Arquivo de Categorias: Cibercultura

Arendt, Aristóteles e o Hi5

Jedi Hi5

Em Homens em Tempos Sombrios, Hannah Arendt revela a sua forma de conceber a amizade. Contra Rousseau, julga-a menor sempre que entendida apenas «como um fenómeno da esfera da intimidade, em que os amigos abrem o coração uns aos outros, alheados do mundo e das suas exigências.» É essa, considera, uma forma de insulamento do indivíduo moderno, «que na sua relação em relação ao mundo só se consegue revelar verdadeiramente na privacidade e intimidade dos encontros frente a frente.» Arendt revaloriza então a philia, essa amizade entre cidadãos, que para Aristóteles era um dos requisitos fundamentais para o bem-estar da Cidade e se materializava num diálogo aberto à comunidade dos seres humanos livres. Amizade e humanidade coincidem assim na exposição pública da voz humana: «Por muito que as coisas do mundo nos afectem, por muito profundamente que nos abalem e nos estimulem, só se tornam humanas para nós quando podemos discuti-las com os nossos semelhantes.» Por isso tudo quanto não possa ser objecto de diálogo – «o verdadeiramente sublime, o verdadeiramente horrível ou o misterioso» – pode encontrar, é certo, uma voz humana através da qual se exprima, mas jamais será exactamente humano. Os gregos davam a essa humanidade que se alcança no diálogo da amizade a designação de philantropia, «amor do homem», porque se afirma na vontade de partilhar o mundo com os outros.

Esta condição encontra hoje um novo lugar nas redes sociais da Internet, que tanto abalam quem ainda prefira associar a essência da amizade apenas a uma simpatia durável, estabelecida face a face entre duas pessoas e assente em afinidades ou experiências partilhadas exclusivamente na esfera do privado. Por muito nebulosos que possam parecer alguns dos seus caminhos, por perturbantes que sejam para a vida de quem os pratica alguns dos seus processos, por efémera que seja a maioria das ligações que estabelecem, essas redes têm a virtualidade, em tempos de individualismo e de quebra de participação na vida pública, de recuperarem, de uma certa maneira, a noção política de amizade que Aristóteles enunciou e que Arendt perfilhava. E quando repetidamente recuso, por incapacidade física de resposta diante de tanta actividade, os constantes pedidos que recebo para «fazer amizade» com Fulano, Beltrano ou Cicrano no Hi5, no Facebook, no Flickr ou no My Space, sei que posso com esse gesto estar a diminuir a minha capacidade para alargar uma relação filantrópica em condições, apesar de paradoxalmente chegar pela via das máquinas, de me humanizar um pouco mais. Por isso, quando sou forçado a varrer da Inbox as mensagens contendo os tais pedidos – «I’d like to add you to my hi5 friends network. You have to confirm that we are friends, and we’ll each get to meet more people.» – faço-o sempre com um ténue e sincero sentimento de culpa.

    Atualidade, Cibercultura, Olhares

    Espionagem sem mestre

    She spy

    Ainda outra invenção da gente do Google. Acaba de ser lançada uma ferramenta que introduz automaticamente na assinatura das mensagens enviadas pelos utilizadores do Gmail a identificação da localidade a partir da qual estes as escrevem. Bem sabemos que através da referência do IP era já possível uma localização aproximada, mas esta era acessível apenas a uns quantos. Agora qualquer um/uma pode distrair-se e demonstrar através do correio electrónico que não está onde declara estar. Não mais será possível dizer por e-mail sem contar com problemas aquilo que dizia há dias, ao telemóvel, um pacato cavalheiro com o qual me cruzei numa rua de Évora: «Ó Filomena, eu agora não posso ir tratar-te disso porque estou em Huelva!»

      Cibercultura, Democracia, Etc.

      O Twitter e eu (de novo)

      Tenho recebido mensagens de algumas pessoas, que imagino motivadas pelas referências que aqui tenho deixado e por causa delas me julgam o praticante que não sou, perguntando-me para que serve o Twitter e se vale a pena entrarem no barco. Querem sobretudo que lhes diga quais são as vantagens do acessório, presumindo que não existem desvantagens e suspeitando que estão a perder alguma coisa. Tenho respondido dizendo sempre mais ou menos o mesmo: o Twitter é uma boa ferramenta para o acesso a informação rápida, curta e incisiva, em grande quantidade, mas é também um factor de ruído e um devorador de energia se lhe dermos demasiada atenção. Por isso sou um twitteriano passivo. Recebo, leio e anoto muito mais do que ofereço. E quase só ofereço aquilo que julgo poder interessar minimamente a quem me segue.

        Cibercultura, Etc.

        «Destes, gosto mesmo!»

        Queridos amigos,

        Foi lançada uma nova corrente destinada a sugerir a cada blogger nacional que mencione 15 blogues dos quais gosta muito, desafiando-se depois os «premiados» a continuarem a iniciativa passando a palavra àqueles que nomeiam. Em poucas horas, este blogue foi já citado algumas vezes, o que só honra o seu autor e, claro, confirma o bom gosto de quem o escolhe como companheiro de jornada. Agradeço muito a sua prova de confiança, embora não possa prometer amor eterno. Não vou seguir a cadeia, entre outras razões, porque se em 3 ou 4 é fácil excluir alguns, em 15 a escolha pode converter-se numa afronta aos rejeitados, e eu tenho o bom-nome, a segurança física e uma posição no mercado a salvaguardar. Mas aqui irei deixando ficar uma referência a quem premeie este blogue e eu tenha a possibilidade de detectar esse gesto da mais elementar justiça.

        «Gostam mesmo» d’A Terceira Noite e ela deles (bom, quase sempre): blogOperatório, Corta-Fitas, Delito de Opinião, Der Terrorist, Entre as Brumas da Memória, Estado Sentido, Hoje Há Conquilhas, Amanhã Não Sabemos, O Amor e Outros Desastres, Segunda Língua.

          Cibercultura, Oficina

          Dias aziagos

          Dias aziagos

          O 5 Dias é um blogue que acompanho desde a abertura, e que nas diversas fases pelas quais foi passando me habituei a seguir com atenção, mesmo quando (ou justamente quando) exibia posições das quais discordava. Todos os colaboradores escreviam muito bem, as opiniões eram diversas mas fundadas, a informação rápida mas criteriosa. Mentiras, calúnias, verborreia e embustes nunca por ali se viram, excepto quando a óbvia ironia ou a casual brincadeira o requeriam. E assim se mantiveram as coisas até há pouco tempo, quando o panorama começou a mudar rapidamente com a chegada de alguns colaboradores que, para além de fazerem baloiçar a base de apoio do português, se servem de algumas das técnicas habitualmente utilizadas por fascistas ou delinquentes. Pois de que outra forma posso compreender artigos como este (fazendo lembrar o chamado «paleio de retornado» do antigamente)? Ou a apresentação, sem qualquer identificação mas contendo uma insinuação grave, desta imagem (decalcada aliás de uma outra, essa assumidamente ficcionada, utilizada no filme de propaganda franquista Sin Novedad en el Alcazar)? Jamais abriria a boca se estes posts surgissem num blogue qualquer – que estivesse confinado, como A Terceira Noite, a umas centenas de seguidores fiéis que aguentam estoicamente a irregularidade dos registos e a ausência de comentários – mas já me parece perigoso quando este tipo de processos chegam a blogues reconhecidos por muitos como um espaço de referência. Nada tenho a ver (era o que faltava!) com o caminho pisado pelo 5 Dias, e não vou, garanto, entrar numa guerrinha de Alecrim, mas diz-me respeito a exibição pública da ética do vale-tudo para subir no Blogómetro (onde ATN estava ontem num discretíssimo 119º lugar). E apetece-me dizê-lo a quem me lê.

            Atualidade, Cibercultura, Opinião

            Do amigo americano

            Wiki

            Jimmy Walles, um dos fundadores e uma espécie de PDG da Wikipédia, acaba de lançar um apelo, perceptível de cada vez que se acede a uma das 265 versões localizadas da enciclopédia mais lida do mundo, solicitando um donativo voluntário destinado a pagar algum trabalho profissional e a melhorar a tecnologia que suporta esta ferramenta de conhecimento gratuita e aberto a todos (menos nos países que impõem um controlo rígido e alargado da informação, evidentemente). O simples facto deste apelo surgir coloca, diante de nós, a possibilidade de um dia, incapaz de fazer frente aos crescentes custos ou à concorrência de produtos análogos, eventualmente pagos mas de superior fiabilidade, este projecto magnífico poder fechar.

            É quando uma hipótese destas se afigura no horizonte que aqueles de nós que vociferamos contra o abuso da Wikipédia como fonte de informação muitas vezes pouco rigorosa, ou mesmo incorrecta, utilizada por um grande número de pessoas como sucedâneo de leituras mais consistentes, completas e razoavelmente imparciais, sentimos como seria quase impossível viver sem ela com a mesma qualidade de vida. É à Wikipédia, de facto, que tantos de nós recorremos, em momentos de pressa, no trabalho ou no lazer, para recuperar aquela informação que nos ajuda quando a memória falha ou a ignorância se mostra. Já dei por mim a usar até a versão para telemóvel, durante uma aula, para relembrar uma data, o título de um livro, o nome de uma cidade ou de um autor, que entretanto me escaparam. Deixando a informação que dou sob reserva, é verdade, mas poucas foram as vezes que precisei depois corrigi-la. Já não sei, de facto, como viveria agora, na pressa dos dias, sem esta maravilhosa engenhoca. Um sentimento que julgo partilhar, aliás, com muitos milhões de pessoas. Por isso talvez devamos ficar atentos aos embaraços de Mr. Walles, o nosso «Pai Natal», 24 sobre 24 horas, em todos os dias do ano.

              Atualidade, Cibercultura

              Olhar cubano

              Yoani Sánchez

              A entrevista dada pela bloguer cubana Yoani Sánchez, do blogue resistente Generación Y, a Patrícia Silva Alves, jornalista da revista Visão, merece um post inteiro. Mas não será por preguiça que nele me limito a citar, sem mais palavras, algumas das declarações de Yoani.

              «Em Cuba, até respirar é um acto político. O Governo, a ideologia e os líderes da revolução estão presentes em qualquer decisão: desde os quilos de arroz que se comem por mês, definidos pelo racionamento, até onde passar férias. Costumo usar uma frase de uma banda rock, muito popular em Cuba, para me definir: ‘Eu não gosto de política, mas ela gosta de mim.’»

              «Quando comecei a ler as primeiras novelas sobre a ditadura – estou a falar de obras como O Outono do Patriarca, de Gabriel García Márquez – percebi que havia muitos pontos de contacto entre as personagens e a minha vida.»

              «Dos meus 20 colegas de turma só cinco ficaram em Cuba. Os outros emigraram. Mas não penso que fossem esses os seus planos.»

              «Desde que entrei no aeroporto [após uma curta estadia na Suíça] – a maneira como te olham os militares de Havana, a maneira como te orientam para onde ir… Penso que essa impressão de controlo me marcou muito, porque vinha de um lugar onde o cidadão tem mais liberdade e, sobretudo, onde é mais respeitado.»

              «Recebo muitas manifestações de solidariedade na rua. Isso é, para mim, o termómetro principal de quantas pessoas me lêem em Cuba.»

              «Quando comecei o blogue, era um grito solitário. Era um exorcismo pessoal para expulsar muitos demónios: o demónio da apatia, da dor moral, do medo. Mas, aos poucos, esses demónios encontraram-se com os demónios dos outros. E isso fez do blogue uma praça pública onde há de tudo: gritos, insultos, discussões.»

              «Cada pessoa que lê umas linhas do meu blogue constrói mais um milímetro do meu escudo protector. Isso não quer dizer que fique impune. Mas agora combate-se Yoani Sánchez na sombra. Com outros métodos. Fazem campanhas de difamação para isolar-me; pressionam os meus familiares e amigos. Esse tipo de coisas mais subtis, mas que também se sentem. Não é preciso estar atrás das grades para uma pessoa se sentir prisioneira.»

              «A Cuba que imagino deve ter, pelo menos, um adjectivo: plural. (…) Não me imagino numa Cuba com todos os problemas resolvidos – que nunca a teremos assim – mas numa Cuba onde os cidadãos tenham a possibilidade de apontar as soluções em que acreditam.»

                Atualidade, Cibercultura, Democracia, Recortes

                O obsceno dedo médio

                O dedo médio

                De acordo com a revista Exame Informática, um tal Centro de Estudos da Toshiba considera que durante este ano terão sido vendidos em Portugal cerca de um milhão de computadores portáteis. O mesmo organismo estima que existam neste momento à roda de 2 milhões de portáteis em funcionamento nas casas e nas empresas portuguesas. Tratando-se de um país de cerca de 11 milhões de habitantes, o número é de facto impressionante, ainda que não tanto quanto o dos telemóveis, que ronda já os 15 milhões. Mas se neste caso a quantidade anunciada é perfeitamente plausível, dado o número de aparelhos inactivos ou obsoletos que permanecem registados, no que respeita aos computadores o anúncio tem a ver com uma vaga recente. A minha profissão situa-me numa área de actividade na qual a integração do computador no quotidiano das pessoas é das mais elevadas, mas ainda assim não me parece que a percentagem de infoincluídos – inserindo-se nestes aqueles que ainda usam computadores antigos, lentos e com sistemas operativos rançosos – seja sequer comparável à avançada pelo estudo da Toshiba. Por esse motivo, arrisco dizer que ela mais parece uma manobra para que o público passe a aliar à compra do portátil a mesma imagem que em tempos foi associada aos telemóveis: quem não possui um verá bastante diminuído o seu grau de prestígio e a sua capacidade de integração na sociedade de mercado, e quem puder afagar o touchpad com o obsceno dedo médio sentir-se-á um conquistador.

                  Atualidade, Cibercultura, Olhares

                  Cumplicidades

                  Diversos têm sido os blogues que têm apontado A Terceira Noite como um dos seus apeadeiros favoritos no ano que agora acaba. Como não se trata de mais uma votação sem critério visível, mas sim da expressão subjectiva do genuíno interesse de quem declara a escolha, agrada-me a empatia que ela revela.

                  Esta aproximação leva-me a discordar em pelo menos um ponto do artigo «A cultura do blogue nacional», que José Pacheco Pereira fez sair no Público e agora divulga, ligeiramente ampliado, no seu Abrupto. No todo, ele parece-me um retrato transparente – embora apenas um retrato – deste território de partilha. Parece-me excessiva, porém, a crítica da rede das cumplicidades criadas entre esses «viveiros de elogios mútuos e de complacência» que considera dominarem a blogosfera portuguesa. Não que me agrade o «amiguismo» da citação, o constante cruzamento de hiperligações e referências em circuito fechado, o fechamento a quem se situe fora da mesma área política, o elogio da semelhança e a recusa liminar da diferença. São males reais, que diminuem a independência e o próprio impacto dos numerosos blogues que os praticam. Mas um dos aspectos que me parece mais característico deste espaço de comunicação é também a capacidade que este revela para gerar empatias e aproximações, concretizáveis ou não de uma forma física – o que aqui nem sequer é essencial – e criadoras de áreas de sociabilidade tão tonificantes e legítimas quanto o são aquelas que construímos, a partir do papel, em volta do jornal ou do cronista que nos agrada e escolhemos ler.

                  É esta forma de solidariedade que me parece existir na enunciação de cumplicidades da qual A Terceira Noite tem sido objecto. E é por isso que ela me agrada. Obrigado pois pela preferência.

                    Atualidade, Cibercultura

                    Os melhores

                    Desconfio sempre de toda a iniciativa que procure dizer-me quais são «os melhores» nisto ou naquilo. Sejam eles restaurantes, vinhos, livros, perfumes, futebolistas ou mesmo… blogues. Nada tenho contra os prémios – nunca pensei devolver os poucos que ganhei – e parece-me bem que se premeiem publicamente qualidades ou capacidades. Mas referir «os melhores» sem explicar o porquê da designação parece-me uma forma de contornar o carácter relativo que comporta sempre um qualificativo dessa natureza. E a situação piora quando um suposto critério de qualidade («o melhor») é determinado por um factor essencialmente quantitativo: o maior número de votos obtidos numa votação assente em critérios vagos e subjectivos de gosto ou simpatia (para além de não imune, por vezes, a uma «chapelada» garantida por amigos, companheiros e clientes). Como dizer que só porque ganhou as últimas eleições legislativas José Sócrates é «o melhor político português». Ou porque vendeu não sei quantas centenas de milhares de exemplares de cada um dos seus livros José Rodrigues dos Santos é «o melhor escritor lusitano». Ou porque Salazar foi votado «o maior português de sempre» tenha sido de facto «o maior». Absurdo, não é?

                    Parece-me por isso de uma grande lucidez o comentário à sua própria vitória feito pelo autor do Bitaites, vencedor absoluto da interessante e repercutente iniciativa O Melhor Blog Português de 2007. Parabéns, dos sinceros, pela pedagógica honestidade. E pelo prémio também, naturalmente.

                      Atualidade, Cibercultura, Etc.

                      Pilhagens e contrafacções

                      Deparamos todos os dias na imprensa escrita com crónicas e notícias que recorrem a informações ou ideias aparecidas em primeiro lugar no universo dos blogues. Ou então são mesmo os títulos de determinados posts que são copiados no acto de denominar certas peças. Este blogue – como muitos outros – foi já premiado por diversas vezes com essa atenção. Sei bem que nem sempre uma boa ideia ou um excelente título ocorrem quando desejamos e, felizmente, a blogosfera permanece um mapa do tesouro (e também do veneno) sujeito a todo o tipo de explorações que possam substituir uma momentânea desinspiração. Aquilo que aborrece não é esse comércio mais ou menos desregrado, que até me parece saudável e ao qual já recorri, mas antes a insistência, por parte de alguns, em praticá-lo de um modo sistemático e sem se darem ao trabalho de identificarem fontes e autorias, colocando as citações que vão fazendo entre as devidas aspas. Talvez valha a pena os autores dos blogues – que nem sequer se fazem pagar pelo seu trabalho, como acontece com os nossos copistas «com orelhas equipadas com radar» – abrandarem um pouco a sua pública generosidade e começarem a apontar o dedo nas situações mais flagrantes.

                        Apontamentos, Cibercultura, Oficina

                        E-Dazibao

                        Logo a seguir aos Estados Unidos, a China é o 2º Estado do mundo com um maior número de utilizadores da Internet (90,7 milhões no final de 2006). Ao mesmo tempo que florescem blogues e BBS (os nossos velhos electronic bulletin boards), toda a rede é alvo de uma apertada vigilância política. Este sistema pode dar algumas ideias aos poderes que noutras partes do mundo pretendem limitar o acesso inteiramente livre à rede, mas, de acordo com alguns sinólogos ocidentais mais optimistas, a explosão dos acessos poderá também alimentar um rastilho capaz de estimular a mudança dentro da sociedade chinesa e do próprio regime. Um pouco como ocorreu, na antiga União Soviética, com a informação paralela proporcionada pela imprensa samizdat. Sobre este assunto pode ler-se, no Eurozine, um excelente artigo do checo Martin Hala.

                          Atualidade, Cibercultura

                          Inimigos da rede

                          Por causa das medidas tomadas pelo governo ditatorial da Birmânia no sentido de cortar as comunicações com o exterior, o suplemento Digital (do Público) desta semana incluiu um artigo sobre «Quando os governos preferem que o seu país fique offline». Particularmente elucidativa é uma caixa na qual se inventariam os processos utilizados em dez dos Estados cujos governos são colocados entre os piores inimigos do uso livre da Internet.

                          Na base desta lista negra, encontram-se o Panamá (as centrais telefónicas conseguiram ali que o governo impedisse o acesso à tecnologia VoiP utilizada pelo Skype) e os Estados Unidos (onde o Ministério da Defesa bloqueou o acesso, nos cinco milhões de computadores dos seus serviços, a sites como o YouTube, o Hi5, o Myspace, a MTV ou o Pandora, entre outros). Subindo na escala da actividade censória, surgem países islâmicos como a Arábia Saudita, o Irão, a Síria e o Egipto. Nos dois primeiros, são invocados principalmente os conteúdos «imorais» ou «inaceitáveis», ao passo que nos outros dois são as posições políticas dissidentes as principais atingidas.

                          Por último, entramos no universo do «socialismo real» supervivente, onde, para além dos conteúdos, é o próprio acesso que é severamente limitado ou totalmente impedido. A Coreia do Norte é o caso mais conhecido, pois ali só alguns altos dignitários do regime possuem acesso à rede mundial. Vem depois a China e a Bielorrússia, onde são banidos os conteúdos contendo quaisquer comentários, mesmo os estritamente privados, que possam ser desfavoráveis aos regimes vigentes. Na China, quando os acessos são estabelecidos a partir de empresas, o bloqueio pode surgir disfarçado aparecendo no ecrã uma mensagem a avisar da existência de «problemas técnicos». Para o final fica o caso de Cuba, o 2º país do mundo no qual maior número de restrições são colocadas ao uso livre da Internet e que é por vezes apontado como «modelar» no que respeita ao exercício das «verdadeiras liberdades»:

                          «Apenas dois por cento da população tem acesso à Internet. E os que têm são cuidadosamente vigiados para perceber se se embrenham em actividades «contra-revolucionárias». Não há ligações privadas à Net. Os cubanos têm de se deslocar a pontos de acesso públicos, como cibercafés, universidades ou «clubes de computadores» para poderem ver o seu e-mail. Estes locais têm software instalado que faz disparar o alarme na polícia de cada vez que palavras-chave «subversivas» são escritas. De igual modo, todos os cubanos classificados pelo Estado como dissidentes ou jornalistas independentes têm imensas dificuldades em aceder à rede.»

                          A propósito, leia-se isto.

                            Atualidade, Cibercultura, Recortes

                            Garganta Funda

                            Image Hosted by ImageShack.us

                            O WikiLeaks, «a place for journalists, truth tellers and everybody else; global defense of sources and press freedoms, circa now» é um serviço em linha tem já mais de um milhão de documentos disponíveis. Ele simplifica a experiência da denúncia, mas também da delação, tornando-as fáceis, seguras e possíveis numa escala planetária. Uma espécie de «Wikipedia para fugas de informação não-detectáveis». Conseguiu um documento que compromete alguém de quem não gosta, mas esse alguém tem muito poder? Acha que certa pessoa anda a apoderar-se de dinheiros públicos e tem provas disso, mas receia que ela descubra que foi você quem a denunciou? Conhece um político corrupto, tem informações que o podem desmascarar, mas não quer enfrentar um processo complicado que pode afectar a sua vida? Nada mais simples: mostra tudo aquilo que sabe e pode documentar no WikiLeaks e jamais alguém conseguirá saber que foi você quem deu com a língua nos dentes. Um instrumento assustador, com resultados práticos ainda imprevisíveis, que pode transformá-lo num minuto em justiceiro mascarado ou num canalha. Sem se levantar da sua secretária.

                            O suplemento Digital, do Público, traz hoje um artigo sobre o tema. O título, do qual me sirvo neste post, é «Garganta Funda já não precisa de se esconder na garagem».

                              Atualidade, Cibercultura, Opinião

                              Wikipédia – modo de usar

                              O suplemento Digital do Público divulgou um conjunto de artigos sobre o processo de construção e a forma de funcionamento da Wikipédia. Assim mesmo, com acento agudo, pois foi principalmente a versão em português da enciclopédia online que foi referida. Aspectos como a credibilidade, a originalidade ou a relevância dos contributos foram ali abordados e devem, sem dúvida, suscitar algum exame crítico. Mas prefiro falar do assunto a partir de uma outra perspectiva.

                              A experiência como professor tem-me permitido observar, a propósito do funcionamento da Wikipédia, três comportamentos que me parecem preocupantes: 1) um número crescente de alunos utiliza-a como fonte praticamente única de conhecimento em relação a determinados temas leccionados, situação que é agravada pela impreparação da maioria dos docentes para se aperceberem desta realidade; 2) são poucos os alunos que têm consciência do carácter incompleto, por vezes falacioso ou mesmo erróneo, de muitos dos artigos; 3) para piorar as coisas, a esmagadora maioria destes utilizadores serve-se apenas da versão em português, quase sempre incomparavelmente mais pobre do que as versões em inglês, em francês ou em castelhano (para referir apenas aquelas que consulto mais vezes).

                              Incentivo os alunos a utilizarem a Wikipédia. É um óptimo ponto de partida para o estudo e para a preparação de aulas ou de trabalhos, uma vez que se trata de um processo acessível, barato e que pode abrir inúmeras pistas em hipertexto a aprofundar posteriormente (os links oferecidos, por exemplo, são muitas vezes bastante mais interessantes e úteis do que o são as próprias entradas). Mas apenas como muleta, para se guiarem, ou para encontrarem referências que se cruzam com a informação que recolhem em sites mais fiáveis ou noutros suportes. E aviso sempre que, na correcção dos trabalhos ou das provas, estarei atento ao copy-paste desonesto que a curto ou a médio prazo se volta sempre contra quem dele se serve (não garantindo apanhá-los todos, naturalmente, mas isso eu não devo dizer). Tento desta forma evitar que este instrumento se transforme num factor de desastre, valorizando-o ao mesmo tempo, como ele efectivamente merece. Ignorar o assunto, ou fazer de contas que ele é irrelevante, é que me parece perigoso.

                                Atualidade, Cibercultura, Olhares

                                Palavras cruzadas (ainda os blogues)

                                1 dalmata

                                Aceito parcialmente a crítica de José Pacheco Pereira a certos malefícios do metabloguismo, particularmente aos vícios do «amiguismo». Não significa isto, porém, que seja contra a partilha de ideias e de cumplicidades entre escrevedores de blogues. Elas constroem solidariedades e ampliam a visibilidade daquilo que se publica, possibilitando uma interacção muitas vezes enriquecedora. Reconheço que também não gosto de ver livros referidos apenas porque a ou b sugere que o façamos. E depois ver o favor a ser pago à luz do dia. Como não aprecio banalidades de notáveis transformadas em memoráveis citações, enquanto textos bem escritos e de gente inteligente permanecem ignorados. Mas considerar que este tipo de situações traduz nesta altura um «significativo empobrecimento da blogosfera» – na qual ocorreram fases bem piores de maledicência e boataria que levaram até à desistência de excelentes bloggers – parece-me injusto e exagerado.

                                  Apontamentos, Atualidade, Cibercultura