Arquivo de Categorias: História

Hannah

Fui ver Hannah Arendt, de Margarethe von Trotta. As expectativas eram moderadas: grande parte da crítica levantava sérias objeções ao filme, mas algumas das pessoas com quem tinha falado e que já o tinham visto haviam gostado razoavelmente, se não «muito». Além disso, Arendt é Arendt, a filósofa de vida arriscada e de personalidade forte que escapou à bota antissemita e no exílio americano não deixou de assumir posições incómodas contra o governo ou as verdades convenientes. Fui portanto de espírito aberto e pronto para tudo. No entanto, esse tudo revelou-se bastante dececionante. O argumento foca-se numa espécie de pedagogia da «banalidade do mal para principiantes», com alguns passos nos quais flutuam conceitos algo ingénuos e com situações completamente caricaturais. O próprio referencial histórico – apoiado nas imagens televisivas a preto e branco do julgamento de Eichmann em Jerusalém, que por acaso me recordo de ter visto em criança na televisão – é muito simplificado, não enfatizando com o devido destaque a descrição desse «estado normal de obediência» da larga maioria dos alemães ao domínio nazi que, ele sim, poderia fundamentar com maior clareza a consideração do mal como parte da vida de todos os dias, da normalidade, «banalizando» até as suas expressões mais extremas. Salvou-se a representação excecional de Barbara Sukowa, uma Hannah forte e assertiva, mas ao mesmo tempo sensível e afetiva, como o era a verdadeira. E ficou-me no ar o aroma de um passado que já não participa do mundo que agora conheço: das aulas onde era possível fumar cigarro atrás de cigarro, do ruído único e familiar da máquina de escrever, das conversas argumentadas noite fora com inteligência e paixão.

    Apontamentos, Artes, Cinema, História

    O leste selvagem de Hitler

    Mais de três décadas após o suicídio de Adolf Hitler no seu bunker berlinense, uma perspetiva bastante redutora da fulgurante ascensão do nacional-socialismo alemão era ainda dominante entre os historiadores. De facto, o nazismo era visto como resultado exclusivo de uma combinação letal de maldade alucinada, protagonizada por uns quantos dirigentes e ativistas, com as circunstâncias de uma época perturbada e propensa a acreditar nas propriedades redentoras da experiência totalitária. Somente para o final do século se começou a compreender e a dar como adquirida a intervenção de outros aspetos até então relevados, como o aplauso ou o silêncio cúmplice de um grande número de alemães, ou a ingénua cegueira de muitos dos responsáveis políticos europeus da altura. Em O Império de Hitler, o britânico Mark Mazower expõe uma outra forma de entender o que aconteceu, não totalmente ignorada por outros historiadores do nazismo mas raramente considerada com o merecido destaque. (mais…)

      História, Leituras

      As diferentes vidas do comunismo

      Nos últimos vinte anos o interesse pela história do comunismo foi ampliado por dois fatores decisivos. O primeiro foi, naturalmente, a avalancha de mudanças propiciada pelas circunstâncias que levaram à Queda do Muro, instigando o interesse pelos fatores de transformação ocorridos em Estados que ao longo de décadas haviam sido olhados como subordinados a regimes imutáveis. A este fator de interesse foram adicionadas as estimulantes possibilidades de um alargamento do conhecimento trazidas pela abertura pública de arquivos até então inacessíveis e particularmente aproveitadas pelos historiadores. O segundo fator foi imposto pela presente reafirmação da desigualdade e da instabilidade do capitalismo, que tem proporcionado um regresso à crítica sistémica proposta por Marx e a uma reavaliação da justeza do valor utópico e emancipatório do ideal comunista. Recentemente vertida para o português, A Bandeira Vermelha, do historiador britânico David Priestland, relaciona-se com ambos os fatores, embora o faça de uma forma que permite diferenciá-la de outras obras de síntese sobre a história do comunismo que foram editadas nos últimos tempos. (mais…)

        Democracia, Ensaio, História, Leituras

        O fim de um tabu

        Apesar de conservar um rastro visível e constante na vida pública nacional das últimas quatro décadas, parte significativa do processo de descolonização de Angola tem permanecido em boa medida calada. As causas deste silenciamento são diversas. Há desde logo a influência da narrativa oficial, produzida pelas autoridades portuguesas em circunstâncias históricas complexas e dramáticas logo nos anos de 1974-1975, a qual foi ocasionalmente contrariada mas jamais revista. Outra causa tem a ver com o uso recorrente de relatos – geralmente impostos por setores politicamente conservadores ou emocionalmente envolvidos nos acontecimentos – mais pontuados pela nostalgia, pelo rancor ou pela incompreensão que por uma tentativa de perceber realmente aquilo que aconteceu. Além disso, o que se passou em Angola naquele período foi de certa forma empurrado para segundo plano pelos terríveis caminhos da violência ali percorridos após a independência do país. (mais…)

          História, Leituras, Memória, Olhares

          Foi bom enquanto durou

          Alma e Gustav Mahler

          As minhas primeiras biografias eram hagiografias. Retratavam invariavelmente os biografados como santos, seres incomuns, grandiosos e perfeitos, dotados de uma vontade indómita que ninguém sabia de onde vinha. Eram quase sempre histórias de vida muito simples, condensadas para leitores principiantes e escritas de forma cândida, em boa parte influenciadas pela conceção romântica de heroísmo, que destacava os biografados como modelos de bronze diante dos quais o leitor não podia ter outra atitude que não fosse a da admiração mais incondicional. Recordo sobretudo histórias de vida de compositores, como Mozart, Beethoven, Schubert, Chopin ou Mahler, desenhadas sobre o modelo de Sísifo, o humano rebelde castigado por Zeus ao qual foi imposto o dever de cumprir até à eternidade a tarefa sempre inacabada de carregar um bloco de mármore até ao topo de uma montanha. Também eles se mostravam exímios, na vida pessoal como na sua arte, a cumprir o duro destino que no entanto, contrariamente ao que acontecera com o filho de Éolo, lhes traria a imortalidade. (mais…)

            Artes, Biografias, História, Olhares

            Praga: luz e sombras

            Praga68. Sobre fotografia de Josef Koudelka

            No dia em que se completam 45 anos sobre o fim abrupto da Primavera de Praga, retomo, com ligeiros retoques, um texto publicado em 2008 no blogue Caminhos da Memória.

            Allegro vivace. Conta Mark Kurlansky que em Julho e Agosto de 1968 muitos jovens europeus, tanto do leste como do ocidente, e alguns americanos também, fizeram as malas para irem até Praga ver em que consistia esse novo tipo de liberdade que os checos associavam a um «socialismo de rosto humano». As muralhas enegrecidas da velha cidade cobriam-se então de graffiti em diversas línguas. Os exíguos sete mil quartos de hotel disponíveis estavam permanentemente ocupados. Era difícil encontrar uma mesa livre nos restaurantes e quase impossível vislumbrar um táxi que não estivesse ocupado. O New York Times escrevia no princípio de Agosto: «Para aqueles que têm menos de trinta anos, Praga parece ser o sítio onde vale a pena estar neste verão». Na rua, um ambiente inusitado de permanente ruído, alegria, companheirismo e descoberta. Nos jornais, na rádio, nas praças, nos cafés e nas sedes do próprio Partido Comunista, os debates pareciam infindáveis. Vaclav Havel contará mais tarde que o actor Jan Triska, seu amigo, avisava então, no meio do entusiasmo geral, que aquele era um verão «lindo demais para acabar bem». (mais…)

              História, Memória, Olhares

              Humor e resistência

              Conta o ator e apresentador australiano Ben Lewis que uma das fontes das quais se serviu para escrever «Foice e Martelo», um divertidíssimo livro sobre o manancial de piadas que circularam à socapa por todo o leste europeu antes da queda do Muro de Berlim (edição portuguesa da Guerra & Paz), foi «1001 Anedotas», volume da autoria do professor eslovaco Jan Kalina publicado em 1969 na cidade de Bratislava. Nele se compilavam pequenas histórias que corriam nos países do «socialismo realmente existente» satirizando os vícios dos regimes de partido único e dos seus burocratas. Vale a pena retomar a pequena história desta obra e dos efeitos que ela teve na vida do seu autor. (mais…)

                Apontamentos, Democracia, Devaneios, História, Leituras

                Sonho diurno

                Vivemos um tempo no qual o sonho é geralmente desvalorizado. Não me refiro à experiência particular da imaginação, nascida no inconsciente e intensamente vivida enquanto dormimos, que continua a povoar as longas noites nas quais procuramos descansar o corpo, mas antes a esse «sonho diurno» do qual falava o filósofo Ernst Bloch. Esse nascido da nossa capacidade parar fantasiar, para desenhar aquilo que aparentemente não é desenhável, que continua a alimentar a dinâmica das grandes utopias. Estas, sim, têm sido menosprezadas, relegadas pelos meios de comunicação de massa – hoje as mais importantes máquinas de produção e de mascaramento da realidade – para o reino das irrelevâncias que desencaminham as sociedades e lhes conferem um excesso, tido como «não rentável», de humanidade. (mais…)

                  Apontamentos, Direitos Humanos, História

                  Pedro não é Vinicius

                  Corria o ano de 1969 quando em Coimbra, em plena «primavera marcelista», subiu de tom a contestação da política educativa, dos limites impostos ao associativismo estudantil e principalmente do regime. Foi um «ano de brasa», ainda hoje lembrado por tantos dos que o viveram ou dele colheram o eco, cujo desfecho, ao contrário do que por vezes se diz e escreve, não ocorreu logo no final do ano letivo. Pelo contrário, após um breve recuo dos estudantes, os conflitos radicalizaram-se e ganharam novos cenários, não deixando de ter lugar até ao 25 de Abril. A «crise de 69» acabou, pois, em 74. Mas aquele ano foi um ano decisivo. Para acompanhar a luta estudantil, a par das reuniões de caráter mais objetivamente político, tiveram então lugar iniciativas várias, de caráter lúdico e cultural, destinadas a lançar e a projetar «estados de alma» capazes de reforçar a combatividade. (mais…)

                    Coimbra, Democracia, História, Memória

                    Cagliostro, o charlatão

                    Cagliostro

                    O falso conde Alessandro di Cagliostro (1743-95), Giuseppe Balsamo de seu verdadeiro nome, foi um distinto impostor, mágico e aventureiro. Filho de pobres, nascido e criado nas ruas de Palermo, viu-se forçado a fugir da Sicília após ser dado como culpado de uma série de pequenos crimes. Viajou então pela Grécia, Egipto, Pérsia, Arábia e Rodes, tendo aproveitado o périplo para estudar alquimia e a Cabala. Em 1768 encontrava-se em Roma onde casou com a (diz-se) bela Lorenza Feliciani, Serafina de petit nom. Cagliostro deambulava nessa época por muitas das maiores cidades europeias, vendendo elixires e afrodisíacos, praticando episodicamente como alquimista, fazendo-se passar por adivinho, medium e curandeiro. Nos anos que imediatamente antecederam a Revolução, era visita assídua nos palácios da alta aristocracia parisiense. A queda começou com o seu envolvimento ocasional na venda fraudulenta do diamante Necklace, tendo por esse motivo passado nove meses na Bastilha. Pouco tempo depois, em Roma, foi de novo preso, acusado por Serafina de ser herético, mágico, conspirador e impenitente maçon. Condenado à morte, viu a pena comutada em prisão perpétua no castelo de Sant’Angelo. Após uma tentativa de fuga, foi enviado para a fortaleza de San Leo, nos Apeninos, onde, praticamente esquecido, terminou os seus dias.

                      Apontamentos, Biografias, História

                      História a debate

                      diogorc

                      Nos últimos vinte anos teve lugar em Portugal uma nítida ampliação do conhecimento histórico, tanto ao nível do volume, da qualidade e da diversidade temática dos trabalhos académicos, quanto nos domínios da atividade editorial, da repercussão pública de determinados temas e da produção jornalística a eles associada. No entanto, tal alargamento não tem sido acompanhado por uma reflexão sistemática e convenientemente aprofundada sobre os sentidos da história como saber e sobre a dimensão do historiador como agente produtor e reprodutor de cultura. Investiga-se e escreve-se mais, sem dúvida, mas não se pensa de forma sistemática aquilo que vai sendo produzido. Existem todavia exceções e uma delas está associada à intervenção de Diogo Ramada Curto. Este Para que serve a história?, composto por vinte e quatro reflexões da sua autoria, editadas maioritariamente no diário Público, parte justamente da constatação dessa ausência. Não é por acaso que, no sentido de a contrariar, toma Marc Bloch – o pioneiro da renovação historiográfica dos Annales e o defensor do compromisso do historiador com a cidadania que os nazis assassinaram – como uma referência primordial. (mais…)

                        Ensaio, História, Leituras

                        O Holocausto e os portugueses

                        Após décadas de silenciamento ou desinteresse, os últimos anos têm conhecido o gradual desvendamento da história das relações do Estado português com a política de antissemitismo militante da Alemanha nazi e a perceção, finda a guerra, do reconhecimento público dos processos de barbárie do Holocausto. Neste livro, Irene Flunser Pimentel e Cláudia Ninhos, duas historiadoras de gerações diferentes, oferecem um contributo valioso para superar essa falha, fazendo-o através de um trabalho que integra o reconhecimento do pouco e disperso que sobre o assunto foi publicado associado a um enorme manancial de informação nova e relevante, impondo-o como de leitura obrigatória para quem estude ou pretenda conhecer melhor a evolução da política externa e da sociedade portuguesa durante a Segunda Grande Guerra. Divide-se em duas partes separadas pelos assuntos abordados e pela cronologia: uma sobre o «problema judeu» em Portugal e na Alemanha nas vésperas do conflito; a outra ocupando-se da forma como este foi vivido na Europa e em particular no nosso país, enfatizando o papel do Holocausto e os processos que aqui levaram ao seu reconhecimento público. (mais…)

                          História, Leituras, Memória

                          O impertinente de serviço

                          George Orwell

                          George Orwell conviveu toda a vida – porque a percorreu na fase mais crítica da inquietante «era dos extremos» que preencheu a parte maior do século vinte – com a hostil incompreensão sempre dirigida aos que pensam de forma pessoal, definindo um padrão de comportamento ético avesso às absolutas certezas, à ditadura das maiorias ocasionais ou à orientação mecânica dos cata-ventos. Por isso a sua ação, as suas convicções e a sua memória foram sempre, tanto durante os anos de intensa atividade como jornalista e escritor quanto (e talvez sobretudo) após a sua morte, acompanhadas de difamações e de equívocos, certas vezes de rancores completamente insanos. Embora o tenham sido também de paixões profundas por parte de quem se foi aproximando dos ideais libertários, do amor pela humanidade do mundo e do direito ao testemunho que Orwell sempre reivindicou. Mas a semente do mal foi permanecendo: os conservadores e a direita julgaram-no e julgam-no como perigoso esquerdista, enquanto a esquerda estalinista e os «idiotas úteis», subservientes do velho Kremlin, bem como os seus esparsos herdeiros contemporâneos, o consideraram um «espião», um divisionista e um snob. (mais…)

                            Apontamentos, Biografias, História

                            Lincolnmania

                            Ao mesmo tempo que a vida de Abraham Lincoln tem sido objeto de um interesse frequentemente imerso em estranhas lendas e narrativas muito diversas, o seu assassínio tem-se debatido, como parte da mitografia americana, com um sem-fim de teorias da conspiração. Talvez por isso, no recente Lincoln, filmado por Steven Spielberg e protagonizado por Daniel Day-Lewis, o episódio tenha sido omitido, dele aparecendo apenas, e mesmo no final, uma mera referência. E no entanto, se fosse intenção do realizador atribuir ao crime consumado no Teatro Ford, em Washington, um lugar central, bem mais intrincada seria a trama e a complexidade dos personagens envolvidos. O Assassínio de Lincoln, um livro que anda por aí nas livrarias, escrito como um policial mas recheado de informação fidedigna, cumpre pois o papel de catalisador de informação, não tendo sido por um acaso que durante mais de um ano ocupou o primeiro lugar da tabela de vendas do New York Times na área da não-ficção. (mais…)

                              Biografias, História, Leituras

                              Chamam um táxi à Álvaro Cunhal

                              Álvaro Cunhal

                              A partir deste sábado Lisboa passa a contar, junto da Quinta das Conchas, ao Lumiar, com uma Avenida Álvaro Cunhal. Têm-se multiplicado as palavras de aprovação ou de impugnação perante esta iniciativa, numa lógica de frágil debate e de forçada comparação que perde o sentido se observarmos a grande variedade das referências toponímicas a cidadãos que foram políticos e estiveram associados a diferentes convicções, o que é próprio de um país com história e que vive em democracia. Não atribuindo demasiada importância a este tipo de querela sobre o passado comum, concordo em absoluto com esta escolha aprovada formalmente pela Câmara lisboeta. A meu ver, ela justificaria até uma artéria ou uma praça mais central, na qual a designação e a memória do evocado se pudessem tornar mais visíveis e marcantes. Uma rua ou uma praça que percorressem regularmente muitos milhares de lisboetas e forasteiros, por onde pudesse passar a Volta a Portugal em Bicicleta, onde fosse possível marcar encontros amorosos e expressar em alta voz a vontade ou o protesto coletivo dos cidadãos. (mais…)

                                Biografias, Cidades, História, Memória

                                O Trabalhador da Noite

                                Alexandre Jacob

                                Do fundo do baú deste blogue, irei recuperar alguns dos posts da série-catálogo «Vidas Exemplares». Estamos todos a precisar de modelos.

                                Pelos finais do século XIX, Alexandre Marius Jacob (1879-1954), o autoproclamado «ilegalista pacifista», resolveu dedicar-se a tirar «aos que não produzem nada mas têm tudo» para dar «aos que produzem tudo e não possuem nada». A sua vida de assaltante, iniciada em 1894 com a formação do bando «Os Trabalhadores da Noite», destinado a espoliar os «parasitas sociais», jamais foi a do simples criminoso, pois sempre anunciou que as suas acções se voltavam contra a classe dominante e contra «o mais iníquo de todos os roubos», a propriedade individual. Uma percentagem do dinheiro roubado era destinada à causa anarquista e aos camaradas em dificuldades. «O roubo é a restituição», escreveu uma vez no jornal libertário Germinal, parodiando a conhecida frase de Proudhon que equipara a propriedade ao roubo. Com grande sentido de humor e eterno porte de cavalheiro, virá a tornar-se em 1907, para Maurice Leblanc, no modelo ficcional de Arséne Lupin, o gentleman-cambrioleur que fazia questão de troçar da polícia e dos poderosos. (mais…)

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                                  O paraíso temporário

                                  Joseph Roth

                                  Desde 1927, ano em que este livro de Joseph Roth (1894-1939) foi publicado, quatro importantes fatores modificaram profundamente a condição, a vida e o destino dos judeus do leste europeu. O primeiro foi a acentuada expansão do antissemitismo na Europa Central, com esse cortejo de sofrimento, exclusão, fuga e extermínio que culminou no Holocausto e mudou radicalmente a sua geografia física. O segundo foi a formação do Estado de Israel em 1948, consumando a definição de uma nova área de povoamento e, em consequência, a rápida reformulação das tradições e das condições de vida daqueles que ali se foram estabelecer. O terceiro fator foi o retorno das perseguições na antiga União Soviética, visível nos últimos anos de Estaline mas que não se esgotou após a sua morte e criou as condições para um novo êxodo. E o último foi a atitude expansionista e agressiva, progressivamente imperante no Estado de Israel a partir das guerras dos Seis Dias e do Yom Kipur, que alterou o modo de reconhecer os direitos históricos dos judeus. Em pouco mais de meio século, esta conjugação de fatores tornou irreconhecível o universo que o jornalista e escritor austríaco aqui procurou descrever e explicar, dispersando ou transformando para sempre aqueles que o formaram. (mais…)

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                                    As cartas de Piteira

                                    Nas evocações da resistência à ditadura e dos primeiros tempos pós-Abril raramente tem sido dado o justo destaque à vida desinquieta, à intervenção militante e à atividade intelectual de Fernando Piteira Santos (1918-1992). Todavia, ele foi uma das figuras-chave da história do país no século XX, como resistente, intérprete da vida nacional, ou, nos últimos anos de vida, influente «reserva da República». Militante contra a ditadura desde a juventude, Piteira foi membro do Comité Central do PCP entre 1941 e 1950, ano em que foi expulso a pretexto de uma falsa acusação de delação. Antifascista, oposicionista ativo, conheceu por isso os cárceres da ditadura, tendo sido preso por três vezes. Em 1961 colaborou na tentativa de assalto ao Quartel de Beja, vendo-se por esse motivo forçado a passar à clandestinidade e depois ao exílio em Argel, de onde só regressou após a queda do regime. Em 1974 foi Director-Geral da Cultura Popular e Espectáculos, criando e dirigindo depois os Centros Populares 25 de Abril. Em 1977 foi fundador da Fraternidade Operária, criada por dirigentes e militantes do PS descontentes com o rumo político tomado então pelo partido. Professor da Faculdade de Letras de Lisboa, foi ainda, entre 1975 e 1989, diretor do Diário de Lisboa. (mais…)

                                      História, Memória