Arquivo de Categorias: Atualidade

A Ucrânia e os «comentadeiros»

Impressiona a forma como tão grande número de pessoas – nas redes sociais, onde tantas vezes se comenta de forma bastante light, ou com base na simples intuição e no «ouvir dizer», mas também, e aqui menos compreensivelmente, nos jornais e na televisão – dá a invasão da Ucrânia pela Rússia, e o avanço desta até Kiev, como dados praticamente adquiridos. Fala-se da paz e da guerra, para mais aqui mesmo ao lado, com uma ligeireza, uma falta de sentido estratégico e um desconhecimento da realidade no terreno e da história da região, verdadeiramente chocantes.

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    Atualidade, Democracia, Opinião

    Os amigos de Putin

    O dramático conflito que tem vindo a opor a Rússia e a Ucrânia, e que nas últimas semanas tem sido ampliado a uma escala que tem feito com que possam escutar-se bem os tambores da guerra, está, por cá, a ser objeto de escolhas bastante eloquentes por parte do PCP e de uns quantos cidadãos opinantes que este partido de algum modo influencia ou que com ele coincidem. A opção aqui é bastante clara e inequívoca: para eles, a Rússia agressora representa de facto o Bem, enquanto a Ucrânia agredida é uma clara expressão do Mal. Esta escolha deriva de pressupostos expressos e de outros que, não sendo pronunciados, são perceptíveis por quem não esteja totalmente distraído. 

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      «Cancel culture» em tempos sombrios

      Como se sabe, a «cancel culture» (ou «cultura do cancelamento») é uma forma de ostracismo em que uma pessoa é expulsa de uma posição de influência ou fama devido a atitudes consideradas questionáveis – tenham elas ocorrido online ou no mundo real – por parte de quem desenvolve essa operação. Conduz ao boicote dessa pessoa, geralmente alguém prestigiado, de bom nome, que no presente ou no passado, incluindo-se aqui mesmo um passado bastante distante, adotou e compartilhou uma opinião controversa ou teve um comportamento no atual momento considerado errado ou ofensivo. Esta pessoa é então «cancelada», apagada, ignorada ou boicotada por antigos amigos e seguidores, transformados agora em adversários jurados, provocando um grave prejuízo na sua vida pessoal e pública.

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        A síndrome da avestruz

        As avestruzes a enfiarem a cabeça num buraco cavado na areia quando se sentem ameaçadas não passa de uma lenda. Na realidade, isso jamais acontece. Mas como metáfora a lenda tem feito o seu caminho, aplicando-se às pessoas que, confrontadas com uma situação incómoda ou inesperada, para a qual não encontram resposta que as deixe satisfeitas, ou que outros associam a uma solução contrária às suas certezas, contornam o tema e evitam falar dele, agindo, num processo de negação, como se não tivesse ocorrido. Ou então como se não tivesse a importância e o sentido que outros, que nem aceitam ouvir, lhe atribuem, embora possam, em alguns momentos, reconhecer que talvez eles tenham uma pontinha de razão.

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          Uma imprescindível «esquerda à esquerda»

          No que respeita ao essencial dos resultados das eleições do dia 30 de janeiro, não há volta a dar. Para além da inequívoca e confortável maioria absoluta que António Costa e o PS obtiveram, libertando-os para afirmarem o seu projeto próprio, mas também para os perigos de uma governação autocentrada e sem grandes concessões políticas, e da grande e rápida subida de uma direita à direita do próprio CDS, associada à difusão sistemática do ódio social e do racismo, ou ao recuo do Estado-Providência e ao regresso a um capitalismo selvagem inspirado no mundo brutalmente desigual do século XIX, eles representaram uma inegável derrota do Bloco de Esquerda e do PCP. Esta ocorreu numa escala que nem os mais pessimistas ou clarividentes, apesar dos sinais das sondagens, foram capazes de prever. 

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            Uma esquerda indispensável

            Não há volta a dar: os resultados das eleições do dia 30 significaram uma derrota, com uma dimensão que nem os mais pessimistas ou clarividentes conseguiram antever, do PCP e do Bloco de Esquerda, os dois maiores partidos situados à esquerda do PS. Pior, todavia, que essa derrota, já expetável para quem não vivesse cego pelas suas certezas, são sobretudo dois fatores. Em primeiro lugar a sua dimensão, que imporá uma menor capacidade de influência política institucional, agora transferida para o espaço da rua. Em segundo a aparente resistência, da parte das direções de ambos os partidos, a desenvolverem um processo de crítica e de autocrítica capaz de impor um reconhecimento dos erros táticos e estratégicos, sem empurrarem para os ombros dos outros responsabilidades que são próprias.

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              No dia seguinte

              As eleições legislativas deste domingo deixaram o país político numa situação inteiramente nova, diante da qual as armas da análise crítica precisam de afinação. Por este motivo, e também porque importa deixar assentar alguma poeira, limito-me, para já, a curtas notas sobre aspetos que me parecem particularmente significativos e evidentes. Adiante conto escrever de forma mais completa e prospetiva. 

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                A cultura na campanha eleitoral

                No Público de hoje, o coreógrafo e bailarino Rui Horta assina um texto de opinião significativamente intitulado «Campanha Eleitoral: 10 – Cultura: 0». Apesar de nele dar, com naturalidade, maior ênfase à sua área de interesse e trabalho, não deixa de colocar o tema numa perspetiva geral, mostrando até que ponto são escassas e ocupam um lugar claramente secundário as propostas eleitorais neste domínio.

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                  O voto, o nosso voto e o meu voto

                  1. Em democracia, não votar é deixar para os outros decisões sobre um destino que é de todos. Quando modelos opostos de sociedade se confrontam nas urnas, mais necessário é assumir esse momento de escolha. Circunstâncias várias – ponderar culpas não é o importante neste momento – transformaram as atuais eleições num combate desta natureza. Não pode, por isso, manifestar-se indiferença perante a alternativa que está em cima da mesa: ou manter em aberto uma governação essencialmente progressista, moderna, solidária e voltada para os direitos da cidadania; ou regressar ao sombrio passado fechado em 2015, sabendo-se que, para conseguir governar, a direita terá de incluir correntes defensoras do recuo do Estado-providência, da prioridade da iniciativa privada, da desigualdade e do ódio social.

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                    O problema do voto de protesto

                    Tem-se falado muito do papel do voto útil, mas não do desempenhado pelo voto de protesto. O tema foi de certo modo trazido hoje para o debate por um artigo de opinião da autoria de Boaventura de Sousa Santos saído no Público («A esquerda é burra?»). Nele se coloca a possibilidade de, no dia 30, poder existir alguma transferência de voto do PCP, e sobretudo do BE, para a extrema-direita. Foi o suficiente para um grande número de pessoas se erguer em protesto contra uma possibilidade que lhe parece impossível, passe o pleonasmo. Infelizmente, se olharmos com atenção para a realidade, veremos que assim não é.

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                      Uma agenda plural de esquerda

                      Este artigo sobre as legislativas foi começado há semanas, ainda sob o efeito de choque da reprovação do Orçamento. Levou, entretanto, algumas voltas, embora as ideias que contém sejam sensivelmente as mesmas da primeira versão, compensando apenas a surpresa e a perturbação daquele momento com uma maior intervenção da razão. Reflete a posição de um cidadão sem partido, politicamente empenhado e alinhado à esquerda – afirmar a antinomia esquerda-direita como ultrapassada, como volta agora a escutar-se, é sempre uma posição de direita – que procura refletir sobre esta nova encruzilhada em que se encontra a nossa democracia.

                      Não devemos esquecer o que passámos nos últimos dez anos. Em 2011, quando a direita neoliberal tomou conta do governo e impôs quatro anos de depauperamento, perda de direitos e depressão coletiva, foi possível compreender o que poderia representar romper o cordão umbilical com os avanços sociais conquistados a partir da Revolução de Abril. No contexto da crise financeira e de uma aceitação total dos ditames da troika, o governo PSD/CDS deixou então os mais desfavorecidos e a classe média entregues ao seu destino e à incerteza. Um tempo felizmente fechado quando, com as eleições de 2015, um governo do PS sustentado numa maioria parlamentar plural de esquerda foi capaz de reverter essa tendência, inaugurando um tempo de reposição de direitos e de progresso. 

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                        O mural-dazibao

                        O dazibao era o cartaz escrito à mão em grandes caracteres usado na China, durante a «Grande Revolução Cultural Proletária», para denunciar como contrarrevolucionários todos aqueles que não seguissem os ditames do comité local dos «guardas vermelhos» ou as diretrizes erráticas do pequeno grupo que então tinha tomado conta do Partido Comunista. Nele não se falava do futuro, do progresso, das necessidades das pessoas ou da beleza do socialismo, apenas se destilava ódio, se atacavam homens e mulheres – muitos/as deles revolucionários de longa data – ou se humilhava quem ousasse discordar da inapelável «linha vermelha». 

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                          O culto da aparência e o recuo do essencial

                          Precisei certa vez de avaliar um trabalho de doutoramento sobre Miguel de Unamuno, o ensaísta, filósofo e professor, natural de Bilbau, que no ano de 1936, dois meses antes de morrer em prisão domiciliária, enfrentou em sessão solene na Universidade de Salamanca, da qual era então reitor, o general franquista Millan-Astray e uma turba de falangistas que gritava «Viva la muerte!». O trabalho tinha qualidade, mas apresentava na capa uma fotografia, supostamente de Unamuno, que era na realidade de José Ortega y Gasset, o filósofo madrileno que viveu parte do exílio em Portugal. Como me competia, chamei a atenção para o que julgava ser um lapso, mas a autora não só manteve a escolha como veio posteriormente a publicar o estudo repetindo o erro.

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                            Razão ao Livre

                            Talvez isto possa parecer, ou ser mesmo, um tanto pretensioso, mas existirá por aí quem me conheça um pouco e lhe reconheça algo de verdadeiro. Jamais pauto posições públicas que possa exprimir apenas por critérios de amizade, de proximidade ou de conformidade a uma norma ou a um programa, seja com pessoas ou com entidades coletivas, incluindo-se nestas instituições, partidos, movimentos e causas. Se considero certa e necessária uma escolha ou uma campanha, e a minha palavra não for contraproducente para elas, digo o que penso sem qualquer problema. Se for injusta e for preciso contrariá-la, a mesma coisa.

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                              Essa escolha política chamada governar

                              Em democracia, a forma desejável de governar a coisa pública será através de entendimentos partidários. Sejam de natureza governativa ou apenas parlamentar, estes devem ser estabelecidos, da forma o mais ampla possível, entre forças que, conservando a sua indispensável diferença identitária, se esforcem por conciliar e partilhar propostas e objetivos, tomados como urgentes e essenciais para gerir um destino social comum.

                              Esta escolha permite reunir três condições essenciais para a gestão das sociedades democráticas: em primeiro lugar, equilibra expetativas e interesses diversos, associando-lhes uma base política de apoio e de aplicação mais dilatada; em segundo, promove um estado de apaziguamento social, reduzindo o conflito político extremado e tornando a vida menos inquietante e imprevisível; em terceiro, reduz a hipótese, sempre presente em soluções de governo monopartidário ou de maioria absoluta, de uma indesejável repartição dos lugares de poder por clientelas compostas de militantes e simpatizantes.

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                                Política à esquerda e proximidades

                                Apesar de ter sido curta a militância a que posso chamar partidária – só entre os finais de 1970 e meados de 1977 – creio que me interesso militantemente por política desde os 13 anos, quando, talvez sem compreender muito bem o enredo em que me estava a meter, consegui convencer os colegas de turma do antigo 3º ano do liceu a não irem aplaudir um ministro de Salazar de visita à escola. Daí até hoje já passaram mais de cinquenta anos, e nem por um só momento – antes, durante e depois do 25 de Abril – deixei de «militar» na área da esquerda, a favor de causas que me têm parecido justas, urgentes ou eticamente necessárias. Todavia, essa militância teve sempre, nas suas diferentes fases, um traço comum: ser um espaço de aproximação aos outros, fossem estes aqueles que eram os companheiros e as companheiras do combate do momento, ou os que se inscreviam no dever de solidariedade para com os cidadãos aos quais este dizia respeito. Jamais um lugar para odiar quem, estando no essencial do mesmo lado da barricada, de mim discordasse.

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                                  O que aí vem (no lado mais à esquerda)

                                  Foi o cientista político Georges Lavau quem, em 1968, utilizou pela primeira vez a categoria de «função tribunícia» num estudo que escreveu sobre a atividade do Partido Comunista Francês naquela época, quando ensaiou uma solução governativa com o PS. Tomou-o aí como uma espécie de porta-voz das aspirações de grupos sociais situados à margem das dinâmicas do poder, contribuindo com essa proximidade para os retirar desse isolamento, integrando-os no sistema. Lavau considerou ainda que esse papel, ao colocar a relação do PCF com o poder de Estado como de uma natureza ao mesmo tempo representativa e integradora, o impedia de propor uma efetiva alternativa de governo, desviando-o também das virtualidades revolucionárias, assumidamente antissistema, que no passado detivera.

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                                    O futuro próximo e o PS

                                    Na sanha maniqueia que tragicamente é tradição de parte da esquerda – mantenho o antigo projeto de escrever um ensaio sobre a origem e o lastro histórico dessa escolha – o facto de me ter insurgido contra a opção dos partidos parlamentares à esquerda do PS na rejeição do Orçamento fez com que logo surgissem comentários referindo que tinha apelado ao voto no PS ou até à sua maioria absoluta nas próximas eleições legislativas. Só posso dizer, a quem provar que escrevi ou disse tal coisa, que oferecerei uma semana de férias nas ilhas Fiji com direito a acompanhante. O que fiz, isso sim, foi manifestar uma desapontada mágoa – partilhada por tantas pessoas de esquerda que tenho lido ou contactado –, afirmar que a decisão pode levar o PS a essa maioria, e apelar, face ao sucedido, a que se olhe agora em frente. Em primeiríssimo lugar, no sentido de manter a direita fora do poder, e depois no de construir uma governação pós-eleitoral democrática, justa e o mais progressista possível.

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