Arquivo de Categorias: Atualidade

A nova oligarquia e o imperativo de lhe resistir 

A propósito da tomada de posse de Donald Trump, escreveu a jornalista Teresa de Sousa a dado passo: «O mais significativo foi, sem dúvida, a presença em lugar de destaque dos três homens mais ricos do mundo, que são também os donos de gigantes tecnológicas – Egon Musk, Mark Zuckerberg e Jeff Bezos. A nova “oligarquia tecnológica” de que falava Joe Biden no seu discurso de despedida. Também é justo lembrar que representam empresas extraordinariamente inovadoras que, por alguma razão, nasceram todas nos Estados Unidos. Na Europa os mais ricos ainda estão na anterior revolução tecnológica, dos automóveis ou dos aviões.» Uma aproximação, inevitavelmente simplificada, a uma nova dimensão da realidade mundial com a qual temos de conviver.

(mais…)
    Atualidade, Cibercultura, Democracia, Etc., Olhares, Opinião

    Não, não é «tudo igual»

    Bastou um dia de presidência Trump para começarem a ser revolvidos na América, de alto a baixo, os fundamentos do Estado de direito e das relações com o resto do mundo. Não é preciso mostrar aqui o rol das medidas, chegando uma consulta aos títulos sonantes dos jornais. Uma situação calamitosa que, ao mesmo tempo e infelizmente, desmascara quem, associado a uma franja estreita e bem identificada do nosso sistema político, dita «progressista», considera que por ali «é tudo igual», tudo fazendo para não distinguir as duas Américas, e os dois mundos, que estão abertamente em confronto. Mais, considera até, na sua cegueira sectária, que a atual situação «engana menos». Visível em certos blogues e em algumas páginas de redes sociais, é gente que dificilmente se encontra em condições de integrar a imprescindível frente mundial anti-Trump e anti-Musk, ou, na sua interpretação arcaica e rígida da história e do mundo atual, o decide fazer sem aliados fortes e do lado errado. Amarrados a uma verdade revelada ou à sua caricatura, não aprendem e não querem aprender.

      Apontamentos, Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião

      Maldição e necessidade de opinar de forma pública

      Este artigo contém uma vertente autobiográfica. Tem como tema a experiência da crónica como género literário, com o qual, na páginas deste jornal e em outros espaços públicos, regularmente evoco determinados temas ou discuto problemas da atualidade. Como forma necessariamente abreviada e efémera de comunicação, a crónica é geralmente uma narração curta, com um objetivo pré-determinado da parte de quem a escreve, ligando-se sempre à realidade do quotidiano e apresentando uma visão tão informada quanto pessoal e subjetiva dos assuntos que aborda. Atravessou séculos como simples relato de acontecimentos dispostos em ordem cronológica, mas no século XIX, com o progresso das ideias democráticas e a expansão da imprensa, evoluiu no registo, que passou do meramente descritivo e informativo para o opinativo e crítico, entre nós já usado n’As Farpas de Eça e de Ramalho.

      (mais…)
        Atualidade, Democracia, Jornalismo, Olhares, Opinião

        O «espírito do tempo» e a utopia contra o pessimismo

        Na passagem de cada ano para o seguinte tornou-se um hábito realizar balanços do que finda e anunciar planos, desejos ou previsões para o que vai começar. Neles se misturam dados objetivos, impressões ou simples anseios, sejam estes coletivos ou mais pessoais, em registos que se distinguem consoante quem os enuncia e partilha, conforme a sociedade onde vive, ou, de uma forma decisiva, de acordo com o «espírito do tempo» em que os formula. Sirvo-me aqui dessa expressão, surgida com Herder e os românticos alemães, e particularmente pensada e divulgada por Hegel na Fenomenologia do Espírito, de 1807, usada para identificar e dar consistência ao clima político, sociológico e cultural que, em escala ampla e dinâmica, domina e determina uma dada época. 

        (mais…)
          Atualidade, Democracia, Devaneios, Olhares, Opinião

          O papel das claques no futebol e na política

          Nas últimas décadas, as claques de futebol, originalmente concebidas como grupos organizados de apoiantes que iam aos jogos do seu clube favorito apenas para o apoiarem, para conviverem e para se divertirem, transformaram-se em fatores de preocupação e de sobressalto público. As ligadas às agremiações mais populares e antigas são geralmente as mais perigosas, pois não só são maiores como incorporam modos de cultura tribal, associados a práticas, símbolos e padrões de discurso que lhes são próprios, agora claramente pautados pela violência. Legalizadas ou não, nelas se afirmam cada vez mais, a par daquela dimensão lúdica e festiva, formas de coação sobre outros, além de processos orgânicos que têm transformado algumas, ou pelo menos os seus setores «ultras», em instrumentos do crime organizado.

          (mais…)
            Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião

            Olhares sobre a Síria

            Existem muitas dúvidas sobre o que acontecerá de seguida na Síria, com o país ainda a permanecer a manta de retalhos que já era sob Al-Assad. Não é difícil prever uma situação caótica, como a que ocorreu no Iraque e na Líbia. E pouco se espera de alguns setores até agora rebeldes. Para já, todavia, compreende-se o júbilo dos refugiados sírios no exílio, forçados a fugir, aos milhões, pelas forças governamentais ajudadas pela Rússia e pelo Irão. E só pode ser positiva a libertação das dezenas de milhares de presos políticos, saídos das prisões mais inumanas que é possível conhecer. Não reconhecer isto, como já pode ler-se por aí, em especial nas redes sociais, não diz grande coisa de quem o faz. Sobre aquilo que virá, veremos na altura própria.

              Acontecimentos, Apontamentos, Atualidade

              Não, em política os extremos não se equivalem

              Integra a argumentação de pessoas pouco conhecedoras da história contemporânea, ou de setores moderados, em especial os mais conservadores, a noção de que os grupos e movimentos radicalizados, situem-se estes à esquerda ou à direita, se equivalem na rejeição da democracia e na defesa da força e do conflitos como instrumentos decisivos da vivência coletiva. Esta ideia tem provocado, em diferentes momentos e lugares, equívocos muito grandes a propósito da forma, apontada como «análoga», que esses setores, apesar de situados em campos diametralmente opostos, exibem dentro de sociedades plurais e democráticas onde procuram afirmar-se. Trata-se de um juízo errado e perigoso.

              (mais…)
                Atualidade, Democracia, História, Opinião

                Sectarismo, fanatismo e combate cultural

                O tema desta crónica ganha relevância nos tempos que correm, quando os dois grandes campos do combate político global dos últimos dois séculos, o da democracia e o do autoritarismo, se defrontam como não se via desde o final da Segunda Guerra Mundial. Como formas próprios de relacionamento de cada indivíduo com os seus semelhantes, o sectarismo e o fanatismo expandem-se como flagelos que cruzam a história e, no mundo atual, tendem a toldar a lucidez e a reforçar os projetos que sustentam ou preparam tiranias. Para serem contrariados, importa observar como funcionam, mas também de que modo se instalam no nosso dia a dia e no universo do combate político. 

                (mais…)
                  Atualidade, Democracia, Heterodoxias, Olhares, Opinião

                  E agora, América? (cinco notas soltas)

                  1 – O que aconteceu ontem, dia 5 de novembro de 2024 – fixemos a data, pois ela será marcante e traumática – nas eleições presidenciais dos Estados Unidos da América, foi bem além daquilo que a generalidade dos observadores e comentadores tinham previsto. A vitória de Donald Trump não foi sequer tangencial, contrariando a generalidade das sondagens e das expetativas de quem, dentro e fora da nação fundadora da democracia moderna, jamais previu pelo menos uma folga destas. Ela coloca aos norte-americanos, e também a todo o planeta, problemas associados ao que se antevê ser uma viragem abrupta no entendimento da democracia liberal, no equilíbrio entre os Estados, nas dinâmicas da cidadania e na vida das pessoas comuns.

                  (mais…)
                    Atualidade, Democracia, Direitos Humanos, Opinião

                    Israel, os EUA e os problemas de visão

                    É totalmente incompreensível alguém coerente e simultaneamente democrata e de esquerda não preferir, nas eleições presidenciais nos EUA deste dia 5, que Kamala Harris derrote Trump apenas porque ela não tem a posição sobre Israel e a Palestina que gostariam que tivesse (e eu também provavelmente gostaria). Vamos ser claros: Kamala, na senda de Joe Biden, não tem uma posição coerente e clara sobre o tema, condenando abertamente Israel e afirmando claramente que defende a independência da Palestina. Mas mostra uma abertura ao diálogo sobre o mesmo, e uma condenação formal da política de genocídio, que Trump, já apoiado formalmente por Netanyahu, de todo exclui, preferindo estar do lado dos falcões israelitas. Além disso, torna-se evidente que, se a candidata democrata exibisse uma posição inflexível de imediata rutura com Tel Aviv, nem precisaria ir a votos, pois seria esmagada nas urnas pelos eleitores. Custa muito compreendê-lo? Fazer política com alcance e visão jamais é mover peças num simples tabuleiro de jogo de damas.

                      Apontamentos, Atualidade, Democracia, Olhares

                      A América também é aqui

                      Há cerca de vinte anos, quando passei a ter nas aulas muitos estudantes brasileiros, reparei no grande desconforto que sentiam de cada vez que me referia aos Estados Unidos apenas como «a América». É um velho hábito europeu que ecoa um costume dos norte-americanos, transformando a palavra em conceito gerador de uma identidade transversal a ambos os lados do Atlântico. Como surgiu referido, em sentidos diversos vinculados a esse referente único, em Mon oncle d’Amérique, o filme de Alain Resnais, na canção pessimista This is not America, de David Bowie e Pat Metheny, ou sobretudo em God Bless America, o conhecido hino composto em 1918 por Irving Berlin, usado pela propaganda patriótica americana durante e após a Segunda Guerra Mundial. 

                      (mais…)
                        Atualidade, Democracia, Direitos Humanos, Opinião

                        Ainda a necessidade e o perigo das vanguardas

                        A palavra vanguarda é usada no vocabulário comum como metáfora de origem militar que alude ao destacamento especial dos exércitos destinado, durante as campanhas, a seguir muito à sua frente, tendo por objetivo reconhecer os caminhos que deveriam percorrer, observar melhor as forças do inimigo e realizar pequenas incursões destinadas a feri-lo ou a testá-lo. Atualmente a designação é associada a indivíduos, a experiências e a movimentos que, nos planos vivencial, estético, filosófico ou político, se mostram bem à frente das sociedades de onde emergem, propondo, ensaiando e materializando vias e dimensões caraterizadas pela ousadia, pela raridade e pelo pioneirismo.

                        (mais…)
                          Atualidade, Democracia, História, Opinião

                          O partido da triste figura

                          Tenho escutado isto menos, mas durante décadas o Partido Ecologista Os Verdes foi entre nós sistematicamente apelidado de partido-melancia. Como esta, verde por fora e vermelho por dentro. Na verdade, tratou-se sempre, praticamente desde a sua fundação em 1982, e mais acentuadamente nos últimos anos, de um agrupamento satélite criatura do PCP, com a utilidade prática de agregar uns poucos votos de pessoas sensíveis à temática ecologista – pessoas com dificuldade em reparar que existem partidos, como o Livre, o PAN ou mesmo o BE, mais consequentes e ativos neste domínio – e sobretudo de justificar a formação de uma frente eleitoral designada «unitária», colocando nos boletins eleitorais, ao lado da foice e do martelo, um belíssimo girassol estilizado.

                          (mais…)
                            Apontamentos, Atualidade, Democracia, Olhares

                            O 7 de outubro

                            A 7 de outubro, quando se comemora o primeiro dia da era judaica, iniciada a 3761 AEC, completou-se um ano sobre o ataque do Hamas, lançado principalmente sobre alguns kibbutzim próximos da faixa de Gaza, aldeias comuns limítrofes e um festival de música para jovens, dele resultando de imediato o assassinato de cerca de mil israelitas, o rapto de perto de 250, muitos idosos e crianças, a violação de dezenas de mulheres, e um grande número de civis feridos. Teresa de Sousa chama-lhe «o maior massacre de judeus desde o Holocausto».

                            (mais…)
                              Apontamentos, Atualidade, Olhares

                              Embuste e menosprezo do saber contra a democracia 

                              Apesar dos seus riscos e defeitos, uso com regularidade as redes sociais. São múltiplos os motivos: manter um contacto regular com algumas pessoas, divulgar ou saber de iniciativas, difundir artigos de opinião, saber de livros, séries e filmes, chegar na hora a notícias importantes, conhecer mais e de uma forma mais plural, e sobretudo tomar o pulso ao mundo em perpétua e rápida mudança. Elas podem ainda aproximar-nos de universos novos ou que geralmente desconhecemos. Por isso, digo a quem não as utiliza ou as abandonou, devido sobretudo ao excessivo ruído e à ocasional violência, que fazem mal e talvez delas não se tenham servido de um modo eficaz e necessariamente seletivo. 

                              (mais…)
                                Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião

                                O beijo na face como pecado venial 

                                Pertenço à geração que recuperou, naturalizou e tomou como sua a prática convivial do beijo na face, fazendo dela uma forma habitual e partilhada de saudação ou uma expressão de amizade. Apesar de, devido aos interditos impostos por um padrão de masculinidade, dominante no ocidente, fora da família ele se mantivesse muito menos comum entre os homens, a partir dos anos sessenta do século XX passou a representar uma conquista no processo em aberto de aproximação entre corpos que anteriormente pouco se tocavam em público ou o faziam de uma forma por regra cerimonial. Associado à nova cultura urbana e libertária triunfante no pós-Segunda Guerra Mundial, o beijo na face, como também o uso mais público daquele dado na boca, transformou-se num emblema de informalidade democrática.

                                (mais…)
                                  Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião

                                  Por Olivença, «marchar, marchar»?

                                  Há bastantes anos, conheci um rapaz que durante algum tempo insistiu em que eu me inscrevesse como fiel «Amigo de Olivença». Isto é, que me tornasse militante da causa dos que pretendem repor a soberania portuguesa e alentejana sobre aquela cidade raiana da Estremadura espanhola. Apesar de reconhecer a legitimidade do retorno de um território que, após a assinatura pela Espanha, em 1817, do tratado de Viena, esta reconheceu como português, não me pareceu causa sequer longinquamente prioritária, pelo que recusei aquela aproximação, passando até a referir privadamente o episódio como piada.

                                  (mais…)
                                    Apontamentos, Atualidade, História, Olhares

                                    O mito das criancinhas e Trump

                                    Ao longo de décadas, um dos mais utilizados mitos usados por governos e partidos de orientação anticomunista foi a divulgação – a par de lendas sobre imaginárias injeções letais atrás da orelha impostas aos idosos – de que sob os regimes controlados pelos comunistas estes, por mera perversão, «comiam criancinhas ao pequeno almoço». A influência do mito foi tão forte e de tal modo transversal que ainda por volta de 1977 estive em debates em aulas onde alunos universitários, meus colegas à época, defendiam a veracidade desta ideia mirabolante.

                                    (mais…)
                                      Apontamentos, Atualidade, Democracia, História