Arquivo de Categorias: Atualidade

Armadilhas da memória, tecnologia e liberdade

De vez em quando, escutamos conversas, ou lemos textos, onde encontramos lamentos sobre a «falta de liberdade» determinada pela parafernália eletrónica, ao nível das tecnologias da comunicação e das suas aplicações, que chegou para ficar e se apoderou das nossas vidas. Se é verdade que a quantidade crescente de dispositivos, bem como as diferentes práticas de interação que estes permitem, pode determinar graus de dependência e implica um uso do tempo que vamos retirar a outras atividades – como ler em papel ou ir ao cinema e ao teatro, ou como passear, conviver e trabalhar – também o é que ampliam, muitas vezes bastante, as escolhas, o conhecimento e a interação. 

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    Atualidade, Cibercultura, Democracia, Olhares

    O meu voto nestas europeias

    Como tem acontecido a cada momento eleitoral, sirvo-me das redes sociais para partilhar o sentido do meu voto e explicar brevemente o porquê. Por muito que tenhamos queixas, algumas mais que justificadas, sobre o funcionamento do sistema político, reconhecendo muitas das suas falhas, o voto não deixa de ser uma forma de, em escala pessoal com um impacto coletivo, ajudar a encontrar soluções para a vida e os problemas que partilhamos. Além disso, sendo o instrumento fundamental da democracia, serve também para honrar o esforço dos que por ela um dia se bateram, tantas vezes com elevados riscos e pagando por isso. Esta importância do voto não o é menos nas eleições europeias, relativas à escolha de um Parlamento onde cada vez mais se define o futuro do continente e de quem o habita há mais ou menos tempo. Nas atuais, a ter lugar em Portugal e em toda a União Europeia, esta importância é acrescida devido ao possível crescimento da extrema-direita populista, aplicada a virar povos contra povos em nome do ódio, da desigualdade e do egoísmo.

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      Atualidade, Democracia, Opinião

      Porque não podem passar nas Eleições Europeias

      A exclamação «Não Passarão!» remonta à Batalha de Verdun, ocorrida em 1916, pronunciada então pelo general francês Robert Nivelle. Mais tarde, durante a Guerra Civil Espanhola, foi usada entre 1936 e 1939, durante a defesa de Madrid, pela dirigente comunista Dolores Ibárruri, «La Pasionaria», inspirada num cartaz republicano de Ramón Puyol. Destinava-se a mobilizar a resistência contra a insurreição militar que procurava derrubar a República, da qual viriam a resultar, após mais de meio milhão de mortos e o triplo de feridos e prisioneiros, a vitória do franquismo e quatro décadas de feroz ditadura. A partir dessa altura, o lema passou a exprimir por toda a parte e em todas as línguas a determinação de resistir aos fascismos e a quem deles partilhe metas e métodos.

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        Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião

        A Palestina, Israel e a paz como causa comum

        Existe um alarme global associado aos últimos desenvolvimentos do conflito palestiniano-israelita e às suas ondas de choque. Longe da inquietação ou da indignação sentida pelos que, sobretudo na Europa ou nos Estados Unidos, no conforto das suas vidas, dele colhem apenas o eco, os povos da região, muitos israelitas, mas em particular a população civil de Gaza, têm vivido de forma dramática esta nova fase de violência generalizada. Começou a 7 de outubro de 2023 com o ataque infame do movimento islamita Hamas sobre populações civis de Israel, prosseguindo com as brutais represálias do governo de Benjamin Netanyahu, lançadas em escala absolutamente desproporcionada e destinadas a reduzir ainda mais as áreas sob controlo palestiniano.

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          O 25 de Abril e a (falta de) cultura

          «Maioria diz que democracia é “preferível”, mas 47% apoiariam “um líder forte” sem eleições». O título encima no Público uma notícia destacada sobre um significativo estudo do ISCSP de que o jornal foi parceiro. Conhecendo razoavelmente o meu país e estes cinquenta anos de história, não tenho dúvida alguma em afirmar que uma das razões desta tendência – não a única, é claro, mas uma das principais – se funda na ignorância do passado e na falta de densidade cultural da maioria dos cidadãos, com a qual o regime democrático e a generalidade dos partidos, aceitando nivelar a instrução básica por baixo e fazendo da área da cultura sobretudo um bibelô, sempre contemporizou. [originalmente no Facebook]

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            Não banalizar o fascismo

            É de todo contraproducente, além de um erro histórico gritante, apelidar de fascismo o que não é fascismo, apenas porque o objeto assim apelidado corresponde a escolhas e atitudes que articulam com posições de natureza conservadora ou assumidamente de direita. A extrema-direita atual, tirando curtas franjas completamente retrógradas e que ainda sentem nostalgia pelos regimes fascistas do século passado, não é formalmente fascista: é antes populista e xenófoba, mas também neoliberal e defensora das possibilidades que a democracia lhe oferece. Chamá-la de «fascista» é anacrónico e instala a confusão, desarmando os cidadãos perante as suas iniciativas, de uma natureza bem diversa da dos fascistas do século passado.

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              Apontamentos, Atualidade, Olhares

              Um «fim de ciclo» de Abril?

              As últimas legislativas e a mudança de orientação política da governação coincidiram com o cinquentenário da Revolução de Abril, proporcionando, a par de uma maioria de sínteses, evocações e interpretações globalmente positivas, um conjunto de leituras e afirmações de sinal contrário. Este não emerge como fruto do acaso. Refiro-me ao surgimento, nos setores partidários de direita e de extrema-direita, em parte significativa do universo do comentário político público e mesmo junto de bom número de eleitores, de posições que qualificam este momento do nosso trajeto coletivo como «fim de ciclo». Alguns, mais afoitos ou embalados por um clima de impunidade sobre quem se declara contra a democracia, têm falado até de «enterrar o 25 de Abril».

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                Afinal, andávamos bastante enganados

                No final do século passado, quando da emergência na Europa e nas Américas da atual vaga da extrema-direita populista, mantinha-se em Portugal, entre quem observava a paisagem política sob uma perspetiva democrática, a convicção de que ela jamais cá chegaria. Em diferentes quadrantes, no campo plural da esquerda, mas também entre setores moderados do centro-direita, cultivou-se a ideia de que a memória da ditadura, a inclusão na União Europeia e as conquistas de Abril e da democracia – capazes de erguer um país muito mais livre, próspero, pacífico e justo do que aquele desaparecido em 1974 – seriam o bastante para desviar para bem longe aquela negra nuvem. 

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                  A esquerda e o medo da controvérsia

                  Chama-se controvérsia a toda a discussão sobre um tema ou uma opinião na qual são debatidos argumentos contrários, geralmente de uma forma acalorada e em tom de polémica. Ainda que ocorrida em tom amigável, assume quem a alimenta a existência de discordâncias importantes com a pessoa ou pessoas com quem a trava. Contém importantes vantagens, uma vez que permite exprimir diferentes modos de pensamento ou escolhas diversas, ajudando a alimentar a vida comum e, muito especialmente, a democracia, que sem ela tende a viver na estagnação e na incapacidade para lidar com a rápida transformação do mundo e fluidez da vida coletiva.

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                    Longe da vista, longe da cabeça

                    No século XIX um conjunto de teóricos urbanistas defendeu, diante do crescimento das cidades e da sua população marginalizada e politicamente instável, a necessidade de afastar as «classes pobres» para as periferias das cidades. Assim, pensavam, se reduziria o perigo que representavam para os poderosos, e os centros urbanos seriam mantidos mais bonitos, mais limpos e mais tranquilos. Na Paris dos meados desse século foi particularmente importante a atividade do perfeito Barão Haussman, o «artista demolidor». O projeto de renovação da cidade que levou a cabo teve como objetivo, além de tornar a cidade de certo modo mais bela e imponente, pôr termo às constantes revoltas populares e barricadas. Ao mesmo tempo, serviu para expulsar os antigos moradores das ruelas centrais e aqueles que, havia pouco tempo, ali tinham afluído vindos das áreas rurais. Para a burguesia parisiense, em breve essa população se tornou uma realidade quase inexistente, confinada a escassas e necessárias atividades importantes para o aprovisionamento da capital.

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                      O que pode fazer-se?

                      Todas as pessoas de formação progressista, e também, não tenho qualquer dúvida, um bom número das que são estruturalmente conservadoras ou mesmo de direita, embora de formação democrática, estão em choque com a semi-vitória do Chega nas eleições do passado domingo. Ainda que ela fosse esperada, existia sempre um esperança de as sucessivas sondagens estarem enganadas, mas se o estavam foi porque pecaram por defeito. A verdade é esta, bem crua: em cada mil eleitores, 180 votaram num partido sem um programa claro, para além de um cúmulo de ódio de natureza racista, xenófoba, contra a igualdade de género, homofóbica, e igualmente passadista, antieuropeia e apostada no desmantelamento do Estado social, seja no campo da saúde, da educação, da segurança social ou da cultura. A meta é, destruir a democracia, trocando-a por um populismo desvairado de extrema-direita, ou, como proclamava um apoiante mais sincero desse partido, «acabar com o 25 de Abril».

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                        Oito notas quase telegráficas sobre as legislativas

                        Antes de um texto mais extenso e minimamente fundamentado, algumas notas, contendo ideias avulsas e ainda um tanto desarrumadas, a propósito das eleições deste domingo.

                        1. O grande vencedor foram as televisões e alguma imprensa, que, em favor da direita, conseguiram condicionar o eleitorado. Justamente em condições de crescimento económico e de melhoria gradual de vida no país, ainda que com naturais problemas, disseminando uma inventada imagem de caos e de corrupção, e quase apagando a memória dos anos terríveis e que se supunham traumáticos do governo de direita de 2011-2015. Isto no ano do cinquentenário de Abril.

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                          Um dia que não é como os outros

                          Sempre me pareceu dispensável o «dia de reflexão». Refiro-me às vinte e quatro horas que, entre nós e em mais alguns países, antecedem cada jornada eleitoral, sendo durante elas proibida qualquer iniciativa julgada perturbadora do sentido do voto ao influenciar, direta ou indiretamente, o eleitor. Por este motivo, além de as campanhas partidárias terminarem quando elas se iniciam, não podem então ser transmitidas, di-lo a Comissão Nacional de Eleições, «notícias, reportagens ou entrevistas que de qualquer modo possam ser entendidas como favorecendo ou prejudicando um concorrente às eleições em detrimento ou vantagem de outro». Ainda assim, não vamos tão longe por cá quanto os argentinos, que durante dois dias suspendem até as peças de teatro e os concertos. 

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                            A minha escolha no dia 10

                            O meu voto sempre esteve, no momento da decisão, associado à pluralidade da representação da esquerda e à escolha de políticas baseadas nos valores que esta fundamentalmente partilha. A saber, para mim e para tantas outras pessoas: a defesa da democracia e da liberdade, a promoção da justiça social e de um desenvolvimento material harmonioso, a propagação do bem-estar, da saúde e da educação, o progresso da cultura, a defesa dos direitos humanos e do relacionamento pacífico entre povos. Sempre ancorados no papel imprescindível, ainda que infinitamente em construção e aperfeiçoamento, do Estado-Providência. É este, na essência, o sentido da minha escolha no momento de votar. E é também esta a razão pela qual, com o gesto, procuro contribuir para afastar a direita, a extrema e a dita «moderada», que são o contrário de tudo isso.

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                              A mentira colossal (e perigosa) de Passos

                              Por momentos, vou relevar aqui tudo aquilo que Passos Coelho simboliza para quem, de uma forma justa e informada, observou e se recorda do que foi viver em Portugal entre 2011 e 2015, após ter falhado praticamente todas as promessas que tinham feito dele primeiro-ministro. Concentro-me, apoiado nos números avançados hoje no Público pela jornalista Bárbara Reis, na colossal mentira, apresentada embora como «sensação» – um fator que, como sabemos, pode significar tudo, nada ou algo mais ou menos parecido – avançada por Passos no comício do PSD no Algarve: «Precisamos de ter um país aberto à imigração, mas cuidado, precisamos também de ter um país seguro. O Governo fez ouvidos moucos e hoje as pessoas sentem uma insegurança que é resultado da falta de investimento que se deu a essas matérias.» Isto é, procurou usar uma das ideias-chave da direita populista para mobilizar eleitores contra a esquerda, acabando, algo absolutamente indigno de um ex-governante, por ajudar a espalhar um medo não-fundamentado, assim enganando quem o ouve e (em alguns casos) ainda respeita.

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                                A expressão «tempos sombrios» é muitas vezes utilizada tendo como referência uma obra de Hannah Arendt onde esta reuniu um conjunto de ensaios biográficos sobre homens e mulheres que tiveram a coragem, através das suas vidas e da sua obra, de manter a independência de pensamento e de resistir aos fascismos em ascensão nas décadas que antecederam a Segunda Guerra Mundial. Tendo em conta o longo período de luminoso otimismo que na maior parte da Europa e das Américas se manteve entre o pós-guerra e os anos 80, marcado pelo crescimento económico, pela ascensão da classe média, pela evolução da democracia representativa e dos ideais de igualdade, pela expansão do Estado-Providência e pela valorização da emancipação, da liberdade e da diferença, usar hoje a expressão pode parecer estranho.

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                                  Muitos estudos fiáveis apontam para que uma maioria dos jovens com direito de voto tendam a confiar na direita ou mesmo na extrema-direita. Isto não significa que um grande número de pessoas com menos de 25 anos não tenha uma posição diferente ou mesmo adversa a essa; felizmente, elas existem, mas ainda assim a tendência é inegável. Ela é, aliás, transversal à generalidade dos Estados europeus e americanos. Ainda que de forma breve e exploratória, é possível vislumbrar um conjunto de fatores que, isoladamente ou combinados, tendem a produzir esse efeito. Correndo o risco de ser muito incompleto, ou mesmo de falhar alguns muito importantes, aponto aqui para seis, avançados sem qualquer ordem de importância.

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                                    O problema de Santos e a arma de Ventura

                                    A análise política não se faz com desejos, mas com capacidade crítica e um permanente mergulho na realidade. Por muito que gostasse de o fazer, não considero, ao contrário do que alguns amigos e amigas estão a declarar enfaticamente, que Pedro Nuno Santos tenha ganho por muito – e menos ainda que tenha «esmagado» – o seu embate com André Ventura no ecrã da TVI/CNN. Não falamos aqui de razões ou de justeza, campos onde PNS está milhas à frente do seu opositor, mas de captação de emoções e passagem de mensagens curtas e rápidas, domínios em que Ventura, como todos os líderes populistas, é naturalmente mestre.

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