Longe da vista, longe da cabeça

No século XIX um conjunto de teóricos urbanistas defendeu, diante do crescimento das cidades e da sua população marginalizada e politicamente instável, a necessidade de afastar as «classes pobres» para as periferias das cidades. Assim, pensavam, se reduziria o perigo que representavam para os poderosos, e os centros urbanos seriam mantidos mais bonitos, mais limpos e mais tranquilos. Na Paris dos meados desse século foi particularmente importante a atividade do perfeito Barão Haussman, o «artista demolidor». O projeto de renovação da cidade que levou a cabo teve como objetivo, além de tornar a cidade de certo modo mais bela e imponente, pôr termo às constantes revoltas populares e barricadas. Ao mesmo tempo, serviu para expulsar os antigos moradores das ruelas centrais e aqueles que, havia pouco tempo, ali tinham afluído vindos das áreas rurais. Para a burguesia parisiense, em breve essa população se tornou uma realidade quase inexistente, confinada a escassas e necessárias atividades importantes para o aprovisionamento da capital.

Ressalvando as devidas e óbvias proporções, passa-se algo idêntico com as pessoas que, estando embora no seu direito, insistem em ignorar as redes sociais, depreciando-as e preferindo não sujar as mãos com elas. A verdade é que este instrumento de comunicação constitui hoje, para o bem e para o mal, um bom barómetro sobre a realidade. Principalmente para quem viva quase apenas no interior da sua bolha, permitindo-lhe melhor reconhecer o que pensa e defende um grande número de pessoas que integram aquilo a que muito genericamente chamamos «povo». Se tivessem prestado atenção, lendo o que tanta e tanta gente, doentia e diariamente ali escreve em posts e comentários, mais cedo teriam pressentido a quantidade de pessoas a quem o 25 de Abril e a democracia repugnam, e que pautam o seu relacionamento com os outros essencialmente pelo egoísmo, pela cegueira e pelo ódio. Assim foram despertadas à força para esta realidade com a qual todos temos agora de conviver, organizando estratégias de resistência e sobrevivência.

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