Em O Estilo do Mundo. A vida no capitalismo de ficção, Vicente Verdú separa três modelos de capitalismo: o de produção, centrado na mercadoria, encerrado com a Segunda Guerra Mundial; o de consumo, rematado com a demolição do Muro de Berlim e apoiado na transcendência dos signos; e o de ficção, com o qual convivemos desde os começos dos anos noventa, que enfatiza a teatralidade e o espectáculo. A cada um deles alia sinais: primeiro o estrondo das máquinas industriais, depois os jingles dos anúncios comerciais, finalmente o cintilar dos engenhos electrónicos. Mas também estados de espírito: o capitalismo de produção era triste, o de consumo foi trivial, agora o de ficção é lúdico e enganador. Fundado no prazer, na sedução e no logro da imortalidade, define características preocupantes, como uma tendência homogeneizadora que os processos da globalização acentuam, uma infantilização dos costumes alargada a toda a vida, uma competitividade que desvaloriza o humano em detrimento do desejo de superação do próximo, de vitória sobre os outros. Detectam-se, todavia, alguns sinais de esperança, como a vaga de defesa dos particularismos e das identidades, o desenvolvimento das organizações humanitárias, o alargamento dos movimentos pacifistas, a emergência de um feminismo libertador, uma consciência ecológica sem precedentes. O capitalismo de ficção terá, afinal, inflamado o crescimento de factores que poderão levar à sua própria destruição. É este, pelo menos, o desejo de Verdú. [Trad. de Pedro Santa María de Abreu. Fim de Século, 248 págs. Originalmente na LER de Fevereiro.]
Alto preço
«Ao mesmo tempo que se luta em defesa do véu islâmico no Ocidente, luta-se contra ele nos países de origem.» Na constatação deste paradoxo se resume o ponto de partida para O Preço do Véu. A guerra do Islão contra as mulheres, o livro militante de Giuliana Sgrena, a jornalista do Il Manifesto que em 2005 foi sequestrada por uma organização islamita iraquiana. A autora identifica rapidamente o objectivo do livro: «trazer à luz uma realidade pouco conhecida e pouco contada: a presença nos países muçulmanos de mulheres (mas também de homens) que se batem pelos seus direitos». Explorando, através do trabalho de reportagem e de diversas entrevistas, a situação das mulheres de países como a Tunísia, a Sérvia, o Iraque, o Irão, a Arábia Saudita, a Bósnia-Herzgovina, a Palestina, o Afeganistão, a Somália ou a Argélia, Sgrena procura mostrar de que forma o uso do véu representa, como símbolo mas sobretudo através do processo de negação objectiva do corpo que a sua imposição envolve, a opressão da mulher no mundo islâmico e o recente reforço de uma ordem acentuadamente masculina, implacável e reaccionária. O silêncio dos activistas ocidentais empenhados em não melindrar uma incerta e complexa «identidade muçulmana» também não sai incólume destas páginas. [Trad. de Alexandre Vaz Pereira, Pedra da Lua, 116 págs. Originalmente na LER de Fevereiro.]
Dos bons velhos tempos
Os negacionistas do Gulag e dos crimes do estalinismo continuam a preparar o seu caminho, contando para isso também com a cumplicidade activa das actuais autoridades chauvinistas russas. Começam por tentar sonegar informação para logo de seguida procurarem silenciar quem está em condições de a fornecer. Pode conhecer aqui o mais recente episódio deste processo repugnante.
Arendt, Aristóteles e o Hi5
Em Homens em Tempos Sombrios, Hannah Arendt revela a sua forma de conceber a amizade. Contra Rousseau, julga-a menor sempre que entendida apenas «como um fenómeno da esfera da intimidade, em que os amigos abrem o coração uns aos outros, alheados do mundo e das suas exigências.» É essa, considera, uma forma de insulamento do indivíduo moderno, «que na sua relação em relação ao mundo só se consegue revelar verdadeiramente na privacidade e intimidade dos encontros frente a frente.» Arendt revaloriza então a philia, essa amizade entre cidadãos, que para Aristóteles era um dos requisitos fundamentais para o bem-estar da Cidade e se materializava num diálogo aberto à comunidade dos seres humanos livres. Amizade e humanidade coincidem assim na exposição pública da voz humana: «Por muito que as coisas do mundo nos afectem, por muito profundamente que nos abalem e nos estimulem, só se tornam humanas para nós quando podemos discuti-las com os nossos semelhantes.» Por isso tudo quanto não possa ser objecto de diálogo – «o verdadeiramente sublime, o verdadeiramente horrível ou o misterioso» – pode encontrar, é certo, uma voz humana através da qual se exprima, mas jamais será exactamente humano. Os gregos davam a essa humanidade que se alcança no diálogo da amizade a designação de philantropia, «amor do homem», porque se afirma na vontade de partilhar o mundo com os outros.
Esta condição encontra hoje um novo lugar nas redes sociais da Internet, que tanto abalam quem ainda prefira associar a essência da amizade apenas a uma simpatia durável, estabelecida face a face entre duas pessoas e assente em afinidades ou experiências partilhadas exclusivamente na esfera do privado. Por muito nebulosos que possam parecer alguns dos seus caminhos, por perturbantes que sejam para a vida de quem os pratica alguns dos seus processos, por efémera que seja a maioria das ligações que estabelecem, essas redes têm a virtualidade, em tempos de individualismo e de quebra de participação na vida pública, de recuperarem, de uma certa maneira, a noção política de amizade que Aristóteles enunciou e que Arendt perfilhava. E quando repetidamente recuso, por incapacidade física de resposta diante de tanta actividade, os constantes pedidos que recebo para «fazer amizade» com Fulano, Beltrano ou Cicrano no Hi5, no Facebook, no Flickr ou no My Space, sei que posso com esse gesto estar a diminuir a minha capacidade para alargar uma relação filantrópica em condições, apesar de paradoxalmente chegar pela via das máquinas, de me humanizar um pouco mais. Por isso, quando sou forçado a varrer da Inbox as mensagens contendo os tais pedidos – «I’d like to add you to my hi5 friends network. You have to confirm that we are friends, and we’ll each get to meet more people.» – faço-o sempre com um ténue e sincero sentimento de culpa.
Lenine, Krupskaia e Tzara
Não sei onde foi a revista Os Meus Livros buscar a ideia segundo a qual o escritor e ensaísta francês Dominique Noguez acaba de publicar um livro que «coloca em causa o pensamento e a obra de Lenine», afirmando, «após anos de aturada pesquisa» que afinal este era um dadaísta. A verdade é que Lenine Dada, um híbrido de ensaio histórico e de ficção, foi publicado há já vinte anos, em 1989, na Robert Laffont. Imaginando a possibilidade um instante único na história contemporânea da Europa: o encontro de 1916 no Cabaret Voltaire, em Zurique, entre o poeta romeno-francês Tristan Tzara, paizinho do Dada, e Vladimir Illitch, o já então inflexível chefe dos bolcheviques. Em 1916, Lenine e Nadezda Konstantínovna Krupskaia viveram de facto, de casa e pucarinho, a dez minutos a pé do Cabaret Voltaire, mas jamais se deram com semelhante gente. O livro não é novo e não coloca em causa coisíssima nenhuma. Uma nota destas apenas deixa ficar mal a publicação e levanta algumas suspeitas sobre o rigor da informação que fornece.
Haruki vezes dois
Durante um jogo da Liga portuguesa, dizia há dias um comentador referindo-se a dois futebolistas brasileiros: «eles entendem-se pois falam ambos brasileiro». A língua é uma, embora não una, e a rapidez da compreensão nem sempre é fácil sem retroversão automática e gestos à mistura. Dentro do Brasil, dentro de Portugal, ou num voo que desça o mapa na direcção do Atlântico Sul. E tudo se enreda quando, com a língua que repartimos, cada um se refere à mesma coisa enunciando palavras que não coincidem. Leio de maneira diversa, consoante traduzo ou não a tradução de um título que a frase incorpora, duas linhas de Rakushisha, o último romance de Adriana Lisboa: «Um dos filmes era O Poderoso Chefão. Haruki começou a assistir, era a quarta ou quinta vez que assistia àquele filme.» Ou, ajusto eu as palavras, desfigurando a autoria: «Um dos filmes era O Padrinho. Haruki começou a assistir, era a quarta ou quinta vez que assistia àquele filme.» Não se trata apenas de duas frases brandamente diferentes, são duas distintas Haruki que se nos afiguram, dois sentidos para o enredo que se separam. Desentendemo-nos por vezes, falando em português.
O espectro de Lippe
Numa reportagem da RTP1 pergunta-se a um «pupilo» do Colégio Militar: «Fizeste os exercícios porque te obrigaram ou foi para exceder os teus limites?» A infâmia da pergunta imbecil e a presunção da resposta condicionada não merecem sequer um comentário, mas o caso que motivou a peça deve ser olhado com alguma atenção. Ele veio relatado no Expresso deste sábado e conta-se em poucas palavras. Um aluno de 17 anos foi condenado a quatro meses de prisão por maus-tratos a um colega de nove, mas a pena foi depois anulada pelo Tribunal da Relação que considerou adequado o castigo aplicado ao menor: palmadas no pescoço, flexões, abdominais, saltos de cócoras e posição de Cristo (de pé com os braços abertos). A vítima, um aluno hiperactivo, acabou por sair do Colégio, tendo os pais apresentado a queixa que conduziu a situação a tribunal. A Relação acabou por acolher o argumento de um antigo director da instituição, segundo o qual «apesar de não estar inscrito no regulamento, é habitual as faltas menos graves serem sancionadas pelos graduados com exercícios físicos». «Graduados» podem ser aqui, assinale-se, simplesmente alunos mais velhos, que assim adquirem informalmente o direito de exerceram formas de violência física sobre os novatos. A notícia refere ainda inúmeros casos de agressões, algumas delas, as mais graves, apenas associadas a ligeiras sanções internas.
Trocando isto por miúdos: um tribunal português aceitou castigos físicos praticados entre alunos do Colégio Militar como actos lícitos. Numa altura em que, finalmente (e felizmente), nas instituições de ensino superior os abusos das «praxes» começam a ser prevenidos e punidos, é no mínimo espantoso que este tipo de práticas, brutais, arcaicas e perigosas, possa sobreviver numa instituição de ensino. A aprendizagem da disciplina no trabalho e na vida faz parte de um bom processo educativo – obviamente mediada, no meio paisano como entre os militares, por condições de razoabilidade e de protecção dos direitos individuais – mas tal não pode significar a admissão do abuso de poder e da violência como «prática pedagógica» normal. Sob pena de continuarmos a formar – neste caso, de continuar o Colégio Militar a afeiçoar a este mundo – disciplinados monstrozinhos. Diz o actual director que «onde há rapazes, há sempre bulhas». O problema começa quando se considera que a suposta «naturalidade da violência» – temos aqui um director hobbesiano, nitidamente – possa ser enquadrada como instrumento normal de uma boa prática educativa. Foi o prussiano Conde de Schaumburg-Lippe quem entre nós, de 1762 a 1764, procurou associar, codificando nesse sentido os procedimentos disciplinares castrenses, a sageza militar à brutalidade dos castigos físicos e vexatórios. Mas isso aconteceu há perto de 250 anos atrás e entretanto o mundo deu umas voltas.
♪ Angels of Ashes
Fim de tarde com a chuva que regressa com o fim de Fevereiro. Agora sem televisão e sem notícias, sem ruído, sem murmúrio que não o de um velho álbum, 4, de Scott Walker. Quase uma cantiga de embalar, nua mas enfática. «The Angels of Ashes/will give back your passions/Again and again…huumm/Their light shafts/will reach through the darkness/and touch you my friend…huumm huumm». Scott tónico, vintage de 1969.
[audio:http://aterceiranoite.files.wordpress.com/2009/02/04-scott-walker-04-angels-of-ashes.mp3]Rong e Silva juntos e ao vivo
De acordo com a Lusa, um responsável do sector intelectual do Partido Comunista Chinês, Leng Rong, chefia a delegação da China ao congresso do PS português. Rong, de 56 anos, é membro suplente do Comité Central do PCC, vice-secretário da organização comunista no seio da Academia Chinesa de Ciências Sociais e director do Centro de Investigação Histórica do Partido. Augusto Santos Silva tem pois um interlocutor de gabarito e à sua altura.
Rosa, rosa, rosae, rosarum, rosis, rosis
Mas não é óbvio que a escolha dos nomes para as vice-presidências do PS (os indefectíveis prelados António Costa e Carlos César, a sempre-em-pé-não-se-percebe-porquê Edite Estrela, os críticos colaborantes Vera Jardim e Maria de Belém) apenas confirma a irrelevância destes cargos? Um bombom aos incomodativos alegristas que, como todos os bombons, dura apenas o tempo de umas voltas dentro da boca mas acalma e ilude a acidez do estômago. O resto é e será apenas unanimidade, foguetório e complacência.
Depois de escrito este post, chamaram-me a atenção para o facto destas vice-presidências se referirem à direcção da mesa do Congresso e não à do Partido. A notícia do Público online da qual me servi – e que segue em link no corpo do post – dá uma versão diferente, mas aqui fica a precisão. De toda a maneira, não me parece que o alcance simbólico dos nomes referidos e a carga política que contêm se alterem apenas por se tratar de um organismo de responsabilidade mais limitada.
Oração de Quadragésima
Que o Deus dos cristãos me perdoe se blasfemo, mas rejubilo por ter chegado a Quaresma e haverem desfilado já pelas avenidas todos os clubes de samba, carros alegóricos e sorrisos de baquelite que havia para desfilarem pelas avenidas. Agradeço-Lhe por existir muito mais beleza na tristeza.
Foucault e o falso Zola
No prefácio a uma edição recente de Renaissance Self-Fashioning, o historiador da cultura (e não só) Stephen Greenblatt conta um episódio curioso ocorrido em Berkeley no ano de 1975. Michel Foucault, que acabava então de publicar o seu Surveiller et Punir, encontrava-se naquela universidade para leccionar um seminário semestral organizado pelo Departamento de Francês e divulgado aos potenciais interessados como sendo sobre a obra de Émile Zola. Greenblatt tinha pouco interesse por Zola, mas muita vontade de ouvir Foucault, e por isso inscreveu-se no referido seminário. No entanto, ao longo de todo o semestre, o filósofo não mencionou uma única vez o seu compatriota romancista. As sessões foram todas sobre o conceito de penitência na história da Igreja católica medieval, o que não parece ter caído mal em qualquer um dos inscritos. Na Europa à bolonhesa que nos cabe agora na rifa, com tudo previsto e aprovado para valer «créditos» destinados a oficializar «competências», esta sorte de golpe-de-rins já quase parece impossível.
L’Homme Désespéré
Aqui se oferece um retrato do Senhor Gustave Courbet, artista antissocial merecidamente mal visto junto das melhores famílias e das forças vivas da cidade de Braga e seu termo, pintado pelo próprio nos anos de 1843-1845. Nele poderá já o fiel leitor perscrutar os sinais visíveis de uma frouxidão do carácter, de uma ductilidade dos princípios, de uma atitude de reprovação dos valores mais lídimos da sociedade, em harmonia com uma rejeição da propriedade, um sacrílego ateísmo e uma abjecção dos valores morais que jamais renegou, da qual é prova a sua participação na destruição da Coluna de Vendôme durante os infaustos acontecimentos da tristemente célebre Comuna de Paris, merecendo pois o legítimo opróbrio e a justa perseguição movida pelas autoridades que têm por dever a manutenção da serenidade dos espíritos e a necessária conservação da ordem pública.
Três tristes talibans passeiam-se por Braga
143 anos após ter sido criado pelo pintor Gustave Courbet, anarquista e amigo de Proudhon, A Origem do Mundo foi objecto do zelo persecutório de três polícias impressionados com o carácter «pornográfico» do quadro realista, reproduzido na capa de um álbum à venda em Braga numa Feira do Livro em Saldo. Pintada em 1866, A Origem, que representa frontalmente as coxas e o sexo de uma mulher, encontra-se exposta no Museu D’Orsay, em Paris. Num corredor onde se passeiam frequentemente, acompanhadas por pais ou professores, indefesas crianças em idade escolar. As notícias não precisam se os agentes tinham estado expostos aos inebriantes eflúvios de incenso da Sé, se obedeciam a ordens emanadas de um superior hierárquico, ou se respondiam apenas às exaltadas exortações de um mullah adepto da concorrência. Isto é, leitor da Gina. [mais aqui]
Adenda: «Decidimos agir.» Afinal parece que o gesto dos nossos agentes-taliban era para evitar «desacatos» provocados por crianças e pelos seus pais. Seguindo o raciocínio dos senhores da PSP bracarense, se a educação sexual chegar verdadeiramente às escolas sem ser com bonecos do Mickey e da Minnie (ou da Barbie e do Ken, para outros gostos) teremos os bolcheviques no poder.
Vento de leste
Mesmo depois de 1974 (a nossa marca para o lançamento de uma actividade editorial aberta) e de 1989 (a marca deles, os «do lado de lá», para o arranque pós-Muro de uma torrente de publicações não censuradas), a história da Europa de Leste – excluída deste espaço a antiga União Soviética, melhor explorada – manteve-se praticamente escondida para a larga maioria dos leitores portugueses. Para além de algumas referências em obras de natureza generalista, a observação do que aconteceu no meio século de história recente das «democracias populares» da Albânia, da Bulgária, da Hungria, da Polónia, da RDA, da Roménia, da Checoslováquia e da Jugoslávia, permaneceu confinado aos escritos da propaganda pró e anticomunista, à leitura ocasional de alguns livros importados, ou à mera referência a episódios circunstanciais. Essa enorme falha acaba de ser preenchida com a publicação, pela Teorema, de uma História da Europa de Leste da Segunda Guerra Mundial aos nossos dias da autoria de Jean-François Soulet, o especialista francês em história da sociedade civil e em história comparada do mundo comunista que traça neste livro o longo e complexo percurso, simultaneamente nacional e comum, que parte da invasão da Polónia pela Alemanha nazi e encerra com a adesão de alguns daqueles países à União Europeia no ano de 2004. Informação elementar, é certo, mas para quem não possui praticamente nenhuma é mesmo por aí que se deve começar. Segue já para as bibliografias recomendadas.
Domingo Gordo
Em tempos de vacas magras.
O da Joana
Sinceramente, começo a ficar um tanto farto de passar por tanto blogue que refere repetidamente, explícita ou implicitamente, a beleza da Joana Amaral Dias, a difícil relação do Bloco de Esquerda com a beleza da Joana Amaral Dias, a ligação directa entre a beleza da Joana Amaral Dias e a sua maneira de actuar no combate político. Perorando nos intervalos sobre a fealdade ou as rugas de uma ou outra mulher politicamente empenhada. Os jornais e a televisão têm demonstrado, ao menos nestas matérias, e talvez porque por eles circula uma percentagem muito maior de mulheres, um pouco mais de pudor. Porque não discorrer também sobre a forma como a feiura de João Ratão de certos políticos, sindicalistas e outros homens públicos prejudica a empatia com muitos cidadãos, polui o microclima visual maltratando a nossa qualidade de vida, desfeia horrivelmente o outdoor da rotunda ou o recanto da televisão? Será assim tão importante insistir nesse pormenor do requebro e do busto? Para os sexistas, é. E o sexismo é ainda quem mais ordena neste alegado paraíso democrático em linha. Mesmo entre muitos daqueles gauchistes que por aqui declaram a pés juntos combatê-lo. A Joana Amaral Dias é uma mulher muito bonita, é sim senhor(a). Mas isso agora não interessa rigorosamente nada.
Kryptonite na Audiencia Nacional
O juiz espanhol Baltazar Garzón foi hospitalizado com uma crise de ansiedade. Com a vida que leva e as causas nada consensuais nas quais se tem empenhado (Pinochet, Kissinger, ditadura argentina, Berlusconi, Guantánamo, guerra do Iraque), somadas a um assédio mediático permanente e ao risco de vida que batalhão de guarda-costas algum poderá evitar, de admirar é apenas que tenha aguentado tanto tempo sem sentir aquela «forte dor no peito» que o abalou ontem ao início da tarde. Destes transtornos nem mesmo o Super-Homem se livra. Basta um pedaço de kryptonite por perto e lá se vão os super-poderes.