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Blogues: (12) Para que servem os blogues?

Blogging

Se a Web possui uma alma ela encontra-se aqui, uma vez que pouco mais nela existe que não possa existir sob um outro formato. Tudo o restante é previsível e apenas torna mais fácil o acesso ao que poderia ser obtido de outra forma: edições electrónicas de jornais e revistas, entediantes frontdoors institucionais e empresariais, repositórios mudos de textos e imagens, catálogos de produtos rapidamente obsoletos, lojas onde tudo se compra e onde tudo se vende. Os blogues podem morrer – e vão morrer – mas com eles desaparecerá um mapa singular e uma língua irrepetível. Deles se dirá um dia que «a liberdade também passou por aqui».

[Último de um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]

    Cibercultura, Etc.

    Blogues: (11) Tarzan e a selva

    Selva de Pedra

    A blogosfera pode também ser um território selvagem, não isento de logros e de perigos. Uma floresta que apenas ecoa a complexidade da vida que a antecede e permanecerá depois dela se eclipsar para sempre. Em breve, porém, os blogues desaparecerão e serão substituídos por um qualquer outro utensílio que já se encontra algures a ser preparado. Que passará necessariamente pela simplificação e pela massificação de novíssimas e surpreendentes tecnologias. Mas nesta selva ou naquela que vier – como acontecia com Tarzan no seu mundo problemático – serão ainda os humanos, e não bestas, andróides ou forças obscuras, a controlarem os acontecimentos.

    [De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]

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      Blogues: (10) Mangas de escape

      Escape

      Uma placa giratória erguida como ponto de partida para um algures visível e invisível. Podemos escrever sobre livros e filmes, discos ou concertos. Revisitar debates ou exposições. Falar de caminhadas ao ar livre, de idas à praia, de encontros casuais, de jantares de fim-de-semana. Conhecer causas, manifestos, preocupações privadas ou que atravessam ruas e praças. Ouvir e contar segredos. Em todos esses momentos, vínculos que se criam e definem uma segunda «vida real», situada algures do lado de lá do painel de comandos utilizado pelo blogger. A cliques de distância, nos monitores que permanecem iluminados dia e noite, mais vozes, outros ouvidos, caminhos a percorrer aos quais não seria possível chegar por um outro processo. Linhas de descoberta, certas vezes de aventura. Lugares etéreos de crença e descrença. Mangas de escape.

      [De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]

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        Blogues: (9) Um território amoral

        Ódio

        Existe um «lado negro da Internet» que passa principalmente pelos blogues. Nele sobrepõe-se a voz do mais forte (aquele que sabe produzir engodos, que dispõe de tempo e de estrutura para investir na agressividade). Não se trata apenas de caminhar por subúrbios perigosos pisando ou atravessando a fronteira do delito (o terrorismo, a pornografia, o extremismo político e religioso, a economia paralela, a fraude), mas de comunicar sem um código ético perceptível. Aqui a utilização do anonimato (não do pseudónimo consistente), associada à utilização parasitária das caixas de comentários, favorece o insulto, a calúnia, a provocação, a instalação da dúvida em relação à fala do outro. Quando alimentado, este ambiente torna-se insuportável, empurrando leitores e criadores para diferentes destinos.

        [De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]

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          Blogues: (8) Lugares da memória

          Lugares da memoria

          A facilidade e a informalidade do acesso incorporam aqui um número cada vez maior de pessoas que transportam consigo uma experiência de vida e um acumular de referências capazes de se materializarem no fio da história. Tal como acontece com o testemunho oral ou com as cartas e os diários projectados no papel, são, por vezes, vestígios que contêm uma grande dose de erro, imprecisão ou subjectividade, mas nem por isso perdem necessariamente o interesse. Emergem então enquanto «lugares da memória» – territórios de materialização do passado colectivo, seguindo a expressão proposta por Pierre Nora – que servem para declarar informação, testemunhar representações, alimentar referências perdidas ou desfiguradas. Por vezes aproximam também as gerações.

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            Blogues: (7) Oficina das palavras

            Teclado e Cha

            Um dos reparos que os puristas da língua fazem à escrita através da Internet centra-se no seu funcionamento como pólo agregador dos processos de destruição do seu próprio ideal de «pureza». A simplificação, a rapidez e a mistura de registos serão factores decisivos de contaminação. Mas se este risco existe – e fica por discutir se ele é necessariamente negativo – também é verdade que uma boa parte daquilo que de melhor e de mais original se tem escrito nos últimos tempos tem, pelo menos em Portugal, começado por aqui, só depois migrando para outros suportes. Incluindo-se nestas contas a prática de muitos jovens bloggers, capazes de treinar aqui a agilidade da escrita e a capacidade para pensarem de forma autónoma. Há poucos anos, por falta de meios e de um estímulo, a maioria deles jamais escreveria com regularidade. Reescrever, rasurar, remeter, são práticas partilhadas que podem aqui apurar a forma, a clareza, a fala.

            [De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]

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              Blogues: (6) Praça pública

              Speaker's Corner

              Espaços de todas as dimensões procuram leitores, abrindo-se aos comentários, conversando entre si. Os debates decorrem livremente, condicionados apenas pelo grau de informação e de cultura dos autores, pelo estilo de cada um, pela sua capacidade para ouvir e para seduzir por intermédio da escrita e da imagem. Apesar da ausência de um suporte físico estável e localizado, a expressão de opiniões afirma-se de um modo plural e, muitas das vezes, com um grande número de pormenores dada a (quase) inexistência de limites formais aquilo de que se fala e à forma como se fala. Muitas das mais substantivas polémicas públicas têm passado por aqui. Ou confluem naquilo que por aqui acontece.

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                Blogues: (5) Espalhem a notícia

                Jornal que voa

                As novidades correm depressa. Circulam informações que os jornais ou as estações de televisão omitem ou ignoram. Esclarece-se aquilo que permanece obscuro. Divulgam-se acontecimentos, frases, projectos, descobertas. Ao mesmo tempo, os meios convencionais recorrem às notícias veiculadas pelos blogues, ao seu estilo, às suas preocupações, o que não deixa de ser um sintoma. O hipertexto, como ferramenta de bricolage, perfura então o espaço hiper, colocando a notícia numa linha infinita. Pela mesma via, porém, também o erro circula, dissimulado, sob a forma de fraude ou de boato. Mas tal como nasce, assim se dissolve, mediado pelas vozes que o questionam e depuram.

                [De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]

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                  Blogues: (4) Dating

                  Dating

                  O tímido revela-se expansivo, o solitário sociável, o misógino conquistador: como em todos os processos de sedução, também aqui a metamorfose acontece. Na blogosfera fazem-se amigos e conhecem-se pessoas, flerta-se, namora-se, engata-se. Imaginam-se aproximações a homens belos e magníficos, a belíssimas e magníficas mulheres, todos eles aparentemente perfeitos, aparentemente próximos. Tão sensíveis e tão logo ali. Combinam-se encontros em pracetas ou em bares obscuros. Alguns falham, outros permanecem. E a vida de cada um segue o seu caminho. Ou não.

                  [De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]

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                    Blogues: (3) Quarto dos brinquedos

                    Brincar

                    Convivendo todos os dias com a elasticidade dos novos processos da comunicação, muitos dos utilizadores dos blogues desinibem-se e começam a escrever pelo prazer de falar, sem hesitações, por vezes de uma forma quase automática. Ultrapassam os processos morosos da reflexão e da escrita da era pré-Internet, que trocam por respostas rápidas, concebidas como um jogo, transformadas em jogo: a permuta de frases inesperadas, o alarde das pequenas descobertas, a provocação, o ruído repentista, as private jokes, instalam-se como um hábito, como uma linguagem.

                    [De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]

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                      Blogues: (2) Café

                      Café

                      Qualquer blogue pode ser um lugar de encontro. Recanto de café no qual um grupo de amigos, mais alguns convidados, mais uns quantos desconhecidos, se sentam (ou dele se retiram) sem pedir autorização. Juntos trocam ideias, contam algumas piadas, zangam-se um pouco, partilham as novidades, combinam almoços, idas a um concerto, ao futebol, a uma manifestação. Não jogam partidas de sueca, uma vez que o verdadeiro blogger não pode «perder tempo», pois vive em estado de permanente frenesim. Bebem, fumam, escutam, proclamam, sob/sobre os códigos de uma sociabilidade que simula uma outra.

                      [De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra.]

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                        Blogues: (1) O eremita

                        Blogging_1

                        No princípio o blogger é um solitário. Escreve num registo antigo, vizinho dos velhos diários íntimos, mas destinado a ficar aberto sobre a mesa, a ser visto, a deixar-se devassar. Esta característica assegura a preservação daquele que permanece o tom dominante num grande número de blogues. Uma escrita confessional, pautada sempre pelos códigos do grupo, mais ou menos disseminado, mais ou menos irregular, visível ou invisível, ao qual o seu autor acredita dirigir-se. O blogger é, sob esta perspectiva, um eremita. Habita um ermo, mas com vista para a cidade e visto pela cidade.

                        [Este é o primeiro de uma dúzia de «postas» que utilizei, de forma aleatória, durante uma conversa pública sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra. Surgem aqui com algumas (pequenas e pontuais) alterações.]

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                          Anónimos & Companhia

                          A forma, áspera e directa como é seu timbre, utilizada por Miguel Sousa Tavares para se referir ao universo dos blogues, é recorrente. Sousa Tavares – que há não muitos anos se declarou, na revista Grande Reportagem da qual era director, contra o uso dos computadores – está no seu direito de recusar, ou mesmo de desprezar, uma qualquer forma de comunicação. Esta ou outra. Todos nós conhecemos pessoas que também não gostam de ler jornais, ou que, confrontadas com o voice mail, adiam assuntos urgentes porque «se recusam a falar para máquinas», não sendo por causa disso que lhes deveremos desejar mal algum. Mas já me parece absurdo que, em crónica publicada no Expresso, o jornalista ataque os blogues, todos os blogues, para apontar o dedo ao mau jornalismo – aquele acrítico em relação às fontes, correndo atrás do boato mais abjecto – ignorando ao mesmo tempo que eles definem um dos meios de comunicação nas quais actualmente se escreve melhor português (e o pior também, naturalmente), se afirma um discurso mais livre, e onde se tem revelado, ou treinado na escrita, um grande número de pessoas, muitas delas jornalistas ou colaboradores habituais dos jornais.

                          Miguel Sousa Tavares tem entretanto razão na indignação que mostra por ter sido alvo, em blogue anónimo, de uma acusação de plágio. Acusação que, ainda que pudesse (ou possa) ser fundamentada, perde toda a credibilidade por ter sido feita de cara encoberta. O uso do anonimato – não do pseudónimo que, se consistente, pode até ser algo de substancialmente positivo – é um fenómeno antigo. Como o são os autores das cartas por debaixo da porta, dos bilhetes compostos com letras recortadas, dos graffitti em casas de banho públicas ou dos telefonemas com a voz distorcida. Eles podem sempre dizer aquilo que entenderem e na forma que lhes apetecer: ofender, caluniar, ameaçar, inventar, pôr na boca de A o que A jamais disse, dizer que «C disse a B que A». E sem possibilidade de contraditório, uma vez que pessoa alguma, com vergonha na cara e no seu perfeito juízo, aceita participar num jogo viciado com oponentes invisíveis.

                          Eis, pois, um assunto sobre o qual vale a pena reflectir e que merecerá, crescentemente, algumas precauções e iniciativas – incluindo no que se refere à actividade dos fornecedores de serviços em linha – no campo da segurança dos dados e da responsabilização de quem comunica. Como ando nisto há para aí uma dúzia de anos, participei em dezenas de projectos online destinados a defender a liberdade de expressão, escrevo habitualmente também em blogues e continuo a assinar tudo aquilo que escrevo com o meu verdadeiro nome, creio que posso dizê-lo sem que me confundam com um partidário da censura.

                          Leia-se também aquilo que sobre o mesmo assunto escreveu o Rui Ângelo Araújo [31.10.2006]

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