Arquivo de Categorias: Opinião

As redes sociais como barómetro

Esta crónica ocupa-se de um universo que muitos rejeitam ou consideram irrelevante. Não posso discordar mais desta atitude. Como acontece com o telefone ou a televisão, podemos virar as costas às redes sociais, mas não podemos viver sem elas. Oferecem excelentes possibilidades de aprendizagem, partilha e divulgação, bem como de encontros e reencontros, embora, é verdade, abram também espaço para a mentira, a exposição da ignorância e o ódio, levando a que frequentes vezes nos cruzemos com pessoas que na «vida real» evitaríamos. Só que existem, não irão desaparecer, e de um ou de outro modo influenciam poderosamente as nossas vidas. Por isso, não convém ignorá-las.

O enorme sucesso desta ferramenta de comunicação deve-se à facilidade de acesso, ao baixo custo e também a possibilidade de dar voz pública a quem habitualmente a não tem. Ao mesmo tempo, porém, permite que se escreva e se opine sem se ter o hábito de o fazer, podendo qualquer um afirmar o que deseje sem pensar duas vezes ou com objetivos pouco claros. É esta, aliás, a principal origem do seu perigo, sendo também por isso que muitas pessoas as rejeitam.

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    Atualidade, Cibercultura, Democracia, Opinião

    O perigo e o erro da História «certa»

    O regresso da extrema-direita ao primeiro plano do debate político nas sociedades democráticas tem dado um papel de relevo aos chamados «usos da História». Por isso, é um erro atribuir a esta disciplina um lugar neutro, limpo, silencioso, supostamente acima dos interesses e dos conflitos. Se vivemos a era da globalização, permanecemos ainda herdeiros das estruturas políticas nascidas no século XVIII, o que, como notou Marc Ferro, se reflete em muitos dos problemas e dos confrontos que enfrentamos. Estes continuam a passar por batalhas em redor da democracia e da liberdade, do papel do Estado e dos nacionalismos, do lugar da solidariedade e do individualismo, dos direitos humanos e da igualdade, bem como pelos processos de transformação que seguem modelos e ideais contraditórios, associados a diferentes interesses.

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      Ensaio, História, Memória, Opinião

      As democracias e o poder dos brutos

      As redes sociais servem, como toda a gente sabe, ou então deveria saber, tanto para coisas úteis ou mesmo magníficas, quanto para outras bem horríveis e sinistras. Depende sempre de quem as usa, da forma como o faz, da linguagem que usa, dos interesses que representa ou dos princípios que segue. De entre as coisas boas, apesar de relacionada com outras detestáveis, tem servido para denunciar as decisões, escolhas e imposições de figuras tão insanas e perigosas como Bolsonaro, Trump, Salvini, Orbán e agora, ainda que numa outra escala, Boris Johnson.

      O problema que se coloca é que, apesar das proclamações de espanto ou de indignação, quanto mais impensáveis e intoleráveis são as suas afirmações e iniciativas – ou as dos seus acólitos – maior apoio eles têm entre a larga maioria daqueles que os elegeram e apoiam. As democracias parecem estar entregues ao poder dos brutos, dos ignorantes, dos trolls – em parte por intervenção das próprias redes e de uma comunicação social que esquece a sua dimensão cívica – e isso precisa ser rapidamente pensado e alterado. Antes que as trevas nos submerjam a todos.

        Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião

        Social-democracia: equívoco ou solução

        Quem se interesse de modo crítico pela história das ideias políticas conhece a ambiguidade que há mais de cem anos acompanha o conceito de social-democracia. Declarações de Catarina Martins ao Observador, nas quais considerou existir uma dimensão social-democrata no programa do Bloco de Esquerda, trouxeram de novo alguma atenção a esse equívoco, tantas vezes alimentado por circunstâncias históricas, mas também pelo desconhecimento e pelo dogmatismo. Nada tem isto a ver com o PSD, partido liberal cuja inadequada designação resultou das circunstâncias de Abril, mas antes com os setores que à esquerda olham o conceito com aprovação ou descrédito.

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          Democracia, História, Opinião

          A opinião e os burros

          Publicadas em jornais, blogues ou redes sociais, as crónicas de opinião – tenham a forma de curtos artigos ou de breves notas – são sempre escritas de forma rápida e circunstancial, ao sabor dos acontecimentos ou dos acasos, bem como das impressões por estes causadas nos seus autores. Isto confere-lhes inevitavelmente uma forte margem de transitoriedade, incerteza e imprecisão. São também muitas vezes experimentais, sem tempo para amadurecimento e revisão. No entanto, quem as escreve sabe como são acusadas de tudo: de parcialidade, incompletude ou ligeireza, sendo ainda habitual que os seus autores vejam o que exprimem interpretado muitas vezes de forma abusiva, confundindo-se a parte com o todo e tomando-se como definitivo aquilo que jamais o pretendeu ser.

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            Apontamentos, Olhares, Opinião

            Da ténue linha entre silêncio e indiferença

            A propósito do encontro de organizações da extrema-direita que decorreu em Lisboa este sábado, voltou a circular uma ideia tão errada quanto perigosa. Aquela que, perante determinados acontecimentos controversos ou escolhas perigosas e condenáveis, ou então diante de boatos e de mentiras, considera que o melhor é não falar deles, não tomar uma posição clara e pública, não enfrentar quem os projeta, sendo preferível deixar passar o momento. Justificando-se esse ponto de vista com a errada lógica segundo a qual toda a referência pública que lhes seja feita estará a oferecer publicidade àquilo que não deveria tê-la. Supostamente, sem essa publicidade permaneceriam insignificantes.

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              Atualidade, Democracia, Opinião

              O poder subversivo da sátira

              Há poucas semanas, o The New York Times pôs termo à publicação de cartoons. Fê-lo na sequência da polémica em torno de um desenho do português António, que o próprio diário, após queixas de leitores, acabou por aceitar poder ser considerado «antissemita». O trabalho de António tinha sido publicado pelo jornal sem autorização do autor e um dos que se pronunciaram de forma mais violenta contra a sua inclusão no diário foi Donald Trump Jr., o filho mais velho do presidente. O desenho representava o seu pai como um cego vestido de rabino e conduzido por um cão com a cabeça do primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu. A crítica dos leitores poderia ser legítima, mas a decisão foi radical. Vinda de uma publicação de bom nível jornalístico e cultural, que tem defendido a liberdade de expressão e é conotada com a oposição democrata a Trump, ela é particularmente chocante e um grave sinal dos tempos.

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                Atualidade, Democracia, Opinião

                Defender o crime não é opinião

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                Porém, a verdade é que nem será preciso um grande esforço para constatar que até esta credibilidade é colocada em causa pelo artigo em questão: a referência à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão «decretados pela Grande Revolução Francesa de 1789», considerando-os excludentes em relação a grupos humanos, nomeadamente a «africanos» e a «ciganos», é um erro histórico clamoroso. Na realidade, o texto-chave da história contemporânea aprovado em Paris, pela Assembleia Nacional Constituinte, apenas cinco semanas após o episódio revolucionário decisivo que foi a Tomada da Bastilha, refere expressamente o caráter universal e igualitário desses direitos. Observados sob uma perspetiva ocidental, é certo, mas que sob a influência dos princípios iluministas e das ideias da Revolução Americana se pretendiam aplicáveis a todos os seres humanos.

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                  Democracia, Direitos Humanos, Opinião

                  Rasura da memória e democracia

                  Vivemos uma inquietante vaga de rasura da memória projetada a partir do apagamento, da reescrita e da trivialização de episódios da história. Uma parte produzida de forma consciente, com objetivos políticos precisos, resultando a outra apenas da leviandade, da indiferença ou da ignorância. Por isso o vínculo entre história e memória está na ordem do dia, seja para quem aproxima estas duas categorias de representação do passado, seja para os que pretendem a sua separação. Olhar com sentido crítico e pragmatismo a relação entre ambas requer um banho de realidade.

                  Em 2015 duas fundações francesas de investigação divulgaram os resultados de um inquérito subordinado ao tema Mémoires à venir. Envolveu cerca de 32 mil jovens de 31 países – Austrália, Canadá, Estados Unidos, Japão, Índia, Israel, Rússia, Turquia e quase toda a Europa – com idades compreendidas entre os 16 e os 19, e visava conhecer aquilo que os cidadãos educados já neste milénio retêm dos grandes acontecimentos do século XX, com a particularidade de terem sido colocadas as mesmas questões a pessoas de regiões e culturas muito diversas. Os acontecimentos mais referenciados foram aqueles que incorporaram uma dimensão traumática: o Holocausto, as bombas atómicas sobre o Japão e as duas guerras mundiais. Dos episódios mais recentes, destacaram-se os que em 1989-1991 envolveram a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética.

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                    Atualidade, Democracia, História, Memória, Opinião

                    Redes sociais: de realidade paralela à normalidade

                    O tema desta crónica não é novo, mas justifica uma atenção constante. O neurocientista António Damásio considerou recentemente que as redes sociais são «uma das mais espetaculares razões de declínio da qualidade de vida», afirmando que o acesso rápido e maciço a informação mal pensada representa hoje «um risco extraordinário». A esta declaração junto uma outra, mais conhecida, expressa por Umberto Eco numa das últimas entrevistas, observando que esses espaços de comunicação «dão o direito à palavra a uma legião de imbecis que, antes destas plataformas, apenas discutiam nas tabernas, após um copo de vinho, sem prejudicar a colectividade». Para Eco, «o idiota da aldeia» ganhou assim o direito a ter voz pública, dizendo o que lhe ocorre e passando a «detentor da verdade», misturando os códigos acerca do bem e do mal, do verídico e do falso, do racional e do incoerente.

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                      Cibercultura, Democracia, Opinião

                      Falta de conhecimento e ausência de norte

                      Tenho uma convicção reforçada a cada dia: a de que as grandes conquistas políticas e sociais apenas são irreversíveis, e têm condições de antecipar outras que as irão ampliar, se não dependerem apenas de interesses e acordos conjunturais. Isto é, se forem articuladas com uma consciência coletiva, de ordem histórica e cultural, da sua necessidade e da sua justeza. A partir da Revolução Francesa, os princípios emancipatórios da igualdade perante a lei, do valor da liberdade individual, da fraternidade como elemento edificador do Estado-Providência, da justiça social e dos direitos humanos puderam vingar – apesar da linha irregular de avanços e recuos – porque estiveram presentes no combate de ideias e em grande número de obras literárias e artísticas. Foram estes que estruturam em boa parte do mundo as convicções, as expetativas, o gosto e a noção de humanidade pelos quais tantos se bateram ao longo de gerações, oferecendo coesão e fundamento subjetivo a essa luta.

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                        Resistir ao poder da ignorância

                        A terrível frase «Muera la inteligencia! Viva la muerte!» terá sido pronunciada na manhã de 12 de Outubro de 1936 no Salão Nobre da Universidade de Salamanca. Foi seu autor o general franquista José Millán-Astray e com ela pretendia afrontar o reitor Miguel de Unamuno após este ter feito um elogio da sabedoria e do diálogo. Existem versões um pouco diferentes do episódio, mas o que importa é que têm sido estas as palavras repetidas nos últimos oitenta anos para destacar o combate justo da razão e da democracia contra a força da ditadura e da ignorância. Na Alemanha, o nazismo nascera também da imposição do ódio e do obscurantismo sobre o diálogo e o conhecimento, queimando livros e conduzindo o mundo ao pesadelo da Segunda Grande Guerra e do Holocausto. Todos os fascismos tiveram, aliás, este denominador comum: o repúdio da razão e da sabedoria por troca com a força do instinto e as certezas fundadas em ideias muito básicas que dominaram o quarto de século chamado por Hannah Arendt de «tempos sombrios».

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                          As europeias «não servem para nada»?

                          Esta campanha para o Parlamento Europeu não tem sido em Portugal muito diferente das anteriores, no que respeita a mostrar-se pouco mobilizadora. Em parte porque, dado o calendário eleitoral deste ano, serve como uma sondagem sobre as próximas legislativas. Mas sobretudo porque para a maioria dos eleitores, mesmo para muitos dos que não se irão abster, «não servem para nada». Não partilho desta ideia, até porque a prestação dos deputados europeus não tem a irrelevância que muitos eleitores lhe atribuem, e tem sido bastante diferenciada, seja no sentido do seu trabalho concreto, seja nas escolhas políticas. Reconheço, no entanto, que no essencial quase todas as vozes e partidos presentes têm subvalorizado os problemas colocados à própria Europa. Na forma de se gerir a si mesma e de resolver os seus conflitos, mas também no modo de se relacionar com o resto do mundo: com as grandes potências – os EUA, a Rússia e a China – que a desqualificam todos os dias, e com os Estados e os povos que nela ainda vêem o paraíso. Mais uma oportunidade perdida para sentir «a Europa connosco» e para discuti-la na relação com o mundo em que vivemos.

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                            O peso da responsabilidade e o anonimato

                            O título desta crónica parafraseia o de um livro do historiador Tony Judt sobre três intelectuais franceses – Léon Blum, Albert Camus e Raymond Aron – com personalidades singulares e percursos muito diversos, mas que coincidiram no sentido exigente da sua responsabilidade perante o mundo. Encararam-na num duplo sentido. Por um lado, sob a perspetiva de quem o observa de maneira informada, razoavelmente liberta dos filtros impostos pelas ideologias, dos modismos e dos lugares-comuns. Por outro, agindo, escrevendo e falando em função das suas próprias conclusões, obtidas através da reflexão e da crítica, e assumindo-as de uma forma pública, ainda que tal os tenha colocado por vezes contra a maioria dos que pertenciam ao seu campo político.

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                              De baixo das pedras, como as serpentes

                              Temos sempre a história para nos ajudar a conhecer o passado e a compreender o presente, mas a memória pessoal pode dar também uma boa ajuda. Quem tenha vivido os anos finais do Estado Novo já com alguma consciência política – felizmente ainda existem muitas pessoas nestas condições e capazes de oferecer o seu testemunho – sabe que nessa altura, em particular a partir do «período marcelista» de 1968-74, eram já pouquíssimas as pessoas com voz pública que fora dos organismos e dos círculos do poder assumiam claramente a defesa do regime. Muitas calavam-se por vergonha ou desmotivação, mas muitas também, em número cada vez maior a cada dia que passava, porque eram mesmo contra ele e desejavam que ruísse o mais depressa possível.

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                                Democracia, Direitos Humanos, Opinião

                                Os norte-coreanos não são figurantes

                                Tornou-se um hábito, entre a esquerda exterior ao PCP, olhar várias das suas posições sobre política internacional com alguma relutância, mas também com um encolher de ombros. De alguma forma compreendo a escolha e muitas vezes faço o mesmo: por um lado, porque as circunstâncias políticas associadas à experiência da «geringonça» requerem alguma contenção em tudo aquilo que possa dividir ou criar animosidade (como se sabe, a menor crítica de fundo é sempre vista daquele lado como «anticomunismo»); por outro, porque apesar das divergências, a história do PCP, a sua importância para a democracia, a generosidade de muitos dos seus militantes, determinam a contenção possível. Um pouco como quando temos divergências em família, por vezes graves, não sendo todavia por isso que cortamos com ela. E desta forma, a muitos episódios lamentáveis se responde relevando-os.

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                                  8 de Março: celebração e crítica

                                  Foi muito significativa e de grande importância política a forma participada como em Portugal foi vivido este 8 de Março, dia no qual por todo o mundo se lembra e prossegue a luta longa, difícil e necessária pelos direitos das mulheres e pelo seu combate por uma efetiva igualdade. Longe ainda da dimensão esmagadora que o movimento tem hoje no território do Estado espanhol, por cá ele tem vindo a crescer, a abranger um leque cada vez maior de mulheres, muitas delas ativistas, mas também pessoas comuns, a agregar um número crescente de organizações, e, o que é sempre importante, a chamar a atenção da comunicação social, elemento imprescindível neste tempo que atravessamos.

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                                    Anónimos, pseudónimos e «noms de guerre»

                                    Uma das maiores conquistas da era da comunicação poderá alimentar a sua destruição. Quando, a partir dos meados do século XIX, livros e jornais passaram a ter como alvo um público alargado, alimentado pelo progresso da alfabetização e pelo desenvolvimento do ensino médio, nasceu a «opinião pública», associada à expansão e à partilha da informação e do conhecimento. Com todo o potencial democrático possibilitado pelo facto de mais pessoas poderem conhecer, opinar, debater e agir no plano político a partir de uma ideia mais completa do mundo que pisavam. Por isso, no processo de centralização administrativa dos Estados iniciado no mesmo período histórico, o controlo e a manipulação da informação foram ganhando importância. Em alguns casos através do controlo do sistema educativo e da propaganda do Estado, noutros, mais graves e aplicados nas ditaduras do século seguinte, mediante fortes mecanismos de censura e de repressão das vozes mais livres. Em qualquer caso, livros e jornais continuaram a ser um espaço privilegiado para a construção do saber, da liberdade e da cidadania.

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                                      Democracia, Direitos Humanos, História, Opinião