O Segundo Século Vinte é um ciclo de debates e apresentações relacionado com temas da história recente de Portugal. A iniciativa, uma organização do Centro de Documentação 25 de Abril e do Teatro Académico de Gil Vicente, é de periodicidade bimensal e tem mais uma sessão nesta quinta-feira, dia 26 de abril, pelas 18 horas. Será em Coimbra, no TAGV. Nesta sessão, «Casas pró Povo. O Projeto SAAL antes e agora», falar-se-á da experiência e do exemplo deste projeto pioneiro de habitação social criado em Julho de 1974 e desarticulado a partir de Outubro de 1976. Participarão os arquitetos Alexandre Alves Costa e José António Bandeirinha, sendo a moderação de Natércia Coimbra. Pode ver e copiar aqui o cartaz do ciclo.
De 24 para 25
De 24 para 25 de Abril – emissão histórica em direto. Uma iniciativa do Centro de Documentação 25 de Abril e da Ideias Concertadas. Na página Facebook do CD25A, das 22 horas de 24 às 22 de 25, a Revolução dos Cravos passo a passo, relatada e documentada.
Ideologia
Outra das entradas que escrevi para o Dicionário das Crises e das Alternativas lançado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, de parceria com as Edições Almedina, a revista Visão e o Jornal de Letras. Ainda nos quiosques.
Com o «fim das ideologias» projetado nos anos 60 por Daniel Bell, resultante do facto de a «sociedade de bem-estar» haver exaurido o dinamismo e as capacidades de instigação de uma teleologia da História propostas pelo liberalismo, pelo nacionalismo e pelo socialismo, ter-se-ia desembocado numa era pós-ideológica. Desta emergiu um pensamento consensualista, expurgado das contradições, alimentando-se do realismo do possível e de um pragmatismo alheio a qualquer lógica transformadora e emancipatória. A derrocada das ideologias significa, no entanto, não o seu suposto fim mas a imposição, na condição de hegemónica, de uma ideologia incorpórea, insidiosa porque auto-ocultada, apresentada como única forma de pensamento possível, feita de unanimidades e de valores universais tomados como absolutos, associados a um imutável senso comum. Esta não-ideologia imporia uma mistificação das assimetrias e dos conflitos, apresentados como dirimíveis apenas dentro de uma lógica de estabilidade que seria a do capitalismo e a de uma democracia de baixa densidade.
É neste quadro que o «fim das ideologias» produziria esse «fim da história», sugerido no imediato pós-Queda do Muro por Fukuyama, no âmbito do qual presente e futuro passariam a ser inteligíveis apenas na medida do «realismo conformista do possível». Todavia, a crise atual e as suas circunstâncias têm vindo a revelar a inadequação desta atitude às necessidades sociais e à ação política, determinando uma gradual revalorização do «realismo revolucionário do impossível» (S. Dias). Este surge então como possibilidade e projeto político que faz sentido. Porém, o impossível não é aqui sinónimo do irrealizável, projetando antes uma oportunidade teórica capaz de dialogar com a construção prática de iniciativas transformadoras, implicando um retorno à essência da ideologia tal como Marx – o filósofo da revolução, não o monstro criado pela dogmática – a concebeu. Enquanto complexo de ideias instigador de uma «ciência falsa» meramente instrumental (Althusser), mas também capaz de projetar uma sociedade-outra. No presente, em condições de inverter a lógica destrutiva do capitalismo, soltando a imaginação do futuro e expulsando o perigoso logro da não-ideologia. Pois, como sustenta Zizek, a ideologia está em toda a parte.
Grécia
O Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, de parceria com as Edições Almedina, a revista Visão e o Jornal de Letras, acaba de lançar um Dicionário das Crises e das Alternativas que reúne, em 222 entradas escritas por 113 investigadores, informação destinada a esclarecer o cidadão, de uma forma tanto quanto possível despojada do jargão técnico, sobre muitos dos conceitos, palavras e acrónimos que invadem atualmente os noticiários. Uma das quatro entradas que escrevi: Grécia.
Antigo «berço da democracia» e espaço matricial da identidade europeia como lugar ao mesmo tempo integrador e excludente de povos, crenças e culturas, a Grécia é parte de um passado amplamente partilhado. Nas atuais circunstâncias é também um indicador de futuro para os países e as populações que mais carregam o peso da crise económica e política. O mundo da finança quis fazer dela um exemplo, e na tentativa de punir o Estado da zona euro que lhe parecia mais frágil empurrou-a para uma situação dramática, mas transformou-a também no território onde começa a definir-se a alternativa. A Grécia encontra-se pois no centro da tormenta, mas também na vanguarda do combate contra a ditadura financista que está a destruir o Estado social, a ameaçar a sobrevivência de milhões de pessoas, a propagar o desespero, o medo e a guerra de todos contra todos. Nas ruas e praças, como nos espaços de informação, organização e debate, ao lado da cólera emocional desencadeada na tentativa de destruir os símbolos imediatos da opressão, desenvolve-se uma ira lúcida: a dos que resistem a deixar-se espoliar em benefício da lógica implacável dos especuladores.
Perante o descrédito dos partidos institucionais que têm dominado a democracia parlamentar instalada no país após a queda em 1975 do «regime dos coronéis», associada a um clientelismo endémico e a uma corrupção num grau extremo, sucedem-se as assembleias de democracia direta, as formas de desobediência civil, as primeiras experiências de autogestão, preludiando um sistema possível que rejeita a tirania dos mercados em nome do humano. Ao mesmo tempo, a situação promove um cenário mais vasto, capaz de enquadrar novas possibilidades: o verdadeiro desafio não é já a preservação da identidade de um Estado, mas sim a da Europa. Se todos os olhares se voltam para Atenas, para escapar à crise é necessário escolher a Europa que se quer reerguer. Nas ruas helénicas, como nas dos Estados que serão o cenário imediato da perda de soberania, tem lugar um combate pela construção de uma alternativa justa e democrática. A mais recente tragédia grega não passa pela derrocada da democracia como conceito, mas pela épica da sua refundação.
A IS, a esperança e a falta dela
Em Homage to Catalonia, publicado em 1938 na ressaca da presença combatente na Espanha da Guerra Civil, George Orwell sublinhava que o que atrai as pessoas comuns, ou pelo menos muitas delas, para o socialismo, e «as deixa dispostas a arriscar a pele por ele», é a ideia de igualdade. Até há pouco diríamos que a hipótese de arriscar a pele por uma causa corresponderia, nesta Europa descrente mas em aparente expansão que saiu do termo da Guerra Fria, a um círculo muito restrito de combates e de lugares, marcados por um extremismo socialmente isolado ou pelo regresso do nacionalismo. A reinstalação da desigualdade à qual assistimos nos últimos tempos pode, porém, inverter rapidamente esta situação: perante o colapso dos mercados, do capitalismo e da democracia parlamentar tal como a conhecemos, o retorno da política dos extremos pode conduzir à reemergência dessa atitude-limite que transforma uma causa no sentido de uma vida vivida no fio da navalha. Como escreveu Tony Judt num dos seus derradeiros livros, «sociedades grotescamente desiguais também são sociedades instáveis», dividindo-se através de conflitos internos, cada vez maiores e mais insanáveis, que terminam geralmente «com desfechos não democráticos». ler mais deste artigo
Simetria semiológica
Reparará quem segue este blogue que em seis anos quase não se publicaram fotografias de políticos portugueses no ativo. Chegou o momento de proclamar urbi et orbi os três motivos pelos quais isso sucede. O primeiro prende-se com o mais genuíno snobismo: este blogue vive da e para a polis, mas não é um blogue de politiquinha, daqueles que se ocupam quase a full-time (e fazem bem, cumprem a sua função) dos rodriguinhos de São Bento, das fífias de Belém e atividades afins. Por isso, quando fala deles, gosta de relativizar o seu papel nas preocupações do leitor. O segundo é de natureza meramente estética: A Terceira Noite pode ter alguns posts fraquinhos (ou até o podem ser praticamente todos), mas esforça-se por ser um prazer para os olhos, um lugar visualmente incitante, ou então tão relaxante quanto uma massagem ayurvédica acompanhada pelo som de vagas marítimas. A maioria das imagens pessoais disponíveis destruiria esse equilíbrio, como um par de peúgas brancas usadas com um fato escuro. O terceiro motivo é o mais fácil de expor: o blogue preparava-se para este breve momento de simetria semiológica, esgotando de uma vez a quota para os próximos seis anos.
[fotografia extorquida à página facebook de maquinistas.org]
Günter, Israel e os outros
«O que deve ser dito», o «poema» na origem da polémica é, de facto, confrangedoramente mau para alguém com a sua responsabilidade literária. Desqualificado como decrépito e apodado de insensível antissemita, Günther Grass declarou entretanto à Associated Press que se pudesse reescrevê-lo teria evitado usar o termo «Israel» e referido expressamente o atual governo de Benjamin Netanyahou. O episódio conta-se em poucas palavras: revoltado com o facto de a Alemanha vender a Israel um submarino com capacidade para lançar mísseis armados com ogivas nucleares, Grass publicou o referido «poema», no qual, num arremedo estético da cartilha do velho realismo (socialista ou não), acusa o governo israelita de «ameaçar a já frágil paz mundial». A peça vai mais longe, condenando «o suposto direito de um ataque preventivo» contra as «supostas» ameaças de um Irão empenhado, também ele, reconhecidamente, em desenvolver armamento nuclear. Em consequência, o governo militarista de Israel declarou o escritor persona non grata, impedindo-o de regressar a um país que, como convidado, visitou já por diversas vezes.
A posição do governo israelita é, obviamente, escusada e bastante condenável, apenas possível porque este se encontra nas mãos de alguns dos setores mais conservadores e agressivos do país. É contraproducente, do ponto de vista da imagem global de Israel, e incompreensível até para quem gosta, sem estar de todo desprovido de razão, de se gabar de ser «o único Estado democrático da região». Bernard-Henri Lévy, que também não é um anjo, aproveitou para desancar nos esquecimentos do escritor alemão, lembrando-lhe que, já agora, podia falar do que ao mesmo tempo se passa na Coreia do Norte, na Rússia de Putin, na Síria e no Irão ali mesmo ao lado. Mas aquilo que realmente impressiona é o facto de a esquerda antissemita ocidental – a mesma que ainda há pouco tempo apontava o dedo a Grass pelo seu longínquo e por longo tempo escondido passado filo-nazi – passar a incensá-lo como se de um herói se tratasse. Vale tudo para ser «contra Israel», independentemente das circunstâncias históricas e políticas do seu trajeto, seja o que for que possa desenhar-se no horizonte da região. Uma atitude que indicia a ausência de uma «política de princípios», justa e democrática, que é, afinal, cada vez mais necessária. Entre outras coisas para obter para aquelas paragens uma paz duradoura, sem vencidos e vencedores.
Coimbra: a cidade e a luta estudantil
Disponível em formato pdf um texto que escrevi em 2007 sobre «Coimbra: a luta estudantil e o património identitário da cidade». Poderá servir de munição, ou de contrapeso, no debate atualmente em curso sobre os usos e os abusos da praxe estudantil. E também para uma apreensão mais completa do papel dos estudantes na vida e na história deste lugar diferente. Uma apreensão menos passadista sem por isso promover o esquecimento. Pode baixá-lo aqui.
Declaração programática
shhhtttt!, Nostalgia Futura
Durante algum tempo o ritmo de A Terceira Noite irá diminuir um pouco. Aliás, já se nota que está a diminuir. Nada de especial a acontecer, para além de excesso de trabalho e um problema com os dias que não esticam. Mas leram bem: apenas «um pouco». Nada de dramático, sendo provável que por vezes nem se note a quebra. Em alguns momentos, no entanto, ela acontecerá.
Entretanto, para todos/as mas em especial para os/as leitores/as que me acompanham desde o início desta e de outras aventuras, aqui fica a ligação para uma experiência nova, composta basicamente por recortes, colagens e inspirações resultantes de trabalho alheio que vou guardando e tenho vontade de partilhar.
São, shhhtttt!, o contos da Nostalgia Futura.
Isto é muito sério
Vida noturna
O publicista e escritor irlandês Richard Steele escrevia em 1710, na revista satírica The Tatler, que tinha ido visitar um amigo chegado do campo para viver em Londres. Mas este encontrava-se já deitado quando, às 8 da tarde, Steele se apresentara em sua casa. Voltou na manhã seguinte, pelas 11 horas, para lhe dizerem que o amigo ia começar a jantar: «Rapidamente descobri que o meu amigo seguia religiosamente os seus antepassados e respeitava os horários usados na sua família desde a época da conquista normanda.» Dei algumas vezes exemplos análogos enquanto falava a turmas de alunos sonolentos sobre o imaginário aldeão dos tempos que antecederam a abertura das estradas e a chegada da eletricidade. Ali, como todos trabalhavam desde a alvorada, e o trabalho doía, todos se deitavam «com as galinhas», ficando os ruídos e as sombras da noite a cargo dos espetros e das bruxas, dos quais aliás ninguém duvidava. Mesmo nas nas cidades, as coisas não se passaram de forma substancialmente diferente até ao surgimento das festas aristocráticas e à abertura dos cafés por volta do século XVII, começando então a noite a ter uma animação inteiramente nova. Com o aparecimento da iluminação urbana e a multiplicação dos teatros o processo foi completado, alterando-se profundamente o uso social e as representações simbólicas da vida noturna. A noite fugaz mas persistente «das paixões recusadas, das paixões descabidas», gravadas a canivete nas mesas dos bares, Lins dixit, chegou bastante tarde mas para ficar.
Contra as praxes vexatórias
Eis o abaixo-assinado proposto por 15 professores da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e destinado a sugerir medidas para que as «praxes académicas» deixem de se apresentar como «atos de humilhação, de atemorização e de atentado à dignidade». Pretende-se sobretudo divulgar junto dos novos estudantes o seu caráter estritamente voluntário e a impossibilidade legal de se fundarem em práticas vexatórias, o que grande parte dos visados desconhece. Independentemente da opinião pessoal de cada signatário, necessariamente variada, no conjunto, e ao contrário daquilo que alguns meios de comunicação afirmaram, o documento não se destina a «acabar com a praxe», mas antes a impedir os efeitos perigosos ou nefastos que em seu nome têm vindo a ocorrer. Entretanto o texto já recolheu largas dezenas de assinaturas de outros professores da FLUC, estando a circular por mais faculdades. Dentro de dias mais informações serão divulgadas.
Marcuse de volta
Protegido provavelmente pelo estado de confusão no qual viviam os censores do marcelismo, em janeiro de 1971 o semanário de atualidades Vida Mundial, com uma tiragem, exorbitante para a época e para o país, de 40.000 exemplares, fazia a capa com um cartoon representando Herbert Marcuse, ao qual dedicava um dossiê inteiro. A razão da escolha: pouco tempo antes, já com setenta anos cumpridos, o filósofo da Escola de Frankfurt passara para a ribalta ao ser apropriado pela reflexão libertária e crítica da sociedade pós-industrial que integrou a vertente mais radical e antissistema das movimentações saídas de Berkeley e do «Maio francês». Em 1955 saíra Eros e Civilização, obra que recorria à conceção freudiana do progresso da civilização para demonstrar como a sociedade capitalista altera e condiciona o desejo. Uma posição muito naturalmente sedutora para o padrão hedonista de representação do mundo que moldava a cultura sixtie. Foi no entanto em 1964, com O Homem Unidimensional, só agora traduzido e editado em Portugal, que Marcuse passou a integrar o núcleo duro dos acusadores da sociedade tecnológica desenvolvida que considerava um fator de escravidão.
A particularidade desse modelo societário residiria então, para além de seu elevado nível de automação, no facto de suscitar um enganador «funcionamento suave do todo». Este assumiria características totalitárias, já que continha «uma coordenação técnico-económica não-terrorista» capaz de operar «através da manipulação das necessidades por interesses estabelecidos», impedindo desta forma o surgimento de «uma oposição eficaz ao todo». O próprio indivíduo transformar-se-ia num produto da alienação provocada por uma sociedade consumista e massificada, dentro da qual a possibilidade de oposição fora suprimida ou desviada, criando uma forma unívoca, padronizada, de pensamento e de ação. Obra de denúncia do modelo monstruoso para o qual o capitalismo parecia empurrar a sociedade, foi no entanto reprovada por uma parte da crítica de esquerda por não oferecer uma via de escape para essa forma servidão que impunha ao indivíduo uma atitude conformista, consumista e acrítica. No entanto, se bem que a estrutura da obra defina principalmente uma intenção analítica – desenhando um quadro ainda hoje de considerar – não terá sido acidental a escolha da frase redentora de Walter Benjamin com a qual termina: «Só através dos que não têm esperança a esperança nos é dada.»
Herbert Marcuse, O Homem Unidimensional. Sobre a Ideologia da Sociedade Industrial Avançada. Trad. de Miguel Serras Pereira. Letra Livre. 326 págs. Versão revista de nota saída na LER de Março.
Ainda e ainda as praxes académicas

versão revista de um post publicado há cerca de um ano
De novo às voltas com as praxes académicas. Não que representem um problema para quem, nos ambientes universitários, delas faz – até há pouco tempo, durante algumas semanas, agora o ano letivo inteiro – o eixo das suas vidas. Pelo contrário, aparentemente essas pessoas até se divertem, daquela forma muito própria e bastante pobre e falha de imaginação de se divertirem. Mas porque para a maioria dos cidadãos, que as observam de fora como vestígios exóticos de uma época e de um mundo que não entendem bem, são um fator de perturbação. As razões que as impõem não se prendem, no entanto, com o lado mais ou menos folclórico da «festa permanente» que lhes está associada. Na raiz implicam um espaço de recreio muitas vezes legítimo, e afinal nem todos temos o dever de achar divertidas as mesmas coisas. Mas relacionam-se com três circunstâncias sobre os quais podemos alinhar umas ideias. ler mais deste artigo
Boaventura de Sousa Santos / Páginas Tantas
Esta segunda-feira, dia 2 de abril, pelas 18H30, decorre a terceira sessão do programa Páginas Tantas, organizado em Coimbra pelo TAGV – Teatro Académico de Gil Vicente e pelo Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra. Nele se irá falando de livros e de literatura, das artes e dos artistas, de ideias e de outras coisas úteis. Em cada sessão estará presente um/a convidado/a que irá conversar com o público sobre o seu trabalho. Neste mês será o sociólogo Boaventura de Sousa Santos (Coimbra, 1940), diretor do Centro de Estudos Sociais e autor de uma vasta obra sobre globalização, sociologia do direito, epistemologia, democracia e direitos humanos. Mais informações no blogue do programa.
Ler porque sim
«Ler por prazer é mal visto» diz Fernando Savater em entrevista concedida à Babelia deste sábado. Não parece exagero: a leitura é cada vez mais olhada, e apresentada até por quem tem o dever de promovê-la, como momento de integração no mercado de trabalho, fator de progressão profissional ou salvo-conduto para um certo padrão de prestígio. Em última análise, como arma de arremesso na corrida triste e insana de todos contra todos. O conhecimento pelo conhecimento, o devaneio sem explicação, a leitura pelo gozo pessoal e intransferível de desdobrar a nossa vida e dialogar com as dos outros, pretéritas ou presentes, tem vindo a ser desvalorizada pelo próprio sistema educativo, mais interessado em produzir trabalhadores eficazes, em «desbloquear riqueza», do que em fazer pessoas completas e felizes. Assimilando a felicidade ao desperdício, a poesia à preguiça, a criação ao desatino, a leitura improdutiva ao esbanjamento, tem gerado uma multidão de escravos que nem sabem que o são.
A glória do bicho-papão
Charles Esdaile começa por recordar que Napoleão Bonaparte é, depois de Jesus Cristo, a personalidade histórica mais vezes representada no cinema, e também uma daquelas sobre quem mais se escreveu. Lembra também que poucos notáveis do passado determinaram posições tão extremadas, no seu próprio tempo ou na posteridade, quanto aquelas que desde cedo se definiram em volta do caráter, da ação e das intenções do «leão corso». De um lado, um certo entendimento da sua aparência como a de um monstro, capaz de pôr um continente inteiro a ferro e fogo apenas determinado por um desejo insaciável de poder e de fama. Do outro, a representação positiva de um visionário com papel decisivo no despertar da «Europa das nações», prova provada do dinamismo do «grande-homem» na História. Sem a intervenção do qual, no caso em apreço, o fim do Ancien Régime e a reforma política e administrativa da coisa pública não poderiam ter sido obtidos do modo e nos termos em que ocorreram. ler mais deste artigo