O caso Vladimir Pliassov e a russofobia

1. A propósito do «caso Vladimir Pliassov», o professor de língua russa e diretor do Centro de Estudos Russos da Faculdade de Letras Universidade de Coimbra, já aposentado embora dando aulas graciosamente, que depois de 35 anos de serviço foi agora afastado pelo Reitor, sem qualquer intervenção ou sequer conhecimento da sua própria faculdade, por real ou supostamente fazer «propaganda russa» e de Putin junto dos alunos e nas aulas, deixo aqui algumas palavras que em boa consciência não poderia deixar de escrever.

ler mais deste artigo
    Apontamentos, Democracia, Opinião

    Uma novela assustadora

    Salvo para o jornalismo sensacionalista e para os profissionais da pequena política, já ninguém aguenta o episódio que envolveu o ministro Galamba e um seu ex-assessor. Independentemente dos detalhes do caso, e de poderem existir alguns de facto complexos, o menor esforço de racionalidade deveria ser suficiente para se perceber que na estrutura de funcionamento de um qualquer ministério existem deveres de confiança política e de reserva. No que está em causa, como na gestão de qualquer organismo de governo, que se saiba existe uma cadeia de autoridade e de responsabilidade, não fazendo cada um aquilo que bem entende. 

    ler mais deste artigo
      Apontamentos, Atualidade, Democracia, Opinião

      Os Coldplay, o gosto e dois provérbios

      Ao contrário de muitos provérbios populares que expressam verdades do saber comum, o «gostos não se discutem» não faz grande sentido. Até porque, como já li algures, e tendo a concordar, «a vida é a luta pelo gosto». Refiram-se estes a comida, cores, vestuário e odores, ou a pessoas, atividades, partidos e clubes de futebol, ou ainda a música, livros, filmes, ideologias e religiões. Dada a diversidade de culturas, experiências e do próprio humano, temos o dever de aceitar os gostos dos outros, mas não podemos isentá-los de discussão, ainda que esta jamais chegue a uma conclusão unívoca. De outra forma, tudo teria o mesmo valor e seria, como dizia uma expressão vulgar hoje caída em desuso, «igual ao totobola».

      ler mais deste artigo
        Apontamentos, Artes, Música, Olhares

        Coimbra e a planificação do caos

        Viver numa cidade média tem as suas vantagens. Uma delas é quem nela mora demorar pouco tempo a deslocar-se, nada ficando distante, em regra, mais que 15/20 minutos do ponto em que se encontra. Assim acontece também em Coimbra, a cidade onde, retirando alguns intervalos para passear ou aprender, basicamente vivo há 54 anos. É hoje o 16º município do país em volume de população, quase apanhado, aliás, por Vila Franca de Xira, Famalicão, Maia ou a Feira. Na minha escola primária ensinavam-nos que era o terceiro, mas isso era antes, quando a sua universidade era uma das poucas em Portugal, e a elite local e académica ainda acreditava habitar o centro do mundo.

        ler mais deste artigo
          Apontamentos, Cidades, Coimbra, Olhares

          Cerco às sedes e lições da história

          Em 1975, após a viragem de 11 de março, começaram a ocorrer em Portugal, organizados por movimentos terroristas de extrema-direita – os partidos da direita democrática, incluindo o CDS, não participaram como tal nessas ações – cercos e ataques às sedes do Partido Comunista e de algumas organizações da esquerda revolucionária, sendo várias delas destruídas e chegando a haver pessoas agredidas. A violência começou no norte do país, incitada também por setores mais conservadores da Igreja católica, com influência sobre muitas pessoas despolitizadas, mas logo foi descendo no mapa. Parte do que se chamou «verão quente» passou por estes incidentes.

          ler mais deste artigo
            Acontecimentos, Apontamentos, Democracia, Opinião

            Problemas e desafios da inteligência artificial

            A inovação tecnológica esteve desde sempre associada a correntes de entusiasmo e adesão, mas também de rejeição e de descrédito. Por isso precisa sempre de persistência e tempo para enfrentar a pressão da desconfiança e, principalmente, do medo. Assim aconteceu em momentos como os da invenção e da difusão da imprensa, do surgimento da fotografia e do cinema, da expansão do telefone, da rádio e da televisão, da massificação dos computadores e da Internet, ou da propagação da leitura digital. Em qualquer deles, a tendência inicial foi para a desconfiança e para o boicote, tomando-se a sua recetividade como algo que os profetas da desgraça, em defesa do «status quo», sempre consideraram mero capricho de quem apenas procura a novidade.

            ler mais deste artigo
              Cibercultura, Democracia, Olhares, Opinião

              Os Coldplay na paróquia

              Coimbra vai ter a tranquilidade da sua vida habitual profundamente afetada durante quase uma semana. Ruas centrais cortadas, circulação condicionada ao longo de vários dias, hotéis lotados, bairros inteiros com o acesso limitado a moradores, dezenas de milhares de ruidosos forasteiros na cidade. Ao mesmo tempo, em muitas conversas e na imprensa local o momento é tratado como se de algo de extraordinário para a paróquia se tratasse. O motivo é um conjunto de concertos da banda londrina de rock alternativo Coldplay, em 27 anos de vida com apenas dois álbuns de êxito junto da crítica: «Parachutes», de 2000, e «A Rush of Blood to the Head», de 2002, que repetia já a sonoridade do primeiro.

              ler mais deste artigo
                Apontamentos, Artes, Atualidade, Olhares

                Cultura da denúncia e assalto à democracia

                Todos os regimes autocráticos firmam a sua autoridade no uso arbitrário da força, na eliminação da divergência e na disseminação do medo. Para o conseguirem recorrem ao que Foucault chamou os mecanismos da microfísica do poder, combinação tóxica de vigilância hierárquica e sanção normalizadora que dá corpo à disciplina. Esta foi sempre particularmente severa sob as tiranias e as ditaduras, em especial naquelas que incorporaram o complexo totalitário, capaz de impor, nas palavras de Hannah Arendt, «uma dominação permanente de todos os indivíduos em toda e qualquer esfera da vida».

                ler mais deste artigo
                  Atualidade, Democracia, Direitos Humanos, Opinião

                  Jornalistas… ou nem por isso

                  Não apenas por ter aprendido a ler através de um jornal diário, por escrever na imprensa há mais de cinquenta anos, por ter dado aulas ao longo de cerca de uma década num curso de jornalismo de uma universidade pública, ou ainda por tomar a comunicação social como crucial para o adequado funcionamento das sociedades democráticas, tenho o maior respeito pela profissão de jornalista. Sou amigo de alguns e de algumas, e conheço muitos que o são com um J bem maiúsculo, seguindo-os sempre que posso a agradecendo o seu trabalho. Estes vivem a sua difícil profissão com grande empenho, dignidade e valor.

                  ler mais deste artigo
                    Apontamentos, Democracia, Jornalismo, Opinião

                    Novo pensamento único e cultura global do ódio

                    Ditaduras e tiranias, seja qual for a forma que tomam ou os princípios de teor político e ideológico que as justificam, assentam no uso arbitrário da força, na supressão da divergência e na instalação do medo. Conseguem-no, num primeiro momento, recorrendo a mecanismos destinados a silenciar toda a discordância: a polícia política, uma censura férrea, o controlo dos meios de comunicação, tribunais obedientes ou leis antidemocráticas que excluem ou controlam o voto livre, o pluralismo e o exercício da crítica. São estes os instrumentos habituais de imposição de uma ordem única que se crê eterna e se pretende incontestada. Porém, para quem os promove, eles ainda são insuficientes, sobretudo em sociedades cada vez mais complexas e dinâmicas.

                    ler mais deste artigo
                      Atualidade, Democracia, Direitos Humanos, Opinião

                      O 25 de Abril – ontem, hoje e amanhã

                      A data do 25 de Abril (escrito sempre com maiúscula) transporta consigo uma profunda carga simbólica. Não apenas por evocar o dia fundador da nossa democracia, mas por integrar também uma memória da longa e heróica resistência ao fascismo, da luta pela liberdade de viver e de opinar, do combate pela dignidade dos direito fundamentais e da esperança num país mais solidário e mais desenvolvido. A um ano de cumprir os seu quinquagésimo aniversário, permanece sem dúvida, para a maioria dos portugueses e das portuguesas, um momento fundamental de celebração e de identidade democrática.

                      ler mais deste artigo
                        Atualidade, Democracia, Direitos Humanos, Memória, Olhares

                        Entre o «tu» e o «você»

                        As formas de tratamento, como todos os processos usados para verbalizar a interação humana, mudam de acordo com o tempo e os lugares. Em Portugal sempre foram complexas, e nos Estados de língua oficial portuguesa, por vezes consoante as regiões como acontece no Brasil, essa complexidade é replicada. Em Formas de Tratamento na Língua Portuguesa, livro de Lindley Cintra publicado em 1972, descreve-se particularmente a formação, em boa parte por decreto régio da primeira metade do século XVIII destinado a realçar as hierarquias, das fórmulas mais cerimoniosas. Como aquele intimidatório «Vossa Excelência» que alguns ainda utilizam. No geral e em todas as línguas, essas fórmulas tendem sempre a transformar-se, acompanhando a natural evolução vocabular e o contexto cultural e social em que esta sempre ocorre.

                        ler mais deste artigo
                          Apontamentos, Democracia, Etc., Leituras, Olhares

                          Lula e os seus equívocos

                          Disse, repeti e insisto ainda: se tivesse a cidadania brasileira, teria votado Lula sem qualquer hesitação. Nas últimas presidenciais e nas anteriores, perdidas para Bolsonaro. Isto não significa que concorde com todas as suas posições, ou com muitas práticas do PT, sobretudo algumas do passado, mas que o que me aproxima dele – aquilo que dele aproxima todas as pessoas de esquerda – é muito mais importante do que o que nos pode pontualmente separar. Por isso, é com a maior satisfação que vejo as imagens da sua chegada esta sexta-feira a Portugal para uma visita de vários dias que culminará a 25 de Abril.

                          Sublinho, todavia: satisfação, não entusiasmo. Uma reserva que se deve a posições recentes sobre política internacional que me parecem muito erradas e mesmo nocivas. A mais comentada refere-se à culpabilização da Ucrânia, e dos seus aliados ocidentais, pela guerra de invasão e destruição levada a cabo pela Rússia. Mas outra, menos referida nas notícias, é ainda pior, e diz respeito ao que proclamou em Pequim: a inscrição do Brasil numa «nova ordem internacional» que tem a ditadura chinesa e a tirania russa como eixo. Uma escolha inaceitável para um defensor da liberdade e dos direitos humanos.

                          ler mais deste artigo
                            Apontamentos, Atualidade, Democracia, Opinião

                            Anonimato e cobardia

                            Até a situação se encontrar esclarecida, não comentarei publicamente em detalhe o caso relacionado com o CES, do qual sou investigador sénior desde janeiro de 2002. Tenho uma posição sobre ele e sobre pessoas envolvidas, mas não me parece que neste momento a minha perspetiva acrescente algo de positivo a um processo entretanto objeto de inquérito. Não posso, porém, deixar de manifestar repulsa pela forma como várias pessoas que se afirmam investigadores/as do mesmo Centro – umas sê-lo-ão, outras são ou foram apenas colaboradores/as ocasionais – estão a recorrer sistematicamente ao anonimato, do qual alguma comunicação social se está a servir profusamente para revelar isto ou aquilo, ou para acrescentar invenções e suposições, numa exibição de péssimo jornalismo sempre no sentido de agravar o alvoroço público diante de um caso sério e que merece todo o cuidado. Em democracia, onde quem possui as suas razões tem todo o direito de as exprimir e de as defender, o anonimato chama-se cobardia e deve ser alvo de desprezo. E quem dele se sirva como arma de arremesso ou para obter público também.

                            Adenda (escrita cerca de 48 horas depois) – A minha referência ao anonimato não se reporta, quero deixar isto bem claro, às eventuais vítimas de assédio. Em alguns casos ele é compreensível. Refere-se, sim, às pessoas, homens e mulheres, que aproveitam a situação para, sem darem a cara e se responsabilizarem pelo que afirmam, tentarem resolver ou agravar conflitos pessoais, inimizades ou ressabiamentos.

                            [originalmente no Facebook]

                              Apontamentos, Democracia, Direitos Humanos, Etc., Opinião

                              O efeito nocivo da sacralização

                              Em todas as sociedades ocorrem formas de sacralização que moldam as diferentes escolhas culturais e as relações sociais. Elas tendem a tornar sagrado e a transformar em objeto cerimonial e de culto aquilo que deveria, pois é essa a sua origem e também a sua finalidade, permanecer natural e essencialmente humano. Há mais de um século, a ideia de sagrado foi apresentada por Émile Durkheim como o oposto do profano, representando – ao contrário deste, que o sociólogo francês considerava um modo de intervenção do sujeito individual no mundo – um processo que afeta sobretudo a vida dos grupos, estabelecendo normas que forçam ou constrangem determinados comportamentos. Sirvo-me de dois curtos exemplos para abordar o processo e as suas perniciosas consequências.

                              ler mais deste artigo
                                Atualidade, Democracia, Memória, Opinião

                                A lucidez estratégica e a cegueira tática

                                No campo da opinião política sobre o mundo em que vivemos e aquele que poderá perfilar-se mais adiante, tento sempre colocar a estratégia à frente da tática. Não significa que exclua a segunda do horizonte de propostas e de expetativas, mas que muito mal estaremos, pelo menos em democracia, se ela determinar a primeira. Dito isto de uma forma mais clara: o protesto e a reivindicação, bem como os programas eleitorais, ainda que fundados em situações concretas, devem sempre subordinar-se a objetivos de médio ou longo prazo para a vida da comunidade da qual emergem, não indo atrás apenas daquilo que parece urgente e «popular». Por isso mesmo, ainda que considere justas determinadas propostas, não as sigo, ou pelo menos não as tomos forçosamente como prioritárias e inegociáveis, se forem desfavoráveis ao cumprimento desses objetivos. 

                                ler mais deste artigo
                                  Apontamentos, Atualidade, Democracia, Opinião

                                  Os dois lados da luta pela habitação

                                  O movimento pelo direito à habitação tem do seu lado uma das preocupações que mais aflige a maioria dos cidadãos e das famílias. Ela é transversal à história portuguesa recente e cinquenta anos de democracia não chegaram para a solucionar. Para quem não possui casa própria, ou tem e está a pagá-la ao longo da vida, ou precisa recorrer ao arrendamento, a situação permanece dramática, levando a que muitos não tenham casa condigna, ou a que os seus custos determinem uma vida de baixa qualidade e enormes sacrifícios. Além disso, é um facto que a generalidade dos governos pós-Abril jamais se esforçou a sério para solucionar o problema, combinando os interesses em jogo e apoiando quem mais precisa.

                                  ler mais deste artigo
                                    Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião

                                    Por uma aproximação à esquerda

                                    Tendo passado pouco mais de um quarto da legislatura, todos os dias deparamos com o esforço comum da direita, apoiada em boa parte da comunicação social e na manipulação das redes sociais, para desacreditar o atual governo e dar da sua orientação uma perspetiva que pretende mostrá-lo como gestor do caos, do empobrecimento e até de algum autoritarismo. Dissemina-se, desta forma, uma imagem extremamente negativa que nem os partidos situados à esquerda do PS estão a partilhar. Projetam-se até supostas informações que vão contra dados oficiais existentes a nível europeu – onde, apesar dos fatores de crise relacionados com a guerra de invasão da Ucrânia, Portugal se encontra comparativamente bem situado -, presumido que, tendo a maioria das pessoas memória curta, já poucas recordarão os anos terríveis do governo Passos-Portas, em que vivemos empobrecidos, deprimidos e sem perspetiva, como jamais tinha ocorrido após o 25 de Abril.

                                    ler mais deste artigo
                                      Atualidade, Democracia, Opinião