora depois acabassem por perder os namorados, as propriedades e a própria terra onde haviam nascido. Não podiam tê-lo pensado naquele momento das suas vidas.

                            Apontamentos, Devaneios

                            Repressão em Atenas

                            Manolis Glezos
                            clique para ampliar

                            Está neste momento a circular pelas redes sociais uma fotografia particularmente perturbante que funciona como eloquente sinal do Estado de guerra social total no qual se encontra a Grécia. Nessa imagem (que pode ver aqui; a que ilustra este post é diferente) observa-se a polícia a tentar manietar Manolis Glezos, de 90 anos, um antigo herói da resistência ao nazismo e um experiente político de esquerda que chegou a ser deputado europeu, sem o menor respeito pelas razões, pela idade e pelo papel na história do país do símbolo que tinham pela frente. Um péssimo exemplo da vaga de desprezo pelos direitos democráticos e sociais mais elementares que começa a varrer a Europa.

                            Adenda – As imagens foram-me transmitidas como se fossem de agora. Acabo de saber que são de 2010. No entanto, Manolis Glezos esteve nos protestos de ontem e terá sido hospitalizado.

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                              O fulgor da liberdade


                              © 2012 SkullHeart

                              É sempre possível encontrar esperança no desespero. Romper a partir da desventura o caminho para a sorte que se deseja. Em «La République du Silence», um artigo publicado em setembro de 1944 na resistente Les Lettres Françaises, Sartre escrevia: «Jamais fomos tão livres como debaixo da ocupação alemã». Para logo de seguida alegar em defesa dessa estranha ideia: «Perdemos todos os direitos, a começar pelo de falar; insultam-nos a cada dia e temos de conter-nos; deportam-nos em massa como trabalhadores, como judeus, como presos políticos; por todo o lado, nos muros, nos jornais, no ecrã, deparamos com a imagem imunda que os opressores querem que tenhamos de nós mesmos: mas é precisamente por isso que somos livres.» É quando se alcança o limite da humilhação e da desumanidade que se percebe como só das nossas mãos, libertas pela necessidade e pela opressão de toda a hipótese do medo, pode renascer o fulgor da liberdade.

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                                Nos 200 anos de Dickens

                                Oliver Twist segundo Roman Polanski

                                Não foi Cristo, Marx ou sequer o Zorro. Esses foram importantes mas chegaram em alturas menos decisivas. Foi Charles Dickens quem, pela mão de Oliver Twist e numa edição pobre mas digna da Romano Torres, no momento certo fez de mim uma pessoa de esquerda.

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