Road Movie [2]
Banda sonora: Boy is Fiction – Tomorrow Not Today
[audio:http://aterceiranoite.files.wordpress.com/2008/07/03-tomorrow-not-today.mp3]
Banda sonora: Boy is Fiction – Tomorrow Not Today
[audio:http://aterceiranoite.files.wordpress.com/2008/07/03-tomorrow-not-today.mp3]
«A música mais indesejada do mundo» (noutra tradução, «a mais supérflua»), foi escrita por Vitaly Komar e Alexander Melamid, artistas plásticos e performers russos, de origem judaica, que trabalharam em parceria entre 1965 e 2003. Através de efabulações centradas em apropriações da memória colectiva, construíram uma obra única cujo núcleo original se formou a partir de uma aproximação aparentemente impossível, ou contranatura, do dada ao realismo socialista. Uma experiência que, como seria de esperar, em 1973 lhes valeu a expulsão da secção juvenil da União dos Artistas Soviéticos na qual haviam acabado de entrar – acusados de «distorção da realidade soviética» -, e mesmo a destruição pública de algumas das suas obras. Encontra aqui uma descrição desta The Most Unwanted Music, expressamente concebida para, nos seus 25 minutos de duração, soar desagradavelmente ao maior número possível de ouvidos. Não se aceitam reclamações.
[audio:http://aterceiranoite.files.wordpress.com/2008/06/komarmelamid_the-most-unwantedsong.mp3]PS – Um leitor chamou a atenção para um erro que cometi por ter partido de informação incorrecta. De facto, a peça não foi escrita por Komar e Melamid, mas sim por Dave Soldier (música) e Nina Mankin (letra), a partir de uma ideia dos primeiros. Mais dados aqui. Obrigado pela correcção.
Banda sonora: Raz Ohara and The Odd Orchestra – Love For Mrs. Rhodes
[audio:http://aterceiranoite.files.wordpress.com/2008/06/10-love-for-mrs-rhodes.mp3]
Soube agora pelo Luís que morreu o Esbjorn Svensson. Fiquei mais triste e mais surdo.
[audio:http://aterceiranoite.files.wordpress.com/2008/06/1-05-viaticum.mp3]EST – Viaticum
Antes que se desdobre por aí a ladainha dos obituários tradicionais (ou as declarações de intenção dos que se obstinam em fazer-nos saber que não estão para essas coisas de acariciar os mortos), um pequeno parágrafo sobre Norman Mailer na data do seu passamento.
De Mailer apenas posso dizer que, como quase toda a gente, pouco mais li que o já amarelecido Os Nus e os Mortos. Que lhe ficamos a dever algumas das primeiras facadas do new journalism. Que dele sobrará um rasto do estereótipo hemingwayano do escritor-macho enquanto provocador, bruto e supostamente femeeiro. Absolutamente anti-norma na relação com o romancista ou com o poeta low-profile que povoa hoje, até à náusea, os suplementos e as revistas literárias. Fazem-nos falta, pois, sacanas assim. Quanto mais não seja para nos irritarmos com eles e aprendermos a relativizar a fala previsivelmente mansa, dócil, de muitos dos outros.
Também eu já quase não utilizo CDs. Enquanto viajo, leio ou escrevo, habituei-me a ouvir música em formato mp3. Ele oferece o isolamento que por vezes procuro em relação ao ruído que perturba, estimulando novas paisagens, criando momentos portáteis de emoção, relaxe ou evasão. Há anos que o velho walkman japonês foi abandonado, trocado por leitores versáteis e ultraleves, dotados de uma qualidade de som e de uma capacidade cada vez maiores. As bandas sonoras que estes permitem criar, tal como o novo tipo de silêncio que a sua interrupção provoca, passaram assim a fazer parte de um dia também ele outro.
A mais recente conquista foi a integração habitual no leitor de programações musicais organizadas sob a forma de podcasts. Já aqui sugeri, há algum tempo atrás, a experiência da Íntima Fracção. Hoje, porque acaba de fazer um ano que passou a estar disponível online para ouvir e descarregar, é a vez de lembrar Miss Tapes, «mixes for blue girls and blue boys», um exercício contemporâneo de liberdade sonora e raro bom gosto da autoria de Hugo Pinto. Aqui fica ainda o seu episódio mais recente (62’40”):
Custa-me ouvir o Adriano Correia de Oliveira. E explico porquê. Não é pela simplicidade e pelo carácter datado dos arranjos musicais das suas canções: a sua voz, poderosa e afectiva, magoada às vezes, algumas das palavras que foi cantando enquanto por cá andou, quase os fazem esquecer. A verdade é que, ao escutá-las agora, viajo no tempo, recuando ao país-Portugal, sequestrado e em luto, no qual ele viveu quase toda a sua vida. Por isso, para mim que conheci esse país, ouvir hoje Adriano é como revisitar uma prisão, como ler as memórias de um torturado, como ver um documentário sobre a pátria que foi, como olhar a fotografia de um emigrante sozinho na Gare de Austerlitz. Dói-me e evito fazê-lo.
Um dos melhores contrabaixistas de sempre nunca gravou um disco em seu nome. Por isso, Scott LaFaro é hoje lembrado «apenas» por ter sido um dos primeiros parceiros, talvez o melhor de todos, de Bill Evans, o pianista melancólico e genial que se inclinava sobre o seu piano como o Schroeder dos Peanuts. Morreu em 1961, aos 25 anos, mas teve ainda tempo para tocar com Chet Baker, Miles Davis, Stan Getz ou Ornette Coleman. Duas semanas antes do acidente, gravara ao vivo, com Evans e o baterista Paul Motian, Sunday at the Village Vanguard e Waltz for Debby, dois dos mais importantes álbuns da história do jazz.
Bill Evans Trio – Gloria’s Step, take 3 (Sunday at the V.V.)
[YouTube=http://www.youtube.com/watch?v=IDKlAOiU93c] |
The Dining Rooms – Catania City Blues
[YouTube=http://www.youtube.com/watch?v=UuHDceDUSyU] |
Música, palavras e voz de Léo Ferré. Imagem de Jim Jarmusch. Vulto incidental de Tom Waits.
Na década passada fiz muitas e longas viagens de condução nocturna tendo como banda sonora a música encantatória da Íntima Fracção e a voz poética, ocasional, do seu autor, Francisco Amaral. O programa, no ar desde 1984, andou pela Antena 1 e pela TSF, recebeu diversos prémios, perdeu o sinal nacional quando passou para a Rádio Universidade de Coimbra e a ESEC Rádio online, e regressa agora a todo o país na grelha de um renovado Rádio Clube Português. Mantém um blogue próprio, através do qual é possível fazer-se o download integral dos programas em formato mp3. Com esta versão podemos, aliás, viver a experiência rara de mergulhar na noite à luz do dia. Em directo, a Íntima Fracção passa todas as semanas de domingo para segunda-feira, entre a meia-noite e as duas da madrugada. Nem se pergunta se recomendo.
As frequências: Aveiro 94.4 – Beja 106.4 – Braga 92.9 – Coimbra 98.4 – Faro 106.1 – Leiria 96.4 – Lisboa 104.3 – Portalegre 106.7 – Portimão 107.1 – Porto 90.0 – Sabugal 94.8 – Santiago do Cacém 107.5 – Vila Real 97.4
Parte significativa da música popular dos EUA oferece-nos aproximações a universos incompatíveis com os valores individualistas e conservadores que parecem omnipresentes no quotidiano do cidadão americano comum. Raramente panfletárias, elas indiciam uma diversidade que parece sempre conter indícios de mudança. Dois álbuns magníficos, acabados de sair, permitem-nos observar, ouvindo, esse lado minoritário, habitualmente desconsiderado, ou suavizado, pelos grandes media. My Name is Buddy, de Ry Cooder, conta uma viagem de ida e volta, no tempo e no espaço, até às origens da contemporaneidade americana, aqui situadas nos anos da Grande Depressão: «the days of labor, big bosses, farm failures, strikes, company cops, sundown towns, hobos, and trains». Já Laura Viers, fala-nos, em Saltbreakers, das suas preocupações com o agravamento dos problemas ambientais e perante a cegueira política com a qual todos os dias vai deparando no seu «país inconsciente». Um par de caixas-de-óculos recomendáveis e música da boa.
De repente, seis anos depois, o regresso feliz de Marisa Monte. E logo com dois cêdês, simultâneos e híbridos. Um, Infinito Particular, em fala pop que não é bem pop. Outro, Universo Ao Meu Redor, anunciado como disco «de samba» sem o ser propriamente. Em ambos, a música brasileira fora dos clichés habituais que nos chegam a cada mês. Bela, pujante e criativa – e inequivocamente contemporânea, sem todavia perder a identidade – tal como ela deveria sempre ser. Para ouvir sobretudo «quando a névoa toma conta da cidade».