Memória, ignorância e inocência do mal

Deparei no Facebook, num grupo sobre o passado da cidade de Coimbra, com esta fotografia, tirada em 25 de junho de 1939 no Campo das Salésias, quando ali a Académica venceu o Benfica por 3-1, conquistando pela primeira vez a Taça de Portugal. Todavia, o texto, razoavelmente longo, que acompanhava a imagem, conseguia a proeza de evocar o momento sem referir a bem visível saudação fascista que, no início do jogo, ambas as equipas fizeram de um modo unânime. Pior: quando uma pessoa atenta deixou nos comentários uma referência ao facto, foi sucedida por uma série de contra-comentários agressivos e ignaros, às dezenas, onde se diziam coisas como «era apenas uma saudação habitual na época» ou «naquele tempo as pessoas não se metiam em políticas» (sic).

Estamos, pois, num tempo em que a progressiva dissolução da memória e a falta de um conhecimento razoável da história produzem um efeito de branqueamento sobre as partes do passado coletivo mais dolorosas e traumáticas. Naquele ano, lembre-se, começava a Segunda Guerra Mundial e Hitler e Mussolini avançavam, de uma forma que parecia vitoriosa, com o seu plano de domínio e partilha da Europa. Por cá, Salazar apoiava-os sem o esconder. A saudação fascista, acreditavam muitos então, pautava a antevisão de um mundo desigual, regido por ditadores e assente na superioridade étnica. Para algumas pessoas, o sinais desse tempo são agora apenas de júbilo e de celebração. Assim se abre caminho para quem tem na agenda a naturalização e a inocência do mal.

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