Arquivo de Categorias: Olhares

Simetria semiológica

Reparará quem segue este blogue que em seis anos quase não se publicaram fotografias de políticos portugueses no ativo. Chegou o momento de proclamar urbi et orbi os três motivos pelos quais isso sucede. O primeiro prende-se com o mais genuíno snobismo: este blogue vive da e para a polis, mas não é um blogue de politiquinha, daqueles que se ocupam quase a full-time (e fazem bem, cumprem a sua função) dos rodriguinhos de São Bento, das fífias de Belém e atividades afins. Por isso, quando fala deles, gosta de relativizar o seu papel nas preocupações do leitor. O segundo é de natureza meramente estética: A Terceira Noite pode ter alguns posts fraquinhos (ou até o podem ser praticamente todos), mas esforça-se por ser um prazer para os olhos, um lugar visualmente incitante, ou então tão relaxante quanto uma massagem ayurvédica acompanhada pelo som de vagas marítimas. A maioria das imagens pessoais disponíveis destruiria esse equilíbrio, como um par de peúgas brancas usadas com um fato escuro. O terceiro motivo é o mais fácil de expor: o blogue preparava-se para este breve momento de simetria semiológica, esgotando de uma vez a quota para os próximos seis anos.

[fotografia extorquida à página facebook de maquinistas.org]

    Apontamentos, Devaneios, Fotografia, Olhares

    Günter, Israel e os outros

    Günter

    «O que deve ser dito», o «poema» na origem da polémica é, de facto, confrangedoramente mau para alguém com a sua responsabilidade literária. Desqualificado como decrépito e apodado de insensível antissemita, Günther Grass declarou entretanto à Associated Press que se pudesse reescrevê-lo teria evitado usar o termo «Israel» e referido expressamente o atual governo de Benjamin Netanyahou. O episódio conta-se em poucas palavras: revoltado com o facto de a Alemanha vender a Israel um submarino com capacidade para lançar mísseis armados com ogivas nucleares, Grass publicou o referido «poema», no qual, num arremedo estético da cartilha do velho realismo (socialista ou não), acusa o governo israelita de «ameaçar a já frágil paz mundial». A peça vai mais longe, condenando «o suposto direito de um ataque preventivo» contra as «supostas» ameaças de um Irão empenhado, também ele, reconhecidamente, em desenvolver armamento nuclear. Em consequência, o governo militarista de Israel declarou o escritor persona non grata, impedindo-o de regressar a um país que, como convidado, visitou já por diversas vezes.

    A posição do governo israelita é, obviamente, escusada e bastante condenável, apenas possível porque este se encontra nas mãos de alguns dos setores mais conservadores e agressivos do país. É contraproducente, do ponto de vista da imagem global de Israel, e incompreensível até para quem gosta, sem estar de todo desprovido de razão, de se gabar de ser «o único Estado democrático da região». Bernard-Henri Lévy, que também não é um anjo, aproveitou para desancar nos esquecimentos do escritor alemão, lembrando-lhe que, já agora, podia falar do que ao mesmo tempo se passa na Coreia do Norte, na Rússia de Putin, na Síria e no Irão ali mesmo ao lado. Mas aquilo que realmente impressiona é o facto de a esquerda antissemita ocidental – a mesma que ainda há pouco tempo apontava o dedo a Grass pelo seu longínquo e por longo tempo escondido passado filo-nazi – passar a incensá-lo como se de um herói se tratasse. Vale tudo para ser «contra Israel», independentemente das circunstâncias históricas e políticas do seu trajeto, seja o que for que possa desenhar-se no horizonte da região. Uma atitude que indicia a ausência de uma «política de princípios», justa e democrática, que é, afinal, cada vez mais necessária. Entre outras coisas para obter para aquelas paragens uma paz duradoura, sem vencidos e vencedores.

      Atualidade, Olhares, Opinião

      Coimbra: a cidade e a luta estudantil

      coimbra_c

      Disponível em formato pdf um texto que escrevi em 2007 sobre «Coimbra: a luta estudantil e o património identitário da cidade». Poderá servir de munição, ou de contrapeso, no debate atualmente em curso sobre os usos e os abusos da praxe estudantil. E também para uma apreensão mais completa do papel dos estudantes na vida e na história deste lugar diferente. Uma apreensão menos passadista sem por isso promover o esquecimento. Pode baixá-lo aqui.

        Apontamentos, Coimbra, História, Olhares

        Vida noturna

        Robert Doisneau

        O publicista e escritor irlandês Richard Steele escrevia em 1710, na revista satírica The Tatler, que tinha ido visitar um amigo chegado do campo para viver em Londres. Mas este encontrava-se já deitado quando, às 8 da tarde, Steele se apresentara em sua casa. Voltou na manhã seguinte, pelas 11 horas, para lhe dizerem que o amigo ia começar a jantar: «Rapidamente descobri que o meu amigo seguia religiosamente os seus antepassados e respeitava os horários usados na sua família desde a época da conquista normanda.» Dei algumas vezes exemplos análogos enquanto falava a turmas de alunos sonolentos sobre o imaginário aldeão dos tempos que antecederam a abertura das estradas e a chegada da eletricidade. Ali, como todos trabalhavam desde a alvorada, e o trabalho doía, todos se deitavam «com as galinhas», ficando os ruídos e as sombras da noite a cargo dos espetros e das bruxas, dos quais aliás ninguém duvidava. Mesmo nas nas cidades, as coisas não se passaram de forma substancialmente diferente até ao surgimento das festas aristocráticas e à abertura dos cafés por volta do século XVII, começando então a noite a ter uma animação inteiramente nova. Com o aparecimento da iluminação urbana e a multiplicação dos teatros o processo foi completado, alterando-se profundamente o uso social e as representações simbólicas da vida noturna. A noite fugaz mas persistente «das paixões recusadas, das paixões descabidas», gravadas a canivete nas mesas dos bares, Lins dixit, chegou bastante tarde mas para ficar.

          Apontamentos, Cidades, Olhares

          Ainda e ainda as praxes académicas

          Em Coimbra

          versão revista de um post publicado há cerca de um ano

          De novo às voltas com as praxes académicas. Não que representem um problema para quem, nos ambientes universitários, delas faz – até há pouco tempo, durante algumas semanas, agora o ano letivo inteiro – o eixo das suas vidas. Pelo contrário, aparentemente essas pessoas até se divertem, daquela forma muito própria e bastante pobre e falha de imaginação de se divertirem. Mas porque para a maioria dos cidadãos, que as observam de fora como vestígios exóticos de uma época e de um mundo que não entendem bem, são um fator de perturbação. As razões que as impõem não se prendem, no entanto, com o lado mais ou menos folclórico da «festa permanente» que lhes está associada. Na raiz implicam um espaço de recreio muitas vezes legítimo, e afinal nem todos temos o dever de achar divertidas as mesmas coisas. Mas relacionam-se com três circunstâncias sobre os quais podemos alinhar umas ideias. (mais…)

            Apontamentos, Atualidade, Coimbra, Olhares

            Ler porque sim

            «Ler por prazer é mal visto» diz Fernando Savater em entrevista concedida à Babelia deste sábado. Não parece exagero: a leitura é cada vez mais olhada, e apresentada até por quem tem o dever de promovê-la, como momento de integração no mercado de trabalho, fator de progressão profissional ou salvo-conduto para um certo padrão de prestígio. Em última análise, como arma de arremesso na corrida triste e insana de todos contra todos. O conhecimento pelo conhecimento, o devaneio sem explicação, a leitura pelo gozo pessoal e intransferível de desdobrar a nossa vida e dialogar com as dos outros, pretéritas ou presentes, tem vindo a ser desvalorizada pelo próprio sistema educativo, mais interessado em produzir trabalhadores eficazes, em «desbloquear riqueza», do que em fazer pessoas completas e felizes. Assimilando a felicidade ao desperdício, a poesia à preguiça, a criação ao desatino, a leitura improdutiva ao esbanjamento, tem gerado uma multidão de escravos que nem sabem que o são.

              Apontamentos, Olhares

              Millôr Fernandes (1924-2012)

              Millôr

              Vi o milionário saltar da limusina, caminhar tranquilamente para dobrar a esquina e penetrar na mansão onde mora. Antes de dobrar, exatamente na dobra da esquina, e nas dobras da noite, lhe saiu um trintoitão na cara acompanhado da voz surda de um sujeito que ele mal viu por trás de galhos: «Passa tudo e não chia!»

              Homem do mundo, acostumado aos azares e venturas da economia da vida, o rico banqueiro não se deixa assustar. Apenas aconselha: «Calma, amigo. Passo tudo e não chio, que não sou besta. E vou te dizer uma coisa, reconheço o teu valor – você faz o que pode para conseguir o que precisa. Como me assalta deve saber quem sou, um banqueiro, um capitalista. Mas, curiosamente, não sabe quem é, pois aceita o vergonhoso epíteto de assaltante. E, no entanto, você é um capitalista igualzinho a mim. Só que, até agora, conseguiu capital apenas pra se estabelecer com um trinta e oito. Boa noite. Posso ir?»

              Apotegma XVIII (de «Apotegmas do Vil Metal»)

              Millôr Online

                Apontamentos, Memória, Olhares

                Duas ou três coisas que eu sei sobre manifes

                Fotografia: Patrícia de Melo Moreira/AFP

                Depois de uma época na qual fui ativista profissional, a certa altura quase deixei de participar em manifestações de rua. As razões podem reduzir-se a três, sendo as duas iniciais com toda a certeza partilhadas. A primeira teve a ver com o recuo das causas durante os anos 80 e a forma como, falhas de imaginação e de um norte, as correntes que contestavam a ascensão neoliberal se limitavam a repetir até à náusea, receitas, motivações, bandeiras e palavras de ordem que tinham sido necessárias nos anos de resistência ao regime e durante o processo revolucionário mas já não se aplicavam a uma realidade em rápida mudança. A segunda razão ligou-se à apropriação das datas simbólicas por uma burocracia partidária, ou mesmo sindical, que procurou usar os movimentos de massas como ferramenta de estratégias sectárias, rejeitando uma corrente dinâmica, unitária e participada que pudesse exprimir-se também na rua. Banalizou-se assim o protesto, cada vez mais ritualizado, controlado, organizado para «marcar posição» e não para arquitetar futuros. A terceira razão, mais recente, não tem motivação política: justamente quando as circunstâncias mudaram e as manifestações de rua passaram a ter de novo um papel decisivo na mobilização cívica, algumas limitações de ordem física impedem-me de estar presente como queria e deveria. Por isso sou agora mais um apoiante do direito à manifestação do que um manifestante, o que, no entanto, não reduz o meu direito à crítica ou minimiza a minha condição de «homem da luta». (mais…)

                  Atualidade, Memória, Olhares, Opinião

                  1962 e agora

                  Os cinquenta anos virados sobre o eclodir, em Portugal, da Crise Académica de 1962, têm dado lugar a um conjunto de iniciativas públicas. Iniciativas importantes por três motivos. Primeiro motivo: porque têm reunido muitos homens e muitas mulheres, antigos ativistas ou participantes, que sem excesso de nostalgia nos têm ajudado a perceber como a sua ação, naquela época, foi muito importante para fazer crescer as fileiras da resistência à ditadura salazarista. Segundo motivo: porque têm agregado a intervenção, ao nível da informação e da interpretação dos acontecimentos, de historiadores, jornalistas e outras pessoas com um papel essencial na transformação daquilo que são as experiências e as recordações de alguns em património coletivo ao dispor de todos. Terceiro motivo: porque no contexto atual têm servido para mostrar como, muitas das vezes, a energia de uma minoria pode exprimir e servir de motor à participação cidadã do coletivo, revelando que a resignação de nada serve e que a coragem pode ser um fator de mudança.

                  Mas já não justifica grande atenção a tentativa, levada a cabo em alguns jornais, de pôr em paralelo o associativismo universitário da época e o atual. As diferenças históricas são óbvias e todos as reconhecem: o mundo e o movimento estudantil deram muitas voltas ao longo destas cinco décadas, tanto em Portugal como em toda a parte. O que é incompreensível é tentar estabelecer semelhanças entre os principais ativistas de 1962 – em regra pessoas culturalmente muito preparadas, com um forte sentido cívico e reconhecidas no terreno – e os seus sucessores «no cargo», jovens geralmente pouco aptos do ponto de vista cultural, que da intervenção estudantil possuem uma dimensão corporativa, e que «representam» colegas em regra incapazes de lhes identificarem os rostos. Falamos, de facto, da água e do vinho. Claro que ninguém pretende encontrar cópias, hoje, do que foram os ativistas de ontem. Os de 1962, os de 1969-74, ou os dos anos 90. Mas hoje, hoje mesmo, continuam a percorrer as universidades estudantes inteligentes, cultos e generosos, com uma perceção dinâmica do papel que podem ter na mudança do país e não apenas na das suas vidas. Só que não estão, geralmente, nas direções associativas, organizando-se ou agindo à margem destas. Esta é a realidade e comparações absurdas iludem os leitores.

                    História, Memória, Olhares

                    Um discurso para a esquerda

                    [youtube]http://www.youtube.com/watch?v=84T-XLN_RPE[/youtube]

                    A campanha de Jean-Luc Mélenchon, o candidato da Frente de Esquerda às presidenciais francesas de 2012, tem passado estranhamente discreta pelos média portugueses, mais interessados no confronto entre Sarkozy e Hollande, e lateralmente nas frases da menina Le Pen contra os emigrantes. No entanto a campanha de Mélenchon vai já nos 15% das intenções de voto, e em subida, justificando maior atenção. Admirador do socialismo e do pacifismo à Jean Jaurès, o candidato da FE (agrupando a Esquerda Unida, o Partido da Esquerda, o PCF e muitos independentes) recupera uma retórica socialista e internacionalista que vem das profundezas do século XIX. Daquela esquerda insurrecta que ainda não fora entorpecida pelo processo, crescentemente desligado de uma ideia de humano e das expectativas mais profundas dos cidadãos, com que o jargão do marxismo-leninismo, das ciências sociais e da teoria económica a foram cercando ao longo do século seguinte.

                    Com toda a certeza, daí provém, como provém também, sem dúvida, da rara, mobilizadora e veemente capacidade do candidato como tribuno, o entusiasmo e a multiplicação dos apoios por parte de quem encontra na sua oratória uma forte mensagem de esperança. Vale a pena, para quem entenda o francês, seguir o discurso notável, pronunciado no passado 18 de março em Paris, na Praça da Bastilha, que aqui se reproduz. Perceberá melhor como pode aquilo que os historiadores reconhecem como velho reemergir, de um modo fulminante, como novo e mobilizador. Acontece que afinal a «primavera dos povos» permanece por cumprir. E aquele «tempo das cerejas e dos dias felizes» que desejavam os communards está por conquistar. E o povo sente isso.

                      Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião

                      Tonino Guerra

                      Devemos ao poeta, escritor e roteirista italiano Tonino Guerra (1920-2012), antigo professor primário e ex-prisioneiro do campo de concentração de Troisdorf, uma parte substancial  daquilo que nos mostrou o cinema de Michelangelo Antonioni (A Aventura, A Noite, O Eclipse, Deserto Vermelho, Blowup, Zabriskie Point, Identificação de uma Mulher), Federico Fellini (Amarcord, La Nave Va, Ginger e Fred), Theo Angelopoulos (Paisagem na NeblinaA Eternidade e um Dia, O Passo Suspenso da Cegonha) ou Andrei Tarkovski (Nostalgia). Isto quer dizer que lhe devemos uma parte significativa das nossas vidas, daquilo que somos e principalmente do que acreditamos ser. Eu, pelo menos, devo. Tonino aqui em entrevista a Carlos Vaz Marques.

                        Apontamentos, Cinema, Olhares

                        Onde está o movimento estudantil?

                        Nas últimas décadas desenvolveu-se em volta do movimento estudantil um conjunto de justificações da sua redução a ações de natureza corporativa e do seu quase desaparecimento como movimento social com influência pública e visibilidade mediática. O termo de comparação, invocado nostalgicamente por alguns ou usado por outros na tentativa de compreender o que aconteceu para que tal tivesse ocorrido, assentou no modelo de ativismo desenvolvido a partir da década de 1950, que teve o seu apogeu com a experiência do Maio de 1968 e o seu canto do cisne durante os anos 70. Basicamente, alterações sociais profundas e uma readaptação do quadro institucional das democracias teriam esvaziado de sentido a politização, muitas vezes de caráter radical, que antes havia conduzido, um pouco por toda a parte, de Berkeley a Paris, da Cidade do México a Praga, no Rio ou em Tóquio, a uma intervenção estudantil capaz de se assumir como componente fundamental da mudança social, da renovação cultural e até da modernização. E também como «escola de democracia», servindo de campo de treino a toda uma geração aberta à crítica e à participação cívica como parte fundamental da vida coletiva e do conhecimento. (mais…)

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                          Uma Brasileira em Coimbra

                          A Brasileira

                          Em A Ideia de Europa, saído em 2006, escrevia o crítico, filósofo e ensaísta George Steiner (a citação é longa mas vale a pena, embora só depois dela este post verdadeiramente arranque):

                          A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard passava nos seus passeios concentrados, aos balcões de Palermo. Não há cafés antigos ou definidores em Moscovo, que é já um subúrbio da Ásia. Poucos em Inglaterra, após um breve período em que estiveram na moda, no século XVIII. Nenhuns na América do Norte, para lá do posto avançado galicano de Nova Orleães. Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter-se-á um dos marcadores essenciais da «ideia de Europa».

                          O café é um local de entrevistas e conspirações, de debates intelectuais e mexericos, para o flâneur e o poeta ou metafísico debruçado sobre o bloco de apon­tamentos. Aberto a todos, é todavia um clube, uma franco-maçonaria de reconhecimento político ou artístico-literário e presença programática. Uma chá­vena de café, um copo de vinho, um chá com rum assegura um local onde trabalhar, sonhar, jogar xa­drez ou simplesmente permanecer aquecido durante todo o dia. É o clube dos espirituosos e a posta-restante dos sem-abrigo. Na Milão de Stendhal, na Veneza de Casanova, na Paris de Baudelaire, o café albergava o que existia de oposição política, de libe­ralismo clandestino. Três cafés principais da Viena imperial e entre as guerras forneceram a agora, o locus da eloquência e da rivalidade, a escolas adversárias de estética e economia política, de psicanálise e filosofia. Quem desejasse conhecer Freud ou Karl Kraus, Musil ou Carnap, sabia precisamente em que café procurar, a que Stammtisch tomar lugar. Danton e Robespierre encontraram-se uma última vez no Procope. Quando as luzes se apagaram na Europa, em Agosto de 1914, Jaurès foi assassinado num café. Num café de Gene­bra, Lenine escreveu o seu tratado sobre empiriocriti­cismo e jogou xadrez com Trotsky. (mais…)

                            Coimbra, Memória, Olhares

                            Brilho nos olhos

                            Olof Palme

                            28 de Fevereiro. Passam hoje 26 anos sobre o assassinato de Olof Palme, o político e primeiro-ministro sueco que ajudou a recolocar a social-democracia europeia no eixo do combate contra as desigualdades. A sua via não foi a tíbia e desgraçada «terceira», que nos anos 90 devolveria a vida ao caduco liberalismo, mas a de um socialismo democrático construído na conciliação da liberdade individual e da economia de mercado com a afirmação do Estado social e com a solidariedade entre os povos e as nações. Palme faz-nos falta porque nos fazem falta políticos francos e corajosos. Que pensem grande e pensem alto. Dos quais se possa duvidar mas a quem se respeitem sempre o rasgo e a coerência. Faz-nos falta porque nos fazem falta políticos com brilho nos olhos.

                            «Throughout history, people have lived in poverty and misery. They have been degraded by hunger and ignorance, they have tormented each other and been driven into war. Yet, not everything has remained the same: The difference is that we have acquired greater knowledge. The difference is, above all, that we are beginning to display a willingness to take responsibility for each other. Therefore, it is not without meaning when we react, take a stance and, to the best of our ability, try to influence human development.»

                              Biografias, Democracia, História, Olhares

                              Repressão em Atenas

                              Manolis Glezos
                              clique para ampliar

                              Está neste momento a circular pelas redes sociais uma fotografia particularmente perturbante que funciona como eloquente sinal do Estado de guerra social total no qual se encontra a Grécia. Nessa imagem (que pode ver aqui; a que ilustra este post é diferente) observa-se a polícia a tentar manietar Manolis Glezos, de 90 anos, um antigo herói da resistência ao nazismo e um experiente político de esquerda que chegou a ser deputado europeu, sem o menor respeito pelas razões, pela idade e pelo papel na história do país do símbolo que tinham pela frente. Um péssimo exemplo da vaga de desprezo pelos direitos democráticos e sociais mais elementares que começa a varrer a Europa.

                              Adenda – As imagens foram-me transmitidas como se fossem de agora. Acabo de saber que são de 2010. No entanto, Manolis Glezos esteve nos protestos de ontem e terá sido hospitalizado.

                                Apontamentos, Democracia, História, Olhares