Author Archives: Rui Bebiano

Entre Franco e Almodóvar

Por Espanha

Versão de uma nota de leitura publicada na LER de Outubro

Vinte e cinco anos durou o pacto del olvido, definido sem signatários, que fez com que o franquismo e a Guerra Civil fossem empurrados para dentro dos armários. Ao contrário do que aconteceu no Chile, na África do Sul ou na Argentina, em Espanha não se fizeram inquéritos, não existiram comissões da verdade, nem se procurou organizar a reconciliação. Os mecanismos repressivos não foram denunciados nem os seus responsáveis punidos, como aconteceu, ainda que de forma diferenciada, em Portugal, na Alemanha Oriental e na República Checa. Em larga medida, foram até alguns homens que haviam sido da confiança de Francisco Franco que decidiram, projectaram e controlaram a transição para a democracia. O preço a pagar por esta «paz podre» foi um silêncio que fez com que o corte com o passado tivesse sido mais aparente que real.

Giles Tremlett é jornalista e correspondente do Guardian em Madrid, onde vive há mais de vinte anos. O objectivo que traçou para este livro ambicioso foi o de apurar até que ponto o presente de um grande número de espanhóis se encontra ainda contaminado por fantasmas e ressentimentos impressos na consciência individual e na memória colectiva. Mas também o de constatar de que forma eles se têm esforçado para porem termo à amnésia generalizada, encarando-a de frente. Concebido como uma reportagem autónoma, cada capítulo avança por diferentes tempos, assuntos e problemas. Após uma importante introdução, na qual aborda o actual esforço de entendimento do passado, traduzido na aprovação da «lei da memória histórica», ocupa-se de assuntos tão diversos como as consequências da Guerra Civil e o peso da figura de Franco, a complexa trama do processo de transição para a democracia, as sequelas da explosão do turismo de massas na costa mediterrânica, a projecção cultural e social do flamenco, o papel da indústria do sexo e do mundo do futebol, o embate do terrorismo pós-11 de Março, os caminhos do feminismo em terra de machos, o impacto das ideias separatistas na Catalunha, na Galiza e no País Basco. No final, um capítulo sobre a «identidade espanhola» recorre a Pedro Almodóvar para enunciar um processo emergente de superação da velha Espanha franquista, substituída por um mundo exuberante e descomprometido que atribui escassa importância aos sinais do passado. Em todas as áreas, uma modernidade agressiva cruza as marcas do tempo, revelando uma sociedade complexa, que tanto se orgulha da sua própria história como é capaz de conviver bastante mal com o fardo que a anterior geração lhe deixou de herança. Os recentes desenvolvimentos em redor da releitura dos crimes da Guerra Civil confirmam a permanência desse clima de ambiguidade.

Giles Tremlett, Fantasmas de Espanha. Viagens pelo Presente Escondido de um País. Tradução de Maria Mendes. Alêtheia Editores, 572 p. ISBN: 978-989-622-107-2.

    Atualidade, História, Memória

    Um herói demasiado humano

    B.O.

    Cada época, cada desígnio colectivo, espera sempre pelos seus heróis, que dão um rosto a identidades, a ideias, a projectos. Ou então procura no passado heróis cuja representação os legitime. Eles são os pioneiros, os combatentes, os guias, devotados a causas que parecem transcender a sua própria humanidade. São seres extraordinários, sim, mas são também necessariamente humanos, e por isso deuses e monstros não podem ser heróis. Têm apenas algumas coisas a mais que os seus semelhantes: mais coragem, maior resistência, uma tenacidade fora do comum, talvez um sangue-frio acima da média. Mesmo quando essas qualidades não são consensualmente reconhecidas. Afinal, mesmo o anti-herói é apenas um herói deslocado no tempo, fora do lugar adequado, que age a contracorrente. Têm também qualquer coisa de sábios e de santos. E apesar de se afirmarem por vezes com alguma exuberância, são essencialmente solitários, uma vez que a sua missão singular exige um lugar à parte. Herói algum leva uma vida análoga à do comum dos mortais, misturando-se com eles, pois é o isolamento que enfatiza a sua dimensão exemplar.

    Bem sei que Demóstenes já se queixava de algo de parecido a propósito dos «homens honrados» – apesar de ter acabado por se deixar corromper por um ministro de Alexandre –, mas na época em que vivemos é raro encontrar heróis vivos. Existe até uma tendência, em parte estimulada pelo enorme poder dos média, para a banalização do heroísmo, transformando-se seres por vezes medíocres, ou com uma vida banal, em modelos a copiar. Por isso, e também porque está na nossa matriz a tendência para esperar alguém que fale por nós mas melhor que nós, que melhore o mundo como jamais o conseguiríamos fazer, que pareça infalível como nós nunca seremos, se torna tão fácil vislumbrar no primeiro vulto heróico que apareça o sinal de uma nova redenção. É aquilo que parece ocorrer com o ser aparentemente perfeito que responde pelo nome de Barack Obama. O problema é que é suposto, no combate que trava por um supremo bem, o herói jamais defraudar expectativas, e isso o próximo presidente dos Estados Unidos da América não conseguirá deixar de fazer. A primeira prova de fogo para a preservação do seu estatuto heróico acontecerá, pois, quando desfeito o sortilégio ele se tornar demasiado humano e revelar as imperfeições. O que acontecerá em breve.

      Atualidade, Olhares, Opinião

      Frases que ficam

      Esta ouvi-a há minutos, enquanto tomava o café do meio da manhã: «O português tem a mania de que as coisas que acontecem são também não sei quê.» O gatofedorentismo possui uma importante base social de apoio.

        Etc.

        Dê lá por onde der

        Foice e Martelo

        Perturbados com um acontecimento cujo sentido e complexidade escapam aos seus esquemas mentais elementares, os fiéis seguidores da esquerda mais imobilista e ortodoxa andam já a fazer o que podem para desconsiderarem, junto de quem ainda os escuta, o movimento de esperança construído em redor da vitória eleitoral de Barack Obama. Sem vislumbrarem nele ponta de valor ou de interesse. Sem perceberem os combates de décadas que o precederam e aquilo que dentro dos seus limites ele poderá trazer de novo. Olhando-o apenas como poeira mediática atirada para os olhos «da classe operária e do povo». Para tais mentes, bloqueadas perante as inesperadas reviravoltas da história, o Grande Satã precisa continuar a ser o Grande Satã. Seja como for, dê lá por onde der. Sem qualquer remissão possível. E quanto pior ele se mostrar, melhor será para «a luta» que travam cada vez mais sozinhos. De outra forma, sem capacidade para proporem um modelo de sociedade alternativo ao do capitalismo que não seja o já testado nas experiências defuntas ou moribundas do «socialismo real», contra que inimigo continuariam a avançar, em passo cadenciado, transportando os velhos símbolos da sua antiga fé?

        Adenda: Afinal havia outros?

          Atualidade, Memória, Opinião

          Do bem e do mal

          Hegemonia do bem

          Após ter lido na Visão uma declaração lamentável de José Mário Branco – músico que respeito e admiro sempre que não fala do seu programa oitocentista de regeneração da humanidade – qualificando Obama, na linha de um texto de Noam Chomsky que cita, como um mero «bandido bom», potencialmente mais perigoso do que esse «bandido mau» que não engana, chega-me às mãos um texto de Boaventura de Sousa Santos que aponta num sentido diferente, naturalmente menos simplista. Conhecendo-se as posições de BSS, nada suspeitas de simpatias para com os caminhos e as propostas da política americana mainstream, e reconhecendo-se a pertinência das dúvidas que mantém – o título do artigo define aliás uma interrogação: «A hegemonia do bem?» –, ganham particular significado as palavras das quais se serve: «Obama tem esse privilégio de oferecer ao mundo inteiro um momento glorioso de hegemonia do bem. Só por isso ficará na história.» O artigo completo pode ser lido aqui.

            Etc.

            Por um fósforo

            Republicanos

            Um órgão da justiça espanhola que responde pelo respeitável nome de Plenário da Sala do Penal da Audiência Nacional acaba de confirmar, por dez votos contra seis, a condenação de Jaume Roura e de  Enric Stern, dois jovens republicanos catalães, ao pagamento de uma multa de 2.700 euros por há cerca de um ano atrás terem queimado uma fotografia dos reis. Comentando no diário Público a notícia, um leitor escreve o seguinte: «Me surge una duda que me inquieta: acabo de quemar el libro de Pilar Urbano sobre la Reina. En él aparecen al menos 100 fotografías de Doña Sofía. Mi pregunta es: ¿seré condenado a pagar 2700 € por el pack incendiario de 100 fotos, o son 2700 por cada foto? Agradeceré una respuesta, mi futuro depende de ello.» As normas arbitrárias impostas por uma justiça deslocada do seu tempo – uma justiça que ainda não sabe lidar com uma liberdade de expressão que hoje pode comportar a crítica radical de pessoas públicas – sujeitam-se a este tipo de exposição ao ridículo.

              Apontamentos

              Obamamania

              Obama

              Ainda na ressaca da eleição de Obama, preparemo-nos agora para uma obamamania. O mote foi dado em Julho de 2008, quando do discurso de Berlim, com toda aquela enorme multidão de alemães reunida para ver, tocar, fotografar, ovacionar o candidato democrata. Com a projecção mediática que vai agora passar a ter, crescerá rapidamente o número de europeus seduzido pela sua mensagem poética que mais nenhum político utiliza, pelo discurso quase sem os clichés habituais, ritmado e no timbre certo, pela elegância nos antípodas da postura do trangalhadanças texano, pela cultura cosmopolita revelada na dose adequada, pelo sorriso franco no momento certo. A maioria das mulheres de todas as idades com quem tenho falado do tema já se encontram rendidas e referem-se a Barack como «aquele homem lindo». «Te quiero mucho», gritava-lhe em castelhano, durante o discurso de aceitação proferido em Chicago, uma descaradona hispânica. A Europa não tem um líder assim e se calhar faz-lhe falta. Um líder que não fale apenas no politiquês habitual e que seja capaz de atrair paixões. Que saiba seduzir pois toda a gente gosta de ser seduzida. Claro que isso não chega para afirmar uma mensagem e marcar um rumo, mas ajuda bastante.

                Atualidade, Olhares

                Adeus Lenine

                Adeus Lenine

                Pensei em escrever um pequeno post sobre a forma como o PCP observa o movimento de massas e o capital de esperança que envolveu a campanha e a eleição de Barack Obama. Mas cinco segundos depois concluí que não vale a pena perder tempo. Fica apenas o link para os curiosos.

                  Apontamentos

                  Um rosto menos pálido

                  B. H. Obama

                  Aconteceu. É preciso olhar para os últimos cinquenta anos da história da América para se compreender o alcance e o impacto desta eleição excepcional, realmente histórica, de alguém que se chama Barack Hussein Obama. Regressar à luta destemida e de início quase isolada de Rose Parks, à força da esperança que Martin Luther King soube levantar, à raiva inevitável e irredutível de Malcom X, e depois seguir os caminhos do longo combate dos negros americanos, culpados no seu país por serem negros e no mundo por serem americanos. Nem que fosse apenas pelo fim vitorioso desse trajecto que esta eleição agora consagra, já teria valido a pena que ela tivesse terminado como terminou. Politicamente emancipado no seu próprio país, o negro americano vira-se agora para o mundo. A América mostra-nos finalmente um rosto menos pálido e um sorriso mais franco, brilhante, de outra cor. Aguardam-se as cenas dos próximos capítulos.

                    Atualidade, História, Olhares

                    This is America

                    America

                    Preparo-me para uma noite prolongada em frente do televisor. A atracção cultural por uma América que apenas conheço dos livros, das reportagens, dos filmes e das séries de televisão não impõe uma atitude acrítica em relação ao sistema político desequilibrado que a governa. Mas também não me obriga a fazer de cego e de surdo: sim, espero ansiosamente uma vitória de Barack Obama, em nome de um mundo pelo menos um pouco menos mau e menos feio, o que já não será pouco. E emociona-me a esperança sem medida que encontro nas longas filas de pessoas comuns, de milhões de pessoas de todas as cores, que ao frio e à chuva esperam três ou quatro horas sem protestar pela sua vez de votarem. Sei que muitas delas rapidamente se desiludirão – as que votaram McCain primeiro, e depois aquelas que esperam por um Obama impossível – mas prefiro mil vezes essa expectativa, e o acto de democracia e de liberdade imperfeito que lhe dá forma, à vergonha das eleições-referendo, sem paixão e com vencedor antecipado, que sobrevivem noutros lugares bastante mais tristes e sombrios subjugados pela tirania. Esta espécie de América pode ser, e será, um exemplo.

                      Atualidade, Olhares

                      Que tropa!

                      Um responsável militar qualquer – já esqueci o nome do senhor, admito – afirmou ontem publicamente, a propósito das reivindicações salariais castrenses, que «os militares não são uns quaisquer funcionários públicos». Eu estava convencido que eram, devo confessar. Não sabia que tínhamos regressado ao tempo das guerras privadas. Ou desses mercenários de quem dizia Maquiavel não terem «outro amor nem outra razão que as mantenha em campo a não ser um pouco de soldo». Será que estas pessoas empoleiradas nos seus little tanks não perceberam que estão atrás dos bombeiros, da polícia, da protecção civil e dos nadadores-salvadores em termos de relevância social? E que deveriam tratar da vidinha dando o menos nas vistas possível, em vez de se porem em bicos de pés exigindo um tratamento especial e a preservação de privilégios?

                        Atualidade, Opinião

                        Bué de sentido de Estado

                        O líder da Juventude Socialista acusou Manuela Ferreira Leite de ter «falta de sentido de Estado» ao afirmar que a aposta nas obras públicas só reduzirá o desemprego de Cabo Verde ou da Ucrânia. Parece mais ou menos evidente, para quem tenha alguma sensibilidade para as perigosas implicações que a frase da chefe do PSD contém – no mínimo, favorecendo a xenofobia e lançando a desconfiança numa das áreas mais dinâmicas da economia de mercado que tanto o seu partido como o PS têm defendido quando se encontram no poder – que a senhora de modo algum deveria ter dito aquilo que disse. Porém, se fosse «jovem socialista», eu preferiria concentrar-me na denúncia do padrão de sensibilidade política implícito na frase de Ferreira Leite a preocupar-me assim tanto com o seu «sentido de Estado». É que frases assim, tão – como hei-de dizer? – de sensato «responsável partidário», envelhecem as pessoas. Embora admita que possam acelerar a progressão na carreira. São tão tristes e enfadonhas as nossas jotas!

                          Atualidade, Olhares

                          O epitáfio de Studs

                          Actor, radialista, argumentista (colocado na lista negra durante o mccarthismo, o que será sempre uma boa referência) e historiador, Louis «Studs» Terkel acaba de morrer em Chicago, a sua cidade de adopção, aos 96 anos. Hard Times, uma história oral da Grande Depressão publicada em 1970, continua a ser uma obra-prima do género. Working, que teve como subtítulo People Talk About What They Do All Day and How They Feel About What They Do, e The Good War, onde enuncia a Segunda Grande Guerra como um raro tempo de solidariedade entre os americanos, são dois livros igualmente importantes deste homem dos sete instrumentos. «Curiosity did not kill this cat» é o epitáfio que um dia quis ter e que declara o ritmo de uma vida preenchida.

                            Apontamentos, História

                            Golub

                            Enquanto leio Como Sobrevivemos ao Comunismo Sem Perder o Sentido de Humor, da jornalista e escritora croata Slavenka Drakulić (publicado em 1991 e agora traduzido pela Pedra da Lua), vou percebendo um pouco melhor o gradual distanciamento de milhões de antigos cidadãos «europeus de leste» em relação a uma ideologia, e sobretudo a regimes, que até se propunham falar em seu nome e agir em benefício dos seus interesses e da elevação (um dia… um dia…) do seu estilo de vida. Voltarei a este livro, que merece uma atenção mais cuidada. Para já, detenho-me na problemática do papel higiénico. Como se pode ver mais abaixo, um tema que não era de relevância menor. Deve todavia dizer-se que ele apenas se colocou a partir da década de 1960. Até aí, fora dos círculos mais ou menos próximos da nomenklatura, na generalidade dos estados do «socialismo real» o problema não se punha: o método utilizado por quase todas as pessoas era o de folhas de papel de jornal espetadas num prego.

                            Slavenka fala após a queda do anterior regime: «Eu já estava habituada ao papel Golub, que era de facto muito mais barato. Porém, sempre que o comprava, tornava-me vítima de algo a que não podia escapar: a memória, Vejo-me, em criança, sentada na sanita fria, as paredes pintadas de verde. Tenho uma folha de papel grosseiro na mão, da cozinha chega-me o cheiro (uma vez mais!) a chucrute com feijões, e estou a olhar para a ponta dos meus sapatos pretos de borrracha Borovo, enquanto um dos inquilinos do nosso apartamento comunal grita do outro lado da porta: “Despacha-te. Estás aí dentro a ler, que eu bem sei!” Memórias de pobreza e privação, de uma época em que a pobreza só não parecia terrível porque era partilhada por quase toda a gente – e considerada justa. O mais terrível, porém, era que nós nem sequer sabíamos da existência de algo melhor.»

                              Memória, Recortes

                              O juiz decide

                              Assisti ontem, no final do telejornal da SIC, a uma reportagem tristíssima e revoltante. Tratava de execuções judiciais por dívidas – não sei se é esta a designação técnica correcta, nem isso agora importa – e mostrava situações autênticas, nas quais a câmara acompanhava a entrada dos executores e da polícia na casa das pessoas que naquele preciso momento iam ser despejadas, iam ver bem arrestados, ou eram intimadas a pagarem num prazo curtíssimo as dívidas que se percebia jamais poderem resolver. Mulheres abandonadas pelos companheiros que as tinham deixado com os filhos e com os calotes, homens desempregados, deprimidos e envergonhados, pessoas idosas, doentes e marginalizadas que mal sabiam ler as notificações que tinham recebido e se viam confrontadas com a imposição sem recurso possível «das ordens do meritíssimo juiz». Um dos intervenientes descreveu mesmo uma situação na qual não existiam sequer bens para arrestar, pois a casa já não tinha móveis e a família visada dormia no chão. Bem sei, como dizia do alto do seu diploma provavelmente emoldurado um dos advogados dos credores, que aquelas pessoas «usufruíram sem se queixarem de bens que não pagaram na totalidade», mas não deixa de ser impressionante a insensibilidade da lei perante casos nos quais a pena ignora as voltas da vida de cada um e é, por vezes, claramente desproporcionada em relação à consciência que o presumível criminoso tem do dolo cometido. Não poderá existir, para estas pessoas sem saída, para casos humanos tão pungentes, outro acompanhamento que não seja aquele prestado pelos funcionários judiciais e pela polícia armados de folhas de papel timbrado e de cassetete?

                                Apontamentos, Olhares

                                Problemas de visão

                                Fiquei a saber, através de um programa de  televisão, que em Coimbra ainda existem «lindas tricanas» (para quem não sabe, lavadeiras do Mondego que outrora faziam certos e determinados serviços aos impetuosos moços estudantes com os quais socializavam). Como moro na cidade, apenas com algumas intermitências, desde 1969, e as únicas que vi eram de barro pintado ou decoravam latas de atum em azeite puro, presumo que tenha andado bastante distraído durante todos estes anos.

                                  Coimbra, Devaneios, Memória

                                  José de seu nome

                                  Partilho do aborrecimento de António Figueira diante da forma como, alguns anos após terem sido ejectados da vida, meio mundo começou, tu-cá-tu-lá, a falar de José Cardoso Pires com a maior familiaridade, tratando-o por «Zé», e a referir-se a um José Afonso que jamais conheceu como «o Zeca». Sobretudo se tivermos em consideração que o primeiro, no final da estrada, se queixava de um isolamento que tanto o desgostava, e que o segundo viveu os últimos anos marginalizado por muitos daqueles, cravo vermelho ao peito, que exorbitam agora da sua voz nos alto-falantes da propaganda. De vez em quando, para conter a falta de decoro e a manipulação dos pretéritos, é bom que alguém se sirva de um pouco de memória. E além disso, pelo menos nestes casos, o respeitinho até é uma coisa muito bonita.

                                    Apontamentos, Memória