Author Archives: Rui Bebiano

Abuso

Admito sem problemas que Sócrates receba o fanfarrão Hugo Chávez e lhe dê uma palmada nas costas. Afinal temos muitos compatriotas amedrontados na Venezuela e o gás natural que tem chegado da Nigéria poderá não ser da melhor qualidade. Já me parece patético, e também algo abusivo, que cerca de duas centenas de portugueses ligados principalmente à União de Resistentes Antifascistas Portugueses, à Associação de Amizade Portugal-Cuba, a um certo Comité de Solidariedade com a Venezuela, a alguns sectores da CGTP e por supuesto ao PCP, dêem as boas-vindas ao «revolucionário bolivariano» com palmas, vivas e, imagine-se, canções de José Afonso.

    Atualidade, Opinião

    My old town

    Estive muitos meses sem passar pela Baixa da cidade. Revi-a hoje mais triste, com mais velhos ainda mas sem vendedores de castanhas, com os mesmos barbeiros e os mesmos clientes de barba e cabelo, Harry Potter e as Lições de Direito Fiscal a preencherem as montras das livrarias, chinelos de pano pendurados ao lado das vassouras e piaçabas que sobreviveram ao fim dos Armazéns Amizade, as paragens de autocarro sem passageiros à espera do 24T, cafés que insistem em vender sandes mistas, sumóis e croquetes marados, a Pastelaria Central substituída por uma loja de meias e collants sempre vazia. No ar, um rumor surdo parece antecipar a morte.

      Apontamentos, Olhares

      Ciúme

      A primeira vez que experimentei um sentimento obsessivo de ciúme e um profundo desejo de vingança direccionei-os para a pessoa do Sr. Plemiannikov. Observo o infame sujeito, a rir-se não sei de quê, nesta velha fotografia a preto e branco. Nunca lhe perdoei as sucessivas afrontas.

        Devaneios, Memória

        Pilhagens e contrafacções

        Deparamos todos os dias na imprensa escrita com crónicas e notícias que recorrem a informações ou ideias aparecidas em primeiro lugar no universo dos blogues. Ou então são mesmo os títulos de determinados posts que são copiados no acto de denominar certas peças. Este blogue – como muitos outros – foi já premiado por diversas vezes com essa atenção. Sei bem que nem sempre uma boa ideia ou um excelente título ocorrem quando desejamos e, felizmente, a blogosfera permanece um mapa do tesouro (e também do veneno) sujeito a todo o tipo de explorações que possam substituir uma momentânea desinspiração. Aquilo que aborrece não é esse comércio mais ou menos desregrado, que até me parece saudável e ao qual já recorri, mas antes a insistência, por parte de alguns, em praticá-lo de um modo sistemático e sem se darem ao trabalho de identificarem fontes e autorias, colocando as citações que vão fazendo entre as devidas aspas. Talvez valha a pena os autores dos blogues – que nem sequer se fazem pagar pelo seu trabalho, como acontece com os nossos copistas «com orelhas equipadas com radar» – abrandarem um pouco a sua pública generosidade e começarem a apontar o dedo nas situações mais flagrantes.

          Apontamentos, Cibercultura, Oficina

          La mala educación

          Creio que a melhor e mais curta sinopse do desaguisado público ocorrido em Santiago do Chile, durante a 17ª Cimeira Ibero-Americana, entre a la majestad arrogante de Don Juan Carlos Alfonso Víctor María de Borbón y Borbón-Dos Sicilias e el compañero parlapatão Señor Hugo Rafael Chávez Frías, foi feita feita pelo Lutz Brückelmann no Quase em Português: «um tipo a responder mal-educado a um tipo mal-educado». Se chamar mal-educado ao coronel, cantor e putativo presidente vitalício corresponde apenas a uma constatação, fazê-lo em relação a um Bourbon de múltiplos e recuados costados, e ademais casado com uma Sophía Margaríta Viktoría Frideríki Glíxbourgk, ou Glucksburgo, da Grécia e Dinamarca, não é para todos.

            Apontamentos, Atualidade

            O passado em discurso directo

            A História da PIDE, o livro de Irene Flunser Pimentel que constitui uma versão condensada da sua tese de doutoramento e foi agora publicado pela Temas & Debates, vale, entre outros atributos, pela forma criteriosa e documentada como devolve essa sombra da nossa história recente que tende, por vezes, a ser ampliada ou então esbatida. Não, a PIDE não foi uma cópia caseira da Gestapo ou da italiana OVRA, como no-la apresenta uma certa memória heróica da resistência ao fascismo português. Mas não foi também a instituição policial «benévola», quase paternal, que o regime caído em 1974, corroborado por alguns escritos contra-revolucionários posteriores, apresentou como um mero serviço público. O conhecimento da sua verdadeira dimensão e dos seus mecanismos essenciais sai reforçado com esta obra que passa desde já a constituir um instrumento indispensável para uma compreensão adequada de um dos lados mais negros do Estado Novo e do peso dos silêncios e das cumplicidades que ele nos legou.

            Este trabalho levanta, no entanto, um problema metodológico que, ao contrário daquilo que se passa por exemplo em Espanha ou na América Latina, se mantém recorrente na historiografia portuguesa contemporânea: o dos entraves colocados à utilização, ou mesmo à validade, do testemunho oral, que a autora entendeu pôr deliberadamente de parte. Utilizou, naturalmente, esse direito de se servir ou não de determinadas fontes documentais que é prerrogativa de todo o historiador. Desde que este justifique essa exclusão, o que a autora fez com clareza na introdução. Mas já me parece bastante discutível a explicação que procura dar das razões pelas quais desqualifica o testemunho oral, por si tomado, essencialmente, como «’provocado’ pelo historiador que, ao interrogar a testemunha, constrói a sua própria fonte, utilizando-a à maneira de um produtor».

            Sendo verdade que este problema se coloca, ele requer, justamente, não a desistência, mas um cuidado suplementar da parte desse mesmo historiador, forçando-o a confrontar os testemunhos orais entre si e na relação com outro tipo de fontes, escritas ou não, servindo-se apenas das informações que podem ser aferidas e claramente identificadas. A própria autora reconhece, muito correctamente, que existe hoje uma «profusão de artigos que colmatam a ausência dos que foram esbulhados ou não podem ser consultados». E por «artigos» podemos entender aqui, parece-me, outras fontes que não apenas os materiais provenientes dos arquivos oficiais. Porque não então as fontes orais? Que diferença de valia tem esta por comparação como testemunho pessoal escrito? E, partindo do princípio segundo o qual não passará pela cabeça de ninguém fazer a história do Holocausto e do Gulag sem recorrer aos seus sobreviventes (sejam eles as vítimas ou seus carrascos), por que motivo se coloca a dúvida em determinadas situações e não noutras?

            Em «Pela História Oral», publicado no Passado/Presente, Maria Manuela Cruzeiro coloca esta questão naqueles que me parecem ser os seus adequados termos. Aí escreve a dada altura: «não discuto que os documentos orais (exactamente como os escritos) têm que estar sujeitos à crítica, mas não apenas à crítica da comunidade científica, que como a própria história tem abundantemente provado não é imune àquilo que tanto teme e pensa esconjurar: embustes, falsificações ou manipulações». Esta ideia, que exclui uma obsoleta concepção asséptica do trabalho do historiador e abre o leque do espaço de prova, permite-nos relativizar e aferir do grau de falibilidade de todo o tipo de fontes, independentemente do facto destas serem escritas, orais, sonoras ou imagéticas. E ponderar melhor o grau de erro das instâncias legitimadoras que pretendem ditar o grau de verdade que elas podem ou não conter, refugiando-se para tal, por vezes, no restrito recurso ao documento escrito. Um texto de João Tunes sobre este assunto, publicado no blogue Água Lisa, retoma e desenvolve este tema de uma forma que me parece igualmente límpida. Evitando repetir alguns dos seus argumentos, remeto o leitor para a leitura de ambos os textos (que encontra aqui e aqui).

            A história oral da qual falo corresponde ao registo, mas também à análise, dos testemunhos orais acerca do passado. E refere-se tanto ao processo de investigação no qual o acto de recordar é suscitado por um entrevistador como aos tipos de escrita baseados na interpretação razoável dessa informação. Ao contrário da tradição oral, que envolve o conhecimento do passado transmitido através das gerações, ela parte de uma narração individual determinada pela experiência, como actor ou figurante, de quem viveu determinados acontecimentos. Tendo-se desenvolvido após o final da Segunda Guerra Mundial, foi nos anos 60 e 70 que sofreu um maior impulso, devido à crescente influência de uma história social cada vez mais preocupada com os sectores e os grupos cuja experiência vinha sendo ignorada, ou reinterpretada, pelos discursos do poder e das elites. Transformou-se então, como lembra a historiadora e filósofa argentina Maria Inés Mudrovcic, «no principal meio para o registo das experiências vividas pelos sectores marginais». Creio ser legítimo que a esta condição de marginalidade possamos associar também as vítimas e os silenciados dos processos de repressão impostos pelos diversos regimes de pendor totalitário, como o foi também o que regeu a sociedade portuguesa até Abril de 1974. E também por eles, ou para eles, a memória transmitida oralmente funcionará como última possibilidade de adquirem voz própria e resistirem ao esquecimento ou à sonegação impostos pelos registos oficiais, venham eles da instituição que os reprimiu, ou mesmo, em determinados casos – que não terão sido poucos – das organizações de oposição que não aceitaram muitos dos seus comportamentos (como aconteceu, por exemplo, com aqueles que denunciaram companheiros sob tortura).

            A memória oral, deve ainda reconhecer-se, é sempre particularmente contaminada pelo processo de «reconstrução» ditado pelo grau de subjectividade que ela integra e pela extensão temporal da experiência individual da qual parte. Esta pode tomar como vivido num dado momento aquilo que foi, de facto, acumulado e «reescrito» ao longo de anos. É esse aliás, a par da possibilidade da pura e simples invenção, o principal problema que se coloca ao testemunho oral e aquilo que mais claramente distingue a informação que este oferece daquela que é veiculada pelos documentos escritos, em princípio fixados num determinado momento (por alguém que o produziu com a intervenção da sua subjectividade, evidentemente). Devemos ter consciência dessa dificuldade e agir em conformidade, aproveitando apenas o que pode ser credibilizado por outros processos ou enunciando as nossas dúvidas sempre que estas existam.

            Termino num registo que só aparentemente é o da futurologia. Que faremos nós daqui por alguns anos, ou mesmo agora, com a profusão de documentos escritos que, devido ao suporte digital no qual estão a ser depositados, poderão facilmente, ainda que protegidos por senhas de acesso, ser reescritos ou mesmo substituídos? Com uma acta de uma reunião, por exemplo, anteriormente fixada numa leitura parcial mas vertida por uma vez para o papel e hoje guardada num disco duro ou numa pen. Não existe ainda uma resposta cabal para esta pergunta, mas suspeito que os historiadores do futuro – um futuro muito, muito próximo – terão de recorrer aos testemunhos orais (e aos documentos visuais ou híbridos) para tentarem aferir do grau de fiabilidade dessa informação escrita sobre a qual jamais existirão certezas. Esta é, no entanto, uma realidade que transcende um pouco o problema concreto suscitado pelas perplexidades da autora desta excelente História da PIDE.

            Um importante esclarecimento de Irene Flunser Pimentel a propósito do valor da história oral pode ser lido aqui.

              História, Memória

              Purga em Angola

              Tenho evitado referir-me a Purga em Angola, o livro de Dalila Cabrita Mateus e de Álvaro Mateus, editado pela ASA, sobre a história do MPLA e os acontecimentos que envolveram o negro dia 27 de Maio de 1977. Custa-me falar de um assunto doloroso e sobre o qual não posso ser observador imparcial, pois estive em Angola no ano da independência e conheci de perto pessoas que ano e meio depois foram fuziladas, ou desapareceram, ou foram «apenas» presas e torturadas com requintes de barbárie. Jovens quadros como o Mário Rui ou o Armando, que deixaram uma boa posição em Portugal para participarem na construção da sua pátria, militantes anónimos com os quais me cruzei por diversas vezes em missões de apoio logístico ao Movimento, figuras mais conhecidas como o Rui Ramos, da OCA, com quem cheguei a ter, em Luanda, uma reunião vigiada já por agentes da DISA. Sei que, para todas as partes, era aquele um tempo de radicalidade. Eu próprio não era, na altura, propriamente um sujeito razoável. Mas sempre achei que existe um limite moral para o extremismo. E esse limite foi largamente ultrapassado por pessoas como Pepetela, Manuel Rui Monteiro, Luandino Vieira ou Rui Mingas, membros da «Comissão das Lágrimas», que continuam a passear-se por aí, a serem premiados ou apaparicados, com a condescendência de muitos intelectuais portugueses, companheiros seus dos tempos do «reviralho» para quem não passam de uns «gajos porreiros». Seja qual for a posição política que cada um deles possa hoje ter, o grau de culpa que possam ou não sentir, o hábito de eremita que possam até arrastar consigo, aquilo que fizeram jamais será esquecido e dificilmente poderá ser perdoado. Também por isso este livro se torna importante.

                Apontamentos, História, Memória

                Na morte de um velho patife

                Antes que se desdobre por aí a ladainha dos obituários tradicionais (ou as declarações de intenção dos que se obstinam em fazer-nos saber que não estão para essas coisas de acariciar os mortos), um pequeno parágrafo sobre Norman Mailer na data do seu passamento.

                De Mailer apenas posso dizer que, como quase toda a gente, pouco mais li que o já amarelecido Os Nus e os Mortos. Que lhe ficamos a dever algumas das primeiras facadas do new journalism. Que dele sobrará um rasto do estereótipo hemingwayano do escritor-macho enquanto provocador, bruto e supostamente femeeiro. Absolutamente anti-norma na relação com o romancista ou com o poeta low-profile que povoa hoje, até à náusea, os suplementos e as revistas literárias. Fazem-nos falta, pois, sacanas assim. Quanto mais não seja para nos irritarmos com eles e aprendermos a relativizar a fala previsivelmente mansa, dócil, de muitos dos outros.

                  Apontamentos, Música

                  Um ano com Miss Tapes

                  Também eu já quase não utilizo CDs. Enquanto viajo, leio ou escrevo, habituei-me a ouvir música em formato mp3. Ele oferece o isolamento que por vezes procuro em relação ao ruído que perturba, estimulando novas paisagens, criando momentos portáteis de emoção, relaxe ou evasão. Há anos que o velho walkman japonês foi abandonado, trocado por leitores versáteis e ultraleves, dotados de uma qualidade de som e de uma capacidade cada vez maiores. As bandas sonoras que estes permitem criar, tal como o novo tipo de silêncio que a sua interrupção provoca, passaram assim a fazer parte de um dia também ele outro.

                  A mais recente conquista foi a integração habitual no leitor de programações musicais organizadas sob a forma de podcasts. Já aqui sugeri, há algum tempo atrás, a experiência da Íntima Fracção. Hoje, porque acaba de fazer um ano que passou a estar disponível online para ouvir e descarregar, é a vez de lembrar Miss Tapes, «mixes for blue girls and blue boys», um exercício contemporâneo de liberdade sonora e raro bom gosto da autoria de Hugo Pinto. Aqui fica ainda o seu episódio mais recente (62’40”):

                    Etc., Música

                    Os Turras

                    Continua a excelente série sobre a Guerra Colonial que a RTP-1 tem transmitido todas as terças-feiras. Para já, aquilo que ressalta como inegável é o fantástico trabalho de recolha e o esforço de enquadramento histórico dirigido por Joaquim Furtado. Jornalismo de investigação a sério, daquele que só alguém com a sua experiência, o seu perfil e o seu estatuto pode materializar. De facto, detecta-se ali um conhecimento, uma capacidade crítica, uma procura não-ingénua de isenção, uma disponibilização do tempo, um esforço para fazer devagar mas bem, que nem sempre os jornalistas mais novos, e alguns dos da geração de Furtado, sabem fazer ou têm condições para levar à prática.

                    Entretanto, em termos formais, aquilo que neste momento mais me choca não são os dados sobre as vítimas e os danos ocorridos nos primeiros tempos da guerra em Angola. A maioria deles eram já bem conhecidos. É a forma paternalista como a generalidade dos protagonistas portugueses entrevistados, mesmo pessoas responsáveis como Carlos Fabião, Lemos Pires ou Adriano Moreira, fala dos combatentes africanos e do comportamento das «populações indígenas». Alguns deles não hesitam mesmo em apelidá-los, tanto tempo depois, de «terroristas», ou de considerar muitas dessas pessoas como «levadas ao engano» pela propaganda insidiosa do «inimigo». Em muitos dos testemunhos ainda se pressente a matriz racista, um resto de adrenalina, a marca de exaltação (esforçadamente contida, mas perceptível), que sobra dos momentos de tensão e de bestialidade então vividos. É bom que o programa também mostre isso, claro. Mas tal não deixa de perturbar aqueles de nós que já mataram esses fantasmas.

                      História, Memória

                      E-Dazibao

                      Logo a seguir aos Estados Unidos, a China é o 2º Estado do mundo com um maior número de utilizadores da Internet (90,7 milhões no final de 2006). Ao mesmo tempo que florescem blogues e BBS (os nossos velhos electronic bulletin boards), toda a rede é alvo de uma apertada vigilância política. Este sistema pode dar algumas ideias aos poderes que noutras partes do mundo pretendem limitar o acesso inteiramente livre à rede, mas, de acordo com alguns sinólogos ocidentais mais optimistas, a explosão dos acessos poderá também alimentar um rastilho capaz de estimular a mudança dentro da sociedade chinesa e do próprio regime. Um pouco como ocorreu, na antiga União Soviética, com a informação paralela proporcionada pela imprensa samizdat. Sobre este assunto pode ler-se, no Eurozine, um excelente artigo do checo Martin Hala.

                        Atualidade, Cibercultura

                        High-Tech trash

                        Percorridas as 627 páginas de Rio das Flores, o novo «romance histórico» de Miguel Sousa Tavares, preparava-me para anotar duas ou três impressões quando o leitor de feeds do Bloglines me avisou de que n’A Invenção de Morel tinha acabado de sair uma pequena nota crítica sobre o livro. Esta acabou por aliviar-me bastante do esforço de dizer qualquer coisa de inteligível sobre uma obra cuja leitura, pesadas as coisas, me aborreceu muito mais do que me agradou. A verdade é que, conhecida então a opinião de José Mário Silva, não posso senão concordar inteiramente com ela e recomendá-la.

                        Acrescento-lhe, porém, um brevíssimo comentário, servindo-me de uma afirmação produzida pelo autor durante uma entrevista publicada, a 20 de Outubro último, no suplemento Única, do Expresso. Declarava aí MST que «finalmente estou a tornar-me um escritor». Um escritor sim, sem dúvida – um romancista também, pois era isso que certamente pretendia dizer –, mas um escritor que convive com um equívoco. Ao pretender escrever de uma forma «inteligível», que possa ser compreendida sem dificuldade pelo leitor comum, aquele sem cultura literária e sem o hábito de ponderar o valor de uma obra de outra forma que não seja pelo interesse que lhe desperta a história que esta conta, MST põe de parte a procura da forma única, original, do texto irrepetível, que separa a chamada grande literatura daquela que, embora legítima, se limita a reproduzir estereótipos e se destina apenas a um público que não é muito exigente nas suas escolhas. É isso que o conduz, por exemplo, a perder-se em longas páginas descritivas com as quais pretende fazer o enquadramento histórico de determinados episódios, redigidas sempre de uma forma bem informada mas incomodativamente escolar. Muitos leitores, porém, entenderão esta característica como uma qualidade.

                        Apreciei bastante Sul e razoavelmente Não Te Deixarei Morrer, David Crockett. Gosto do Miguel Sousa Tavares cronista e «grande repórter». Gostaria que ele pudesse investir mais naquilo que faz realmente bem, por vezes muito bem. Mas se lhe dá prazer escrever uma coisa assim, olhar para a capa de Equador e ver que este vai na 32ª edição portuguesa, acompanhar José Rodrigues dos Santos e Fátima Lopes nos mesmos escaparates flamejantes, ser visto com concupiscência (literária, claro) por balzaquianas típicas ou frequentadoras da Nails and Beauty, quem sou eu para lhe reprovar as intenções? Nada tenho contra a chamada literatura light, e reconheço que esta preenche um espaço de interesse pelos livros e pela leitura que é inteiramente respeitável e até necessário. Principalmente quando quem a pratica é competente e não amarfanha a gramática, como é o caso. Mas já não me parece bem que ela passe por aquilo que realmente não é.

                          Apontamentos

                          O equívoco

                          O dia começou-me esplêndido. Na livraria, um cliente quer pedir ao empregado A Angústia da Influência (The Anxiety of Influence), de Harold Bloom, e pede A Angústia da Flatulência. Poderá ter confundido Bloom com Carolina Salgado.

                            Apontamentos, Etc.

                            Lumière e Companhia

                            Cheguei lá através do PFNews, o blogue pescador de pérolas. «Lá» é a colaboração entre 41 realizadores com o objectivo de produzir 41 pequenos filmes recorrendo à câmara cinematográfica original, tal qual a inventaram os irmãos Lumière. As três únicas regras requeriam que o filme não demorasse mais de 52 segundos, não contivesse mais de três takes e não utilizasse som sincronizado. O resultado encontra-se aqui.

                              Cinema, Recortes

                              Castidade, temperança e abstinência

                              Por mais que me desgoste a situação, e a tente contrariar adiantando outros assuntos, os posts deste blogue que mais recorrentemente são consultados possuem como títulos «Maria e o sexo oral», «Pornografia para crianças» e «Garganta Funda». Eles não são nada daquilo que aparentam ser – bastará aos leitores fazerem uma rápida procura no motor interno para o poderem confirmar – mas tal não demove esse exército de cidadãos lusófonos que sistematicamente se dedicam a pesquisar semelhantes assuntos na sex-machine planetária que se dá pelo nome de Google. A minha esperança é que o título deste post possa ajudar a criar um ponto de equilíbrio e me reabra as portas da Salvação. Oxalá e amen.

                                Apontamentos, Oficina